Eu nasci em 1950, em Trás-os-Montes. No fim do mundo. O meu pai era um janota, de olho azul traição, a quem a família arranjou casamento tardio, depois de muitas altercações sobre o seu modo de viver, e a minha mãe, era o que se pode chamar … uma mulher “feroz”!
Com poucos meses de idade fui entregue à minha madrinha, irmã dela e professora numa aldeia do distrito. Uma viking, alta e loura que levava todos na frente. Nunca casou. Dava-me aulas dentro e fora da escola.
Até à ida para o Liceu, só ia a Moncorvo alguns dias de férias.
Quando voltei para casa dos meus pais, mal conhecia os meus irmãos. Vinha de correr atrás dos burros e das ovelhas e estranhava-lhes os ademanes.
A minha mãe era de uma religiosidade à prova de bala. Ia à missa para se salvar e ao bruxo para dar tino a um irmão que era feito da pele do diabo. Antes de se deitar, atirava sal para os cantos da cave e depois rezava o terço. Só permitia que se festejassem dois eventos. A Páscoa e o Natal. Só soube o que era uma festa de anos quando me casei.
Aos 16 anos mudámos para o Porto, por questões de saias do meu pai. Foi a primeira vez que vi uma cidade com luz à noite. Era só abrir os olhos e deixar que tudo entrasse cérebro adentro.
Quando fiz vinte e três anos a minha madrinha informou-me que tinha uma mulher para mim. Nessa altura eu já era citadino e recusei. Mas atenção, que madrinha em Trás-os-Montes não era o mesmo que no Porto, que é madrinha de festa. Madrinha obrigava. Foi com grande dificuldade que evitei aquele casamento cuidadosamente arranjado.
Depois o meu pai morreu e a minha mãe vestiu-se de preto opaco nos trinta anos que lhe sobreviveu. Morreu aos 92 anos, sem nunca nos entendermos.
Deus, se existe, deve divertir-se à brava a baralhar destinos.