“Façamos de 2017 um ano de paz”, instava, nas Nações Unidas, o novo secretário-geral, António Guterres, quando Zeus passava sobre Nova York no regresso a casa. Sorriu com benevolência e disse para consigo. – Reza para que não te apareça pela frente um qualquer tiranete a abanar uma bandeira, pois vais ver que ele consegue um batalhão de palermas dispostos a guerrear!, e retomou rapidamente o rumo na direcção do Planeta Gliese 581 c.
Entretanto Hipólito, já em casa, ouvia, no Telejornal, o Papa Jorge Bergoglio a apontar a evolução tecnológica como a causa da ”orfandade espiritual", o que o pôs a divagar sobre o efeito da maior educação das populações sobre a violência, nos “Illuminati” que temiam que o saber caísse em mãos erradas e em Jesus Cristo e Sócrates que nunca escreveram uma linha e se focaram naquela dúzia de discípulos, para garantir que o seu pensamento não fosse adulterado.
Embora reconhecesse as boas vontades do Papa, não acreditava que o seu caminho tivesse futuro, nem que os santos, que tanto tinham ajudado a sua Igreja no passado, pudessem ter qualquer relevância futura, mesmo que ele se apressasse a criar novos em todo o mundo cristão. A solução para a paz, parecia-lhe estar na educação da população, mesmo correndo o risco do “saber” cair nas mãos de quem não o integre em valores humanistas e ecológicos.
Ora estava Hipólito nestes pensamentos, quando lhe apareceu um anjo no ecrã da televisão. Trazia na mão esquerda uma balança e na direita uma espada. A imagem manteve-se fixa durante uns segundos e depois dirigiu-se-lhe.
- Desculpa se te interrompo as notícias! Há meses que te observo e hoje, ao ver-te enleado nesses pensamentos, decidi abordar-te!
O médico reconheceu-o e puxou o sofá mais para frente do aparelho, para dar intimidade à conversa.
- Muito me honra a visita de alguém que ainda está no activo e com múltiplos afazeres. Mas o que é que em mim te despertou curiosidade!?. Eu sou um clínico sem mais pretensões que as de ter alguma qualidade naquilo que faz.
O anjo pousou os apetrechos, abriu e fechou as asas, para se ajeitar, e pôs as pernas fora do ecrã como se estivesse sentado num muro, para também se chegar ao colóquio.
- Desde que Zeus te convocou para dares assistência ao Lar da sua família, que fiquei com uma pulga atrás da orelha. É que tu nem um doutoramento tens!
O médico tentou disfarçar o sangue que lhe subia às faces:
- Vejo que, apesar de ainda usares espada e uma balança de braços, estás muito moderno. A tua conversa está na onda das universidades que, para se sustentarem, promovem doutoramentos que pouco contribuem para melhorar as práticas profissionais e só alimentam vaidades. Como deves saber eu pertenço à Carreira Hospitalar. Podia ter feito a opção pelo ensino e, se calhar, a esta hora até era professor universitário, mas optei pela actividade hospitalar e, na carreira, atingi o último grau.
- Calma!, respondeu o Arcanjo. - Não vejo o porquê de te zangares! Já tens idade para saber que o homem é um bicho oportunista e que a incompetência sempre achou caminhos para se sobrepor a quem anda distraído das modas que se jogam nas altas esferas.
Hipólito concordou e justificou-se:
- Desculpa, se me exaltei! É que agora qualquer um é professor. Tira-se um doutoramento na glândula sebácea do prepúcio do rato e exige-se um título de professor! Mas adiante! Queres tomar qualquer coisa. Um chá de hortelã ou preferes uma bebida alcoólica quente? Tenho ali um whisky que faz um óptimo Irish coffee!
O Arcanjo Miguel riu com a provocação e não resistiu a perguntar:
- Mas isto é assim ou oito ou oitenta?
- Não queria ofender. Não me digas que és abstémio!
- Se tens essa disponibilidade, aceitava um chá de menta! De vez em quando bebo um copo. Principalmente com a chanfana de borrego ou com a "maqluba". Na maior parte das refeições bebo água. Mas a causa de me teres aqui, foi o teu congeminar sobre o Papa e o pensar que os santos não ajudam a actual Igreja Católica a retomar a sua influência.
Hipólito, pediu-lhe um minuto e foi aquecer água, aproveitando esse tempo para organizar o pensamento. Depois, trouxe a chaleira a fumegar e, enquanto o servia, retomou a conversa:
- Há anos, quando a minha sogra era viva, a toda a hora eu ouvia nomes de santos. Ela vivia num ambiente rural, numa casa onde não havia livros. Os aforismos eram o seu guião para as boas práticas e resguardos, pois quem tem os bens ao relento e não tem seguro de colheitas, muito tem de se lembrar do que se passa nos céus. "No dia de S. Matias (14/5) começam as enxertias.”; “Pelo S. João (24/6) a sardinha pinga no pão.” “Pelo S. Tiago (25/7) pinta o bago e cada pinga vale um cruzado.”; “Nevoeiro de S. Pedro (29/6) põe em Julho o vinho a medo.” ; “Quem planta no S. Miguel (29/9), vai à horta quando quer.”; “Pelo S. Martinho (11/11), semeia o teu cebolinho.” ; “Quem colhe azeitona antes do Natal, deixa metade no olival.”. Era assim o ano todo ...
Mas numa época em que a agricultura de subsistência está a dar as últimas e a terra tende a concentrar-se em grandes multinacionais agrícolas, os santos só dão nome aos dias de folga ou de festa e os mitos de que se fala variam com o que Hollywood vai produzindo.
O Arcanjo saiu da borda da TV e foi para junto da janela. Passados uns minutos, respondeu:
- Dois homens, se são Homens, estão condenados a entenderem-se!, li-o numa crónica do António Lobo Antunes! Quando um homem se liberta dos seus instintos primários e consegue ver para além do seu umbigo, habitualmente entende o outro. Eu pertenço às três grandes religiões monoteístas e sou paladino de quem luta contra os embustes e procura virtude na humildade. Não tenho nenhum contrato com a cúria de qualquer dessas religiões, que as mais das vezes são formadas por gente marcada por crenças sem fundamento. Concordo contigo na necessidade de fazer com que a educação consiga uma maioria que não embarque em ilusões e se foque em objectivos exequíveis.
O médico foi a uma das prateleiras onde tinha os livros de ciência e trouxe um de Richard Dawkins – “O gene egoísta”, e questionou-o:
- Mas como dar essa volta, se Deus introduziu no ADN humano, uma memória tribal que tende a avaliar o outro negativamente quando lhe topa alguma diferença?
O arcanjo pegou na espada e apoiou-se nela, enquanto dissertava: - A globalização ajuda a corrigir essa tendência, mas é necessário "proximidade física" e vocês estão a apostar demasiado no virtual, com o que dificilmente vos ireis sentir pertencentes ao mesmo grupo. Nisso o Papa tem muita razão. A solidão é um refúgio e não é possível viver à sombra de um só livro, pois ele torna "infiéis" todos os que o não seguem!
O médico ignorava esta faceta de S. Miguel. Conhecia a sua relação com as colheitas e a luta contra o mal, mas entendia-o como defensor de uma facção. Afinal, ele estava presente nas três principais religiões monoteístas (Islamistas, Protestantes e Católicos) e, depois de o ouvir mais um tempo e se certificar que ele nunca tinha entrado nas Cruzadas, nem ter ajudado os exércitos nas lutas contra os Eixos de Mal que os políticos e religiosos, de várias origens, foram criando, deu-se à liberdade de o abraçar como a um amigo, e dizer-lhe:
- São Tiago, o “mata mouros”, foi invocado na reconquista da península ibérica e nas lutas contra Portugal. O São Jorge, da mitologia nórdica, ajudou-nos em inúmeras batalhas, mas a tua luta sempre foi contra as pessoas negativas, estivessem elas de um lado ou do outro, usando sempre a espada para evitar danos colaterais. Ainda bem que não aderiste às novas tecnologias, como outros deuses que passaram a usar armas de destruição maciça. Eu ando a juntar mitos que possam ter valor universal e gostava de te dar o nº1. Vês algum inconveniente?
- Tenho o maior gosto!, alegrou-se o anjo. - Mas o meu apoio não é incondicional! Espero que não me ponhas a fazer equipe com o Pai Natal, nem com o Batman!?
- Está descansado que eu, sempre que encontrar um mito com características favoráveis a uma universalidade, peço a tua opinião. Por falar nisso: Tens alguma coisa conta o D. Quixote?
1 comentário:
O meu obrigado a Raquel G, pelo seu contributo para a execução deste post:
- Por Santa Lucia menguan las noches e crecen los dias
- No hay luna como la de enero, ni amor como el primero
- En el més de enero, floresce el romero
- Cuando el grajo vuela bajo, hace um frio del carajo
- Por San Blás, la cigueña verás, si no la vieres, año de nieves
- Por San Blás hora y media más, y quien bien contare dos le entrare
- Cuando marzo mayea, mayo marcea
- Agua de mayo, pan todo o año
- Hasta 40 de mayo no te quites el sayo
- Por Santa Teresa , se llena la presa
- Por San Mateo, tanto veo como no veo
- En San Miguel, la uva sabe a miel
- Biendito es més, que empieza com Santos e acaba com San Andrés
- Pan duro, diente agudo
- En martes, ni te cases ni te embarques
- Xaneiro xiadeiro, febreiro corzo, marzo ventoso, abril chuvioso, sacan a maio florido e fermoso
- De San Amaro a San Valentinn, mês de cocido en Lalin
- Se o cuco non vén entre marzo e abril, o cuco está morto ou o fin do mundo vai vir
- Pascoas marzales, ou famintas ou mortalhes
- Cuando marzo vén quente, trae o demo no dente
- Polo San Xoán, a sardiña molla o pan
- A auga em San Xoán, leva o viño e mais o pan
- Polo San Xuán, as nove com dia dan
- En abril, medra o porco no cubil
- O que sementa antes de Santa Catalina, moita palla e pouca fariña
- Por San Andrés colle o porco polos pés
- Polo San Martiño proba o teu viño
- A horta do San Martiño cria o teu porco e o do veciño
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