Minha querida:
A nossa relação acabou!
Ao fim destes muitos anos em que me acompanhaste dentro do hospital, sempre atenta a qualquer ignição mais apaixonada, é forçoso que te deixe e prescinda da garantia de que nada mais acalorado se passará sem o teu conhecimento.
Pena que só nos dessemos a conhecer em fevereiro de 2012, quando os meus olhos tropeçaram no jeito meigo dos teus. Foi então que tudo começou e, animado pela tua timidez de menina, eternamente protegida atrás de uma vidraça, mantive-te informada do que se passava no meu peito.
Tens agora o cabelo encanecido pelas muitas confidências que escutaste. Ouviste familiares falarem mal dos médicos, médicos a queixarem-se dos seus pares, enfermeiros dos horários de trabalho, auxiliares da precariedade da sua vida. Ouviste falar do desperdício de quem tem pressa e fica incapaz de pensar antes de se meter a “fazer”, da gestão que não controla os custos e que diariamente põe em causa a sustentabilidade do SNS, do nivelamento por baixo dos profissionais desta casa, dos fracos vencimentos pagos pelo Estado, da procura desnecessária dos serviços hospitalares, … . Tantos a queixarem-se do que os outros não fazem bem, sem cuidar de melhorar o que podiam na sua área … .
De mim muito deves ter ouvido, porque pertenci ao grupo que lutou pela melhoria da qualidade assistencial a custos aceitáveis, sem aquela “flores” que são os “luxos” de quem se esquece que mais tarde os irá pagar, sob a forma de impostos ou da desvalorização do seu dinheiro. Percebeste as minhas mágoas quando falava dos meios auxiliares de diagnóstico e de terapêuticas desnecessárias, dos gastos com controles biométricos com médicos em vez de responsabilizar os directores dos serviços pelo qualidade e quantidade de trabalho produzidos, da promiscuidade entre o público e o privado, da necessidade de uma fiscalização eficiente ao favorecimento (nepotismo e compadrio - político / religioso / institucional) na escolha dos profissionais das organizações dos Estado, nesta "terra de primos que passam a vida a fazer jeitos uns aos outros”.
Obrigado pela tua paciência!
Em breve, só quando as saudades me trouxerem para os locais onde fui feliz, te encontrarei de novo. Talvez te escondas num novo penteado e me deixes inquieto por te ter deixado assim, de um dia para o outro, e me recrimines por, apesar da idade, ainda te manteres no teu posto assumindo as funções nessa missão de estar sempre disponível para entrar em acção a todo o tempo.
Eu sei que esta separação me irá custar mais a mim que a ti, pois não acredito que deixes que uma lágrima assome ao teu rosto, nem te vejo a alterar a rotina de tantos anos, já que tens quem te garanta a subsistência.
Eu tenho de programar o meu novo estar. Para já vou-me manter por perto e a todo o tempo te poderei visitar, queiram os deuses que sempre de sorriso estampado, mas, se o acaso me levar a ti na horizontal, que o nosso encontro seja breve e que a memória ajude a dar dignidade a quem por aí andou sem se preocupar com serviços mínimos.
Fica bem, meu romance tardio
Fernando