quarta-feira, 5 de fevereiro de 2020

O Túnel dos Pombos



John le Carré é um homem do mundo e muitas histórias. Umas reais e outras também, embora ficcionadas. Regressei a este livro para reler o Prefácio que, há três anos me persegue.


Quase não há um só livro meu que, a dada altura, não tenha como título provisório O Túnel dos Pombos. A sua origem explica-se facilmente. Eu andava pelos meus quinze, dezasseis anos quando o meu pai decidiu levar-me a Monte Carlo, numa das suas farras de jogo. Perto do antigo casino ficava o clube desportivo, em cuja base se estendia um relvado e uma carreira de tiro com vista para o mar. Sob o relvado havia pequenos túneis paralelos que conduziam em fila à orla do mar. Neles eram inseridos pombos vivos que tinham sido criados e apanhados em armadilhas no telhado do casino. A tarefa dos pombos consistia em esvoaçar pelo túnel escuro como o breu até saírem para o céu mediterrânico para serem alvos dos cavalheiros desportistas bem almoçados que se encontravam de pé ou deitados por terra à espera com as suas espingardas. Os pombos que ele falhavam ou só feriam na asa faziam então o que os pombos fazem. Regressam ao local do seu nascimento no telhado do casino, onde as mesmas armadilhas os aguardavam.  
A razão exacta por que esta imagem me assombra há tanto tempo é algo que talvez os leitores possam compreender melhor do que eu.

John Le Carré, Janeiro de 2016

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