sexta-feira, 24 de abril de 2020

Shakespeare


"Depois de algum tempo aprendes a diferença, a subtil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma. E aprendes que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança. E começas a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas. Acabas por aceitar as derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança. E aprendes a construir todas as tuas estradas de hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de crain no meio do vão.
Depois de algum tempo aprendes que o sol queima se te expuseres a ele por muito tempo. Aprendes que não importa o quanto tu te importas, simplesmente porque algumas pessoas não se importam... E aceitas que apesar da bondade que reside numa pessoa, ela poderá ferir-te de vez em quando e precisas perdoá-la por isso. Aprendes que   falar pode aliviar dores emocionais. Descobres que se leva anos para se construir a confiança e apenas segundos para destruí-la, e que poderás fazer coisas das quais te arrependerás para o resto da vida. Aprendes que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias. E o que importa não é o que tens na vida, mas quem tens na vida. E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher. Aprendes que não temos que mudar de amigos se compreendemos que os amigos mudam, percebes que o teu melhor amigo e tu podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos. Descobres que as pessoas com quem tu mais te importas são tiradas da tua vida muito depressa, por isso devemos sempre despedir-nos das pessoas que amamos com palavras amorosas, pode ser a última vez que as vejamos. Aprendes que as circunstâncias e os ambientes têm influência sobre nós, mas nós somos responsáveis por nós mesmos. Começas a aprender que não te deves comparar com os outros, mas com o melhor que podes ser. Descobres que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que se quer ser, e que o tempo é curto. Aprendes que, ou controlas os teus actos ou eles te controlarão e que ser flexível nem sempre significa ser fraco ou não ter personalidade, pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação, existem sempre os dois lados. Aprendes que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer enfrentando as consequências. Aprendes que paciência requer muita prática. Descobres que algumas vezes a pessoa que esperas que te empurre, quando cais, é uma das poucas que te ajuda a levantar. Aprendes que maturidade tem mais a ver com os tipos de experiência que tiveste e o que aprendeste com elas do que com quantos aniversários já comemoraste. Aprendes que há mais dos teus pais em ti do que supunhas. Aprendes que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são disparates, poucas coisas são tão humilhantes e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso. Aprendes que quando estás com raiva tens o direito de estar com raiva, mas isso não te dá o direito de ser cruel. Descobres que só porque alguém não te ama da forma que desejas, não significa que esse alguém não te ama com tudo o que pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar ou viver isso.
Aprendes que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes tens que aprender a perdoar-te a ti mesmo. Aprendes que com a mesma severidade com que julgas, poderás ser em algum momento condenado. Aprendes que não importa em quantos pedaços o teu coração foi partido, o mundo não pára para que tu o consertes. Aprendes que o tempo não é algo que possa voltar para trás. Portanto, planta o teu jardim e decora a tua alma, ao invés de esperares que alguém te traga flores. E aprendes que realmente podes suportar mais... que és realmente forte, e que podes ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais. E que realmente a vida tem valor e que tu tens valor diante da vida!
As nossas dádivas são traidoras e fazem-nos perder o bem que poderíamos conquistar, se não fosse o medo de tentar."

William Shakespeare

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Bouças



Não há, ou se há, são raríssimas, as soluções que agradam a todos. Por isso, existirá sempre uma minoria descontente.

É a vida, como diria o engenheiro Guterres.

Quando os Hipermercados tomaram conta do comércio a retalho, a maioria ficou satisfeita ao ver a “feira todos os dias, com horário alargado”. Quem se amolou foram os merceeiros e muito do comércio de bairro. Quando as Clínicas tomaram conta dos “Consultórios Particulares”, poucos se preocuparam com o facto dos médicos melhorarem ou piorarem o seu vencimento. Quando o dinheiro aplicado em “ações” se perde, ninguém lamenta, mesmo que seja o aforro de anos de trabalho.

É a vida. As coisas vão mudando e temos de nos adaptar às novas regras do jogo.

Vem isto a propósito da floresta portuguesa, que no Norte está imensamente fragmentada.  75% pertence a cerca 500 000 proprietários florestais privados, a grande maioria com mais de 60 anos e com pouca instrução. Mais de metade são reformados- E isto referente aos identificados, pois muitos dos não identificados já estão mortos, sem herdeiros conhecidos ou andam por outras paragens e abandonaram as bouças.

Neste cenário e com o aumento da longevidade da população, o mais certo é os seus descendentes irem herdar quando já tiverem mais de 60 anos e a vida mais ou menos arrumada, e sem vontade de modificar o “stato quo”.

A floresta é como tudo o resto. Se o expectável é que dê uma colheita de eucaliptos de 15 em 15 anos (se não houver fogos) e que os encargos com a sua manutenção sejam diminutos, tal deixou de ser “garantido”. A tendência é para os encargos com a manutenção aumentarem, quer através da imposição limpezas regulares (o que para muitos exige recurso à contratação externa), quer com regras que obriguem a um maior espaçamento entre árvores, o que pode fazer com que o lucro se perca.

Hoje o problema coloca-se sobre os proprietários de bouças que estão dentro dos 100 metros dos aglomerados populacionais ou nos 50 metros em redor de habitações isoladas, amanhã, muito provavelmente, outras normas se imporão e aquilo que era um bem “seguro”, irá deixar de o ser.

A exploração florestal, exige “dimensão”. Ou caminhamos na direcção do associativismo florestal ou os decisores políticos irão optar pela via penalizadora e coerciva, já que uma floresta demasiado vulnerável responsabiliza o Estado em situação de catástrofe, como recentemente aconteceu em Pedrógão.

Nessa altura, muitos dirão que “o Estado falhou” para se candidatarem a indemnizações, quando, na altura certa, recusaram as alterações que lhes dariam maior segurança contra o fogo e a eventuais perdas de rendimento.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Trabalhos de avô em tempos de Covid


-Sara anda descansar!
Diz que não, foge pouco convencida e rende-se quando a seguro por um braço. Ponho-a ao colo. Faz-me um “xi-coração, munto gande” e deixa que a leve, sem mais protestos.
Chegados ao quarto, começam os trabalhos. – Avô! O bébé! Está habituada a dormir com um boneco e uma peça de um puzzle com uma imagem do Noddy. Procuro o bébé e ponho-lho numa das mãos e na outra o Noddy. – Avô! Patos! Tiro-lhe os sapatos.- Ali em cima!, ponho os sapatos em cima do armário, apago a luz e sento-me na cadeira, com ela ao colo.
Aconchega-se até sentir algum conforto, o que demora umas cinco ou seis voltas, para fugir às minhas irregularidades. Ajudo-a sem ela notar e fico numa posição desconfortável de manter de modo sustentado.
– Avô! Cavalo! É a ordem para eu cantar o “Era uma vez um cavalo” que vivia num lindo carrocel…! Canto em voz sussurrada, umas dez vezes, até a sentir mais calma e páro de cantar. -Avô! Come a papa! -Oh Sara!. eu já cantei o cavalinho muitas vezes! – Come a papa! Avô! Não é uma ordem, mas é como se fosse. Se eu não cantar, ela volta a ficar activa e tenho de começar tudo de novo. Negoceio. – Só uma vez! E depois a Sara dorme. Está bem? -Sim! Canto o Come a papa, umas seis vezes, a última num sussurro.  Procura outras posições para dormir, sempre com o bébé numa mão e o Noddy noutra, que vai mordiscando.
Está quase a dormir. Deixa cair o bébé e desperta. – O bébé!. diz num misto de sono e choro. Torço-me para apanhar o boneco do chão, sem lhe alterar a posição no meu colo. Dou-lhe o boneco. Agarra-o e procura nova posição. Passa-me a mão pela face para se assegurar de que eu ainda estou ali. Já estou com o braço que lhe sustenta a cabeça dormente, receoso que os meus movimentos a estimulem.
Está quase. – Toma!, diz passados minutos. Às escuras, entendo que me está a dar o Noddy. Recebo-o. Aninha-se menos tensa e sinto que já não segura o bébé que mantém junto ao corpo. A respiração é agora mais pausada. Deve estar a dormir. Levanto-me com ela nos braços. Não reage. Deito-a na caminha. Ajeita-se. Uma vez, duas vezes. Em bicos de pés, vou até à porta. Entra um pouco de luz no quarto e ouço um. – Avô!, muito esmorecido. Respondo, -O avô está aqui! e volto a entrar.
Está quieta há minutos e com a respiração pausada. Saio. Passou uma hora.
Amanhã vai ser igual.