sexta-feira, 23 de abril de 2021

Não é fácil!

 


“Não é fácil! Parece fácil, mas não é fácil!” diz com ar apatetado, quando é apanhado a espreitar o trabalho dos enfermeiros e dos fisioterapeutas nas enfermarias.

É um dos muitos casos em que, depois de resolvida a doença aguda que o levou a uma Urgência, permanecem nos hospitais e nas Unidades de Cuidados Continuados, à espera de uma solução que os tire do trilho de décadas de más escolhas. Sem ascendentes vivos ou descendentes, só lhe resta uma irmã cansada de lhe tentar dar rumo à vida. Aguarda “vaga de emergência social” numa ERPI (Estrutura Residencial para Pessoas Idosas), a nova nomenclatura para designar o que anteriormente denominávamos Lar de Terceira Idade, embora tenha bem menos de sessenta anos. Entretanto deambula pelas enfermarias e pela sala da televisão e, se tem oportunidade, deita a mão ao que julga ter alguma utilidade futura.

Se Educação é aquilo que aprendemos com os nossos pais, quando eles não nos estão a ensinar nada, ele parece educado. Isto é, habitualmente não é agressivo, está atento ao que se lhe diz, pede por favor e agradece o que se lhe dá, sem, no entanto, ser capaz de uma conversa com princípio, meio e fim, refugiando-se sistematicamente na primeira resposta jocosa que lhe vier à cabeça. Noutro tempo e noutras circunstâncias, talvez fosse menos reverente e fizesse coro com aqueles que, nas redes sociais, põem em causa tudo e todos, lembrando o aforismo do “Quanto mais longe te vejo, mais franco te falo!”, que é o que mais se lê nos comentários, mas, como hoje não sabe nem pode, fica-se pela oralidade contida, sem qualquer preocupação com os “likes”.

Tem uma demência dependente do álcool e das várias quedas que foi dando ao longo dos anos. O vinho arruinou-o e desfez-lhe os laços sociais. Ainda lembra os parceiros dos copos com quem partilhou mesa, festas e histórias, e alardeia os excessos e as picardias, no meio de um discurso confuso e confabulatório.

Está à espera que a Segurança Social se lembre dele e lhe dê um lar definitivo.
Parece fácil, mas não é fácil!, digo eu também, a pensar no trabalho que dá quem está longe da realidade e sempre à espera de voltar onde “já foi feliz!”.

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