“Ajude-se a si mesmo, preferindo sempre os artigos
nacionais!”, “Beber vinho é dar de comer a um milhão de portugueses!” e “A
verdade é só uma, Rádio Moscovo não fala verdade!”, tenho-os como slogans
recorrentes da Emissora Nacional, nos anos 60 do século passado, as verdades
que o Estado Novo procurava impôr, a par do “Deus, Pátria, Autoridade!” e mais
tarde com o “A Pátria não se discute. Cumpre-se!”
Frases saídas depois de um sinal horário ou do fim de uma
radionovela, que cedo me levaram a lhes questionar a intenção, atitude
que se expandiu aos dogmas religiosos com que simultaneamente me bafejavam.
Mais tarde, a Ciência foi-me relativizando as “verdades” sem,
no entanto, ter lido os filósofos que sobre elas discorriam.
Eis-me agora chegado ao tempo de pegar em livros arrumados
que, por uma razão ou outra, me vieram cair na mão.
Há dias iniciei o “Apelo da Tribo” de Mario Vargas Llosa,
Nobel da Literatura (2010), onde o autor revê os pensadores que o levaram a acreditar
no “Liberalismo” como melhor solução política, e onde também aborda a “Verdade”.
… “no relato histórico, as ideologias e as religiões, os
interesses criados, as paixões e os sonhos humanos foram injectando, ao longo
dos séculos, cada vez mais doses de fantasia, até os aproximarem dos domínios
da literatura e, às vezes, confundi-los com ela. É evidente que isto não nega a
existência da História, apenas sublinha que a História é uma ciência carregada
de imaginação”.
Para Karl Popper, a verdade vai sendo descoberta num processo
que não tem fim. Ela é sempre provisória e dura enquanto não for refutada mas,
enquanto dura, reina todo-poderosa.
… para que o progresso seja possível, é importante que as
verdades vigentes sejam sempre sujeitas a críticas, expostas a provas,
verificações e desafios que as confirmem ou substituam por outras mais próximas
dessa verdade definitiva (inalcançável e porventura inexistente), cujo chamariz
dá alento à curiosidade, ao apetite de saber humano, desde que a razão
substituiu a superstição como fonte de conhecimento.
Popper faz do exercício da liberdade o fundamento do
progresso. Sem crítica, sem possibilidade
de questionar todas as certezas, não há avanço possível no domínio da ciência,
nem aperfeiçoamento da vida social. Se tal não for permitido, em vez de
verdades racionais, entronizam-se mitos, actos de fé, magia, metafísica, num
processo que pode adoptar aparências religiosas, como nas sociedades
fundamentalistas cristãs ou islâmicas, nas quais ninguém pode questionar as “verdades
sagradas”, ou pode adoptar uma aparência laica, como nas sociedades
totalitárias, nas quais a “verdade oficial” é protegida contra o exame livre em
nome da “doutrina científica” do marxismo-leninismo.
Foi errando e aprendendo com os erros, que o homem evoluiu
no conhecimento da natureza e de si próprio, num processo onde não estão
excluídos retrocessos e ziguezagues. Foi assim na medicina, na astronomia, na
física e também na organização social. É este “peacemeal approach” que
Popper postula, expressão que equivale à opção gradual ou reformista,
antagónica da revolucionária, que faz tabula rasa do que existe.
Estou com ele!