Bertrand Russel, Daniel C. Dennett, Christopher Hitchens, Richard Dawkins, Laérco Fonseca eram os palestrantes. Hipólito conhecia-os dos livros e das conferências que vira no Youtube, a criticar as religiões existentes e a defender códigos de conduta baseados no conhecimento científico e sociológico do Homem, mas nunca os vira dispostos a iniciar uma nova Religião, pelo que estava à espera de um passo, por pequeno que fosse, nesse sentido.
Após uma breve introdução em que se falou dos crimes efectuados em nome de Deus por alguns dos santos venerados na liturgia católica, apontaram a discussão para definir quais as melhores estratégias para chegar às classes mais desfavorecidas que voltam os olhos para o céu na esperança de uma solução para as suas aflições.
Definiu-se Secularismo, não como uma ausência de Fé, mas como uma moralidade à volta da racionalidade, das escolhas e da responsabilidade individual para uma conduta adequada para se ser considerado e empático com os outros. Mas, tais valores, embora entendíveis por o mais simples dos homens, perde força quando ele está perto dos seus limites e anseia por uma solução que dê sentido ao seu sofrimento. O Cristianismo que não se apoia só em sensações “moderadas” como a empatia, põe a tónica num “fervente altruísmo e amor sacrificial”. O Judaísmo não valoriza só a comunidade, mas também a imbui de “laços sagrados e escolhas que fazem vibrar as cordas do coração” e todas as outras não pedem aos crentes que sejam só respeitadores, pedem-lhes também “que a essência de cada alma se valorize com a alta dignidade da luz divina”.
Ora era esse o caminho que o Secularismo teria que fazer: deixar de se limitar aos aspectos racionais da nossa natureza e incluir no discurso conceitos capazes de “despertar emoções e exaltar paixões”.
A palavra secular vem do latim saeculum, que significa “uma geração”, “uma vida humana”, “um século” - um tempo finito ou mundano, em oposição ao tempo religioso cheio de eternidade e carregado de significado espiritual e, nesse sentido, ela também é limitante da “Esperança”, que é o grande motor da humanidade. Os deuses são o foco de “esperança”, quer através de uma intervenção directa ou pela promessa de uma vida extraterrena de grande conforto para premiar todo o sofrimento e o bem que se fez neste mundo. O Secularismo ignorava-o e essa era a grande limitação para a sua expansão como força mobilizadora de grandes massas humanas.
As palestras seguiam um tom morno, quando, do público surgiu uma voz. – Vocês podiam adoptar como ícon “Nossa Senhora”. Ela é uma mulher, não é uma deusa! E digo é e não era, porque, segundo consta, não morreu, foi levada para o Céu em corpo e alma, enquanto viva, num estado de dormição e, talvez por isso, é vista em vários locais do mundo. Maria é representada jovem e bonita e as suas 1100 denominações diferentes (em Portugal 744), têm por base a empatia, a benevolência e a aceitação da imperfeição humana. Além disso, tira a tónica da “força bruta”, masculina, que as religiões tendem a usar no seu proselitismo. Pensem nisso!
Todos se entreolharam a tentar identificar quem assim falava, pois a voz parecia ter a mesma intensidade em toda a sala. Bertrand Russel que presidia à mesa ajeitou o microfone e dirigiu-se à plateia:
- A mesa não conseguiu identificar quem acabou de falar. Agradecia que se levantasse para podermos encetar o diálogo!, mas nenhum dos deuses, mortos ou humanos presentes se acusou, e Russel assumiu de novo a palavra: - Uma vez que não foi ninguém aqui presente a proferir o discurso que acabámos de ouvir, concluo que a autoria foi da Inteligência Artificial. Devo, no entanto, avisar que a IA não foi convidada, pelo simples facto de ser perigoso valorizar as suas opiniões no devir humano. Talvez no próximo Congresso a sua participação seja benvinda, mas o estado da arte de hoje desaconselha que seja tida em consideração!
E, sem mais delongas, deu por terminada a sessão e cada um saíu para seu lado. Hipólito olhou para eles e pensou: - São como a União Europeia, permitem a transação de pessoas e bens, mas são incapazes de ter um plano de defesa comum.
Já era tarde e o corpo pedia-lhe o aconchego de uma cama. Saiu e, de imediato, foi abordado por Zeus, que lhe meteu familiarmente o braço enquanto lhe dizia: -Meu amigo, isto aqui no Médio Oriente, está a ficar muito instável. Israel e os USA estão em vias de um ataque ao Irão, o melhor é ir para casa, já!
Hipólito, apanhado de surpresa, ainda perguntou: - E as conversações que estão a decorrer na Arábia Saudita já terminaram?
Zeus respondeu, sorrindo: - Esqueça o que vem a público, que não passa de cortinas de fumo para o que se quer fazer. Neste momento, Israel está na mó de cima e quer ver-se livre dos grupos que há décadas o ameaçam e que estão sob influência e patrocínio do Irão e os USA necessitam de um aliado forte nesta zona, por causa do canal do Suez, que é a principal rota marítima do mundo, por onde passa mais de 10% do comércio mundial. Trump não vai perder a oportunidade de dar cabo do programa nuclear do Irão. Aquelas conversas com Putin sobre a Ucrânia visaram também o apoio da Rússia ao Irão e ele deve ter conseguido uma “não interferência” tácita em troca de parte do território da Ucrânia.
-E a Europa?, retorquiu o médico, a tentar tirar mais uns nabos da púcara.
- A Europa deixou de ser um problema para os USA, quando a Alemanha parou de comprar gás à Rússia. Qualquer colaboração mais intensa entre os países mais industrializados da Europa com a Rússia, tem o veto americano, independentemente das política de qualquer das partes. É que a Europa unida à Rússia seria uma força geopolítica indesejável, sob todos os aspectos, para os USA. Agora, agarre bem o tridente que vamos iniciar a viagem!
E, dito isto, elevou-se no ar, qual míssil intercontinental, em direcção ao ocidente, levando consigo Hipólito.
Sem comentários:
Enviar um comentário