“Aqueles que passaram demasiado tempo com o nariz colado aos mapas terão tendência para confundir o mapa com o território.”
Tropecei nesta frase de O Cisne Negro, de Nassim
Nicholas Taleb, e ela ficou a ecoar-me. Pensei em alguns dos conflitos que vivi
com a gestão do hospital onde trabalhei, sobretudo quando, por iniciativa
própria, decidi conter despesas no serviço que dirigia, tentando tratar mais
doentes com menos custos em medicamentos e meios complementares de diagnóstico.
Era uma tentativa de eficiência, num tempo em que essa palavra soava estranha
nos corredores da administração, como se o dinheiro fosse um bem inesgotável,
bastando querer para poder.
Mais de uma década depois, o discurso mudo. Pela primeira
vez, um governo português declara tornar a Saúde mais eficiente,
combater o desperdício, corrigir os erros de gestão.
Mas o desperdício não nasce apenas da má organização. Brota
também da pressão social exercida sobre os médicos e sobre as instituições. A
Saúde é, nesse aspeto, irmã da Justiça: se queremos garantir que nenhum
inocente é condenado, temos de aceitar que muitos culpados fiquem impunes.
Na Medicina, se se exige erro zero, os médicos defender-se-ão com baterias de
exames e terapêuticas de eficácia duvidosa, para não
poderem ser acusados de “não terem feito tudo o que era humanamente possível”.
O preço é alto, e não apenas financeiro: multiplica-se a iatrogenia, o dano
colateral do excesso de zelo.
Recordo-me de ter alertado um gestor para o impacto negativo
que determinada decisão estava a ter sobre alguns doentes. Respondeu-me, sem
hesitar, que o que o preocupava era “a floresta e não as árvores”. Noutra
ocasião, pediram-me silêncio quando ousei questionar os custos da ineficiência.
Talvez alguma ineficiência seja inevitável, como o ruído que
acompanha qualquer sistema vivo. Mas quando ela é evidente para quem
está no terreno e invisível para quem observa de um gabinete, debruçado sobre
relatórios e gráficos, é sinal de que confundimos o mapa com o território.
Mas, entre o querer fazer e o fazer, vai uma grande
distância. Há que contar com os lóbis — os da indústria farmacêutica, os dos
médicos, os dos enfermeiros, os dos psicólogos e
ainda o da Assistência Social, que usa a muleta da Saúde para amparar o
desamparo em que uma parte significativa da população cai quando a velhice ou a
doença a atinge.
Ter resultados neste contexto é obra, porque é aimda maior a necessidade de não
confundir o mapa com o território.


Sem comentários:
Enviar um comentário