Hoje são poucos na consulta. Poucos, mas "bons". São cinco, mas pelo menos dois vão-me dar água pela barba.
Vou começar pelo Serafim, que já vi lá fora. Fui eu que o chamei, depois do Laboratório me ter avisado das graves alterações nas suas análises. Sempre foi uma consulta difícil a deste homem, de pouco mais de 35 anos. Está sempre agitado e tem uma péssima relação com a mãe que lhe dá guarida e o atura. Quando esteve preso, cumpriu os tratamentos, mas agora, anda agitado e não toma a medicação. Para o trazerem hoje, deve ter sido um inferno naquela casa.
Chamo-o à porta. Vem com a mãe, que deve rondar os setenta anos. Veste bem, e quem o vê ao longe, não lhe imagina a vida.
- Então como está? Tem ido ao Porto, ao IPO ?, pergunto, para saber se, recentemente, houve alguma participação daquele Hospital, depois de, no ano passado, ali ter sido operado.
Levanta a cabeça, e responde de modo abrupto: - Como é que eu posso ir às consultas, sem dinheiro? Mandaram-me uma carta para eu ir, mas eu não vou assim! Perder lá toda a manhã. Não tenho paciência!
A mãe, ao lado, move-se na cadeira, e tenta acalmá-lo: - Serafim! Eu falo com as assistentes sociais, e isso arranja-se. O Dr. passa-te um papel para o transporte, e tu só tens de ir! Que te custa!?
- Não quero! As assistentes sociais não querem saber. Nem o Rendimento Mínimo me dão!, continua ríspido, respondendo para o intervalo entre nós a duas.
- Mas, se tu não tens direito a esse dinheiro por nos teres a nós, tens de te conformar!, repete-lhe tentando dar sentido às horas em que já se discutiu já esse assunto. Ele levanta o olhar, e diz-lhe com despeito:
- Cala-te, que tu não sabes nada!, e vira-se para o lado a ruminar impropérios, enquanto eu me levanto para pôr cobro aquela desavença. -Calma! O assunto agora é outro!, exclamo. - Há umas análises que estão muito mal e que temos de confirmar, porque, a ser verdade, a situação é muito grave! Já falei com o Laboratório para que vá lá agora repeti-las. Está bem?, e vou à porta chamar a irmã, que ficou fora, para o conter em caso de necessidade.
- É sempre assim! Dr.! Ele põe-na louca! Ele vai dar cabo da minha mãe!, diz enquanto entra e se senta.
Entretanto o telemóvel dele toca, e, de imediato, atende. -Sim!, Sim! Diga patrão!, responde durante os segundos em que se mantém sentado, - Sim! Sim! Diga que eu vou! Sim! Eu vou!, continua, levanta-se, e sai pela porta a baixar repetidamente a cabeça no meio dos muitos Sim.
Olho para as duas à minha frente, e com alguma perplexidade pergunto: -Afinal, ele … trabalha!. A irmã encolhe os ombros, esboça um meio sorriso, e responde: - Oh Sr. Dr.! O trabalho dele, ... é a droga!
Volta a entrar. Não sei se entregue tudo ao destino, ou se respeite o esforço daquelas duas mulheres. É mais fácil a segunda opção, e para acabar, sugiro-lhe:
- Sr. Serafim! Antes de ir embora, passe pelo Laboratório e faça as análises que eu depois combino o resto com a sua irmã, está bem?
- Agora não posso!, responde. – Já marquei coisas! Tenho que sair já! Não posso!, e sai com a mãe atrás, enquanto eu digo à irmã: - Ficamos assim. Quando ele achar que deve vir, que venha, mas é quase certo que lhe vai surgir uma complicação grave e provavelmente letal, que agora se poderia evitar. Mas a vida é dele! ... Boa Tarde!