E ao fim de meia hora, chegou o “Facadas”. Registou o
irmão que estava como “laranja - não identificado” e entrou no gabinete. Finalmente
havia uma história.
A enfermeira do INEM que trouxe o doente, pouca informação
dera. A VMER encontrou-o à porta de um café, com grande espasticidade e desvio conjugado dos olhos para cima, amarfanhando
um velho trapo amarelo de limpar as mesas, junto à boca persistentemente aberta,
onde pontuavam três únicos dentes meios podres. Sinais vitais normais. O irmão, o tal “Facadas”, que estava junto, não aparentava muita preocupação e pedira para lhe telefonarem quando ele estivesse bem.
- Faça o favor de se sentar! O que é que se passou?
- É assim! Ele bloqueia! ... Mas isso é mais … da … “ugia” … da
… cabeça!
- Hoje esteve consigo o dia todo?
- Não! Ahhh! Eu vou-me embora no domingo. Para França! … Trabalhar
na construção civil!
- E ele? Trabalha?
- Ele ... não faz nada! ... Está reformado! Do remédio da cabeça!
- É epiléptico?
- Ai não sei! Isso aí …!
- Você está sempre em França?
- Eu estou de vez em quando e ... hoje, convidei-o para jantar e
ele … bloqueou! … Que ele bloqueia mesmo!
- Então, você não vive com ele e só o convidou para almoçar?
- Ahh! Oui!
- E então o que é que aconteceu?
- Nada. Bebeu uma garrafinha de água, que ele não bebe
álcool e ... bloqueou!
- Mas teve movimentos esquisitos?
- Ai teve! Mas o que eu não achei graça, foi mandarem dois
carros do INEM para lá!
- Porquê?
- Dois carros? Eu só disse que o meu irmão não estava
bem. Que começou a revirar os olhos em branco. … Por amor de Deus!
- Então ele estava a revirar os olhos?
- Então ele estava a revirar os olhos?
- De que maneira!
- E há quanto tempo está você em Portugal?
- Ora vamos lá ver. … Quatro meses!
- E nesse tempo você deve-o ter visto várias vezes. Ele andava bem, a falar direito?
- Isso… !!! … Eu vou-lhe ser sincero! … Aqui há uma coisa! ... A
senhora dele não fala com nós! Pode ser minha mãe. … E eu sou mais velho que
ele! … É uma senhora já de idade! … Dói muito! … Nem à morte do meu pai veio! ... Mas sou o único e disse-lhe: Anda embora comer! Mas come devagar! … O Sr. Dr. sabe
o que é um leão? … É ele a comer!
- Mas ele engasgou-se?
- Não! Não se engasgou! Eu pedi à senhora do Café para
chamar o 112, e ainda não percebo porque mandaram dois carros do INEM! … Hay
que pagar, ... aãã!!!!, e pode haver pessoas a…
- Não “hay que pagar” nada, esteja descansado!
- É que … eu já o vi! E … daqui a bocado, … ele está bom!
- E quando ele está bom, o que é que ele faz?
- Então é assim! … Quer que lhe explique? … Quando recebe a
reforma dele, anda tudo bem. Quando acaba o dinheiro e não há cigarros, pronto
… “bareia”!
- E ele não toma medicamentos?
- Ui! ... de que maneira!?
- E hoje terá tomado?
- Não lhe posso dizer nada. … Isso não sei! Mas a Maria dele, trabalha aqui perto, e sabe os remédios.
O “Facadas” é coveiro de nove cemitérios. Diz que fez o
teste de “coveiro profissional”” e que, de vez em quando, “também veste o
fatinho” para as cerimónias, mas o trabalho não é regular, e vai para
França “ganhar o seu”, porque “ele não cai do céu”. À saída disponibilizou-se
para avisar “a Maria dele”, mas não foi necessário, porque se fez o
diagnóstico de síndrome extrapiramidal dependente do haloperidol, que o
doente trazia num dos bolsos, e que reverteu completamente com 5 mg de
Biperideno.
A graça da história é que, apesar de alcoolizado, o “Facadas” deu as dicas para o diagnóstico e, uma
hora depois, o doente estava a caminho da sua Maria, com a Nota de Alta dirigida ao psiquiatra, para reduzir a dose ou suspender o haloperidol, para acabar aquele “bloqueio”.