terça-feira, 30 de agosto de 2016

Bicho pau



Pois é, meu caro! Estás habituado a comer coisas tenras, à socapa, mas ao apareceres sem aviso, devias contar com as “contingências” do momento.

Como sabes, todos temos problemas e só somos felizes quando os vamos resolvendo. E o tempo é importante pois, mesmo que as dificuldades sejam pequenas, se elas se arrastam, desgastam-nos. Ainda por cima, o dinheiro não resolve todas, que o diga a filha do Onassis que se suicidou aos 37 anos.

Mas adiante, que ontem era dia de dar conta da lagarta mineira. Coisa sem importância, que estava a aguardar disponibilidade para ir à Casa do Lavrador, com o Diploma de “Aplicador de Produtos Fitofarmacêuticos” e comprar uma carteira de Actara 25 WG,  para pulverizar as laranjeiras.

Como é que ia saber que tu lá estavas. Só pensei nas abelhas e, como os citrinos não estão com flor, fui por ali adiante, à confiança.
Assim, considero-te um “dano colateral”. Uma "vítima de fogo amigo"!
“É a vida!”, como diria o Guterres. E de nada te vale essa cara de pau. Agora, é andar para frente e ver se a dose que te calhou não chega a mortal.

Pensando bem, até hoje, tiveste uma boa vida, sempre de costas ao alto, a fingir-te ocupado em pensamentos profundos, sem nada decidir, safando-te dos lagartos e dos pássaros que, se te vissem, chamavam-te um figo pois, para bicho pau, estás bem nutrido.
Ainda por cima, tiveste sorte em ter dado comigo. Levei-te para longe do laranjal, para um recobro bem disfarçado no meio de uns gravetos, e nem um obrigado disseste. Mantiveste a cara de pau como se fosse eu o culpado. 

És um safado! Sei bem que quem bate não lembra e quem apanha não esquece, mas se vieres a recuperar, volta em paz e no tempo das abelhas, que eu finjo que não entendo o teu ressentimento e ficamos à conversa até ver nesses teus olhos o esboço de um sorriso.
Põe-te fino, mas não demais, senão desapareces! Tem cuidado com os químicos das hortas e com o fogo nas florestas, que tu para fugir nem asas de jeito tens!

Pensando bem, o melhor é emigrares. Arranjas um “casaco” quente, agarras-te a um licenciado recém-formado e vais ver que em menos de meio ano até alemão falas.

Até à próxima!

P.S.: Não te esqueças de respirar!!!

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Ryszard Kapuscinski


... Convencidos de que uma pessoa comunica connosco só através da palavra, falada ou escrita, nem reflectimos que esses são só um dos possíveis meios de transmissão de muitos que, na realidade, existem. De facto, dizem-nos muito a expressão facial, o olhar, os gestos das mãos, os movimentos do corpo, as ondas que ele emite, a roupa que se usa e a maneira como se está vestido e, ainda dezenas de outros emissores, transmissores, reforços e filtros que constituem o ser humano e a sua "química", como dizem os ingleses.
A tecnologia, limitando o contacto interpessoal a um sinal electrónico, empobrece e apaga aquela panóplia extraverbal que utilizamos no contacto directo, na proximidade, muitas vezes sem nos darmos conta. Ainda para mais, a comunicação não verbal da expressão facial e dos gestos mais subtis, é muito mais sincera e verídica que a língua oral ou escrita, e torna mais difícil mentir ou esconder a falsidade ou o embuste. Por isso mesmo, a cultura chinesa, pretendendo salvaguardar o pensamento do indivíduo, elaborou a arte da cara imóvel, uma máscara impenetrável e de olhar vazio, porque só assim, só atrás desse biombo, alguém podia, realmente, esconder-se.
...

Ryszard Kapuscinski in "Andanças com Heródoto"

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

O Feliz



Pensei em pôr-te no lixo ao lado dos candeeiros partidos, mas lembrei-me dos anos que partilhaste comigo, sempre disponível e sem um resmungo, fosse sábado ou domingo, e … hesitei.
Era só mais um furo, até abrir a roda e ver o estado lastimável do pneu, coçado e quase transparente nalguns pontos. Nem no OLX davam 1 Euro por ti.

Entrei na loja do Bricolage à procura de um sapato para te calçar.
Passei a zona da jardinagem, das lâmpadas e das canalizações e, bem ao fundo, já depois dos cimentos, lá estava a tua família meia suspensa do tecto. Uns amarelos, outros verdes, todos cintilantes, como a dizer “leva-me, leva-me!”. Um deles, mais afoito, com um papel colado "em promoção!” para me tentar! E, logo abaixo, em frente aos olhos, aquela roda completa, com um pneu anti-furo, para eu nunca mais pensar onde pus a caixa dos remendos ou a bomba do ar. Coisa de chegar a casa, desatarraxar dois parafusos e dar-te corda aos chinelos.

Levaste cimento, terra, pedras, lixo, plantas e até com o pneu furado aguentaste em cima da jante, quando eu não tinha tempo ou paciência para pôr o remendo na câmara de ar.
Por isso não olhei ao preço. Peguei, rodei e meti-a na cesta!

Por mais vinte euros, comprava um carrinho de mão novo, que destoaria a meu lado. Assim, um pouco desajeitado, fazes “pendant” comigo e lá terás de te aguentar, até Deus, Nosso Senhor, entender que chegaram ao fim os teus dias.
Já não te é exigido tanto como noutros tempos, em que qualquer um pegava em ti e te dava tratos de polé. Agora é trabalhos moderados ao fim-de-semana e o resto a descansar encostado às paredes da arrecadação, junto às enxadas, que sempre é melhor que ir para a China, ser reciclado em vergalhões, e acabar na armadura metálica de uma barragem ou de qualquer outra construção humana.

Tiveste sorte!

domingo, 14 de agosto de 2016

Cidades Compactas



Há duas décadas, pelo menos, que alguns urbanistas sustentam a tese de que é inútil, nas metrópoles congestionadas por veículos, abrir novas pistas, viadutos, etc, pois qualquer destas soluções não terá outro efeito senão “mudar o lugar dos congestionamentos” uma vez que, atraídos pela ilusória facilidade de escoamento, os motoristas acorreriam em massa para essas novas vias, provocando outros engarrafamentos.

“As cidades sustentáveis são compactas”, sustenta Richard Rogers, autor do projecto do Centro Pompidou, em Paris. Para ele, o automóvel é o inimigo, porque “mina a estrutura social coesiva da cidade, destrói a qualidade dos espaços sociais e estimula a expansão urbana”.

Nas  cidades compactas, a população concentra-se em torno das estações de transporte de massa, de modo a reduzir as emissões de poluentes e o tráfego. Na sua visão, a predominância de pedestres torna os espaços públicos mais seguros e estimula o maior convívio entre os moradores. Além disso, a compactação permite uma forte redução no consumo de energia. Para ele, a distinção essencial, é “entre a cidade baseada nos veículos e a cidade baseada nas pessoas”.

Urbanistas mais radicais propõem caminhos inovadores para a questão das concentrações populacionais, sugerindo o retorno a um planeamento que privilegie aglomerados humanos de poucos milhares de habitantes, questionando o privilégio sem limites conferido ao transporte individual e defendendo a tese provocante de fechar vias ao trânsito automóvel.
Para eles as "Cidades-Jardim" são um conceito ultrapassado e insustentável, que não são mais que um eufemismo de "subúrbios", que facilitou lucros ao lobby da construção civil e impediu a criação de "novas cidades" no interior das existentes, antes que se ocupasse a sua zona verde circundante, que um dia mais tarde lhe fará falta.

Uma cidade compacta dá resposta aos desafios funcionais que hoje lhe colocamos e permite a optimização do respectivo desempenho energético-ambiental.

sábado, 13 de agosto de 2016

A minha floresta


Palavra de honra! Houve tempo em que tive a fantasia de ser dono de uma floresta. Não de uma bouça no monte. De uma floresta com nunca menos de 500 hectares, com estradões largos que suportassem transito de máquinas pesadas, para remover o mato e as árvores destinadas à comercialização e para a manter saudável, mesmo em condições adversas.

O objectivo não era "uma floresta natural", até porque não conheço nada mais agressivo que a Natureza, sempre disposta em enfiar caruncho ou as mais diversas pragas em tudo o que o que é ser vivo, numa competição desenfreada para seleccionar os melhores e os que têm mais sorte.
Eu preocupar-me-ia em ter árvores saudáveis. Umas para pagar a manutenção, outras para passar às gerações vindouras, porque há muito que sei que para ter um carvalho com 5 séculos é necessário esperar 500 anos.

Procuraria o apoio técnico de uma Universidade para a gerir, quer na flora, quer na fauna, e candidatava-me a "fundos" internacionais, que garantissem parte dos custos.

Esta "minha floresta", estaria afastada mais de 250 metros de qualquer habitação e teria regras para quem a frequentasse, fosse trabalhador ou visita e, como nos países civilizados, teria proibição de entrada durante a "época de incêndio". Daria emprego a várias aldeias, quer para a sua manutenção quer com a utilização da sua madeira.

Com estas características, nunca se poderia situar em Portugal, porque aqui os "direitos" e "as conquistas de Abril", que andam na cabeça de meia dúzia de incultos que pensam que as benesses caem do céu, iriam imediatamente questionar o não poder lá ir fazer o pique-nique e levar o garrafão quando muito bem entendesse, o não poder deitar o lixo onde quisesse, porque ... Portugal "é do povo e não do Pires Veloso!" e ... " o povo é quem mais ordena", mesmo que não saiba nada do assunto e haja pareceres técnicos a indicar o contrário, pois é nesse nicho que crescem os "políticos de pacotilha", num "faça-se a ponte, que o rio logo aparece!" de promessas que sugiram um aliado com força e capacidade.

O norte da Europa ou o Canadá eram as opções e eucaliptos e austrálias, nunca! Teria Guardas Florestais "com a cabeça em cima dos ombros" e formação, para entenderem que o tempo das árvores é diferente do nosso e que elas nos olham e sentem as agressões com a tristeza de quem dá o seu melhor e acaba incompreendido e maltratado, só porque um Deus disse ao homem ocidental, que o fez à sua imagem e semelhança, lhe ordenou "crescei e multiplicai-vos!" e o incentivou a dominar sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, sobre o gado, sobre toda a terra e sobre todo o réptil que se move sobre ela. Gênesis 1:26

terça-feira, 9 de agosto de 2016

IMI



Há anos que me meti a fazer a grande parte da manutenção das pequenas coisas da minha casa, por puro gozo, mas também porque seria incomportável não o fazer. Faço de canalizador, de pedreiro, de serralheiro, de pintor ... e, sempre que uma máquina avaria, tento dar com o "gato", antes de a pôr na mão dos profissionais.
Aos poucos fui aprendendo a "alma" daquilo em que mexo. Se tenho livro de instruções, melhor.
Ontem foi dia do indicador de nível do gasóleo de aquecimento. Quase uma hora para perceber que o parafuso do lado direito do mostrador não era de suporte, mas para o rodar e adaptar ao tipo de depósito (coisa que quem lá o pôs, não fez). Depois, outra hora para arranjar uma cadeira, que em 5 minutos se fixava, se a tivesse observado atentamente.

Quando nos confrontamos pela primeira vez com um problema sem lhe entendermos a "alma",  corremos o risco de o deixar sem concerto.
Um amador, mesmo "perspicaz", não deve deve abrir um "relógio" sem um perito nas imediações. E quem diz relógios, diz barrigas e outras coisas de ... valor.

É assim que está a nossa política, cheia de gente voluntariosa que, ao tentar resolver o imediato, compromete o futuro.

A alteração ao IMI, para taxar mais as casas com "melhores" características, é um "ir buscar dinheiro" sem qualquer pejo, para financiar as autarquias, a braços com excesso de pessoal causado pelo abrandamento da construção civil no país. Impossibilitadas de um "reajustamento colectivo" obrigam-nas a espreitar para os quintais na procura do que ali possa haver que possa ser taxado.

Hoje é a exposição solar e as "vistas". Amanhã será a exposição ao vento, depois a água do subsolo, a maior ou menor quantidade de moscas ou mosquitos, a tipologia do solo. ... Vale tudo!!!
O património visível, está tramado. Melhor é gastar as poupanças em turismo e comida.

As pessoas que compraram as casas para nelas viverem, não o fizeram com a intenção de as vender. Escolheram-nas porque, em determinada altura das suas vidas, podiam comprá-las e mantê-las. Alguns foram para a periferia das cidades para poder ter uma casa melhor, sem contarem com as portagens que entretanto surgiram nas estradas gratuitas, nem com um IMI que depende da boa disposição de um funcionário.
Quem construiu e se privou de muita vida mundana, é mais uma vez chamado a pagar os desmandos dos Bancos e da classe política que nos tem desgovernado. Qualquer dia entram mesmo nas casas e taxam o ar condicionado, o aquário, o gato ou cão, a instalação sonora, o LCD e o sofá, se tiverem qualidade acima do básico.
Tudo servirá para se poder afirmar que se está a viver acima das suas possibilidades.

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

Maçon



- Dr.! Isso é trabalho para três homens em quatro dias. A 10 Euros a hora, conte com 1000 Euros, mais o material e o IVA. Se quiser sem IVA, tem de me dar em dinheiro!
- Sr. Luís! Você sabe quanto se ganha no Serviço Nacional de Saúde?
- Não!
- Por exemplo: Uma médica de família, com um contrato de trabalho de 35 horas/semana, tem um vencimento bruto de 1996€ e recebe líquido 1282€ e um enfermeiro tem um vencimento base de 1.200€ por 35 horas semanais.
Faça as contas. Um enfermeiro, antes de impostos, ganha pouco mais de 8€ e um médico 14. Você pede 10 Euros a hora e limpos. Acha isso normal?
- É o mercado a funcionar!  Limitar vencimentos por classes profissionais é simplesmente desvirtuar o mercado da oferta e da procura! Deixe-os continuar a formar em barda, tipo linha de montagem, economistas, gestores, advogados, professores, enfermeiros, médicos, etc ... e vai ver o que acontece aos seus vencimentos!
Não foi à toa que a Merkel disse que Portugal tinha licenciados a mais! ... Até dá pena ver os "miúdos" irem ao engano para o ensino superior!
- Tem toda a razão! Este país não é para licenciados!