Quando o conheci, já estava entrado na vida. Era irmão de um companheiro de trabalho e abrira recentemente um Ginásio, que era assim que, na altura, se denominava um "Fitness Center". Basicamente, ele tinha alugado uma garagem e dispusera, ao longo das paredes, uma meia dúzia de máquinas e halteres.
- Dr.! Tem de lá ir! Aquilo está cinco estrelas! Tem tudo! E, ainda por cima, fica a dois passos de sua casa! Insistia o colega, inconformado com as minhas repetidas recusas.
A curiosidade matou o gato e, também, para o não ter que o ouvir mais outras tantas vezes, dei por mim a justificar umas idas com a vida sedentária e, durante não mais de um mês, fui levantar pesos, puxar cordas e correr numa bicicleta estática.
Os clientes, àquela hora tardia, eram poucos. O habitual era eu só ter de partilhar os suores com o dono do Ginásio, que levava a vantagem de um dia inteiro a dar forma ao corpo, uma vez que era esse o primeiro objectivo daquele espaço, com poucas intenções a ganha-pão.
Eu entrava pelas 19:00h, quando o seu treino, era marcado por períodos de grande intensidade, a preceder o ciclo final de relaxamento.
Era um homem alto, de farto cabelo encaracolado mas, ao contrário do que seria de esperar, escasso de carnes. O Ginásio era o seu investimento para uma tão desejada alteração do aspecto físico. Fazia os exercícios em frente a um grande espelho, onde se media, na esperança de ver um músculo que lhe lembrasse um Rambo, um Schwarzenegger ou, no mínimo, um Mickey Rourke. O rosto afogueado e a camisola empapada assinalavam o empenho que punha na obra.
De vez em quando, a esposa, solidária, animava o espaço com música, enquanto corria no tapete, ou dava ordem ao material, para o dia seguinte. Era uma rapariga pouco faladora, pequena, bonita e de sorriso agradável. Vestia um fato de treino justo que lhe acentuava o corpo musculado e facilitava a agilidade felina com que discretamente se movia. Era uma luz no escuro daquela garagem a interrogar os porquês de uma garça se unir a um escadote cabeludo com pretensões a urso da floresta.
Da última vez que lá fui, ele treinava “kickboxing”, saltando em redor do saco de boxe pendurado do tecto, desferindo-lhe murros, pontapés e joelhadas. O cabelo desgrenhado escorria suor, a T-shirt vermelha totalmente colada ao corpo, criava um riacho que lhe descia pela costura mediana dos calções.
Entrei sorrateiro, e dei as Boas-noites! O atleta deu mais uma série de socos, como a mostrar todo o potencial daqueles ossos mal forrados, e respondeu:
- Boa noite! Dr.! Bem-vindo! Já não estava a contar consigo. Comece ali pela bicicleta, para aquecer! Dez minutos! Enquanto eu acabo o meu treino de hoje!
- Esteja à vontade! Que eu faço o programa do dia anterior e não vou necessitar de ajuda!
Tirou as mitenes das mãos, cumprimentou-me e voltou ao saco para mais umas dúzias de enérgicos socos e pontapés. Minutos depois, já com a toalha ao pescoço e garrafa de água na mão, olhou para as minhas dificuldades e decidiu-se por uns conselhos.
- Dr.! Tenho ali umas latas de produto que fazem maravilhas! Têm a força da proteína. O Dr. também devia tomar! Eu agora tomo-as para ganhar volume mas, daqui a três meses, vou ter de começar com outras para obter definição!
Parei de levantar os pesos.
- Obrigado! Eu não pretendo entrar em concursos! A ideia é compensar o muito tempo à secretária. Com um jogo de futebol de cinco, à sexta e uma hora aqui à terça, se fugir às jantaradas, talvez chegue aos oitenta a tomar conta de mim! respondi, a evitar um discurso técnico, que se oporia radicalmente ao seu objectivo, e que não teria qualquer eficácia naquele ambiente.
Retomei os halteres para mais uma série de braços, cumprindo o plano colado numa das paredes, e o meu “personal trainer” voltou ao kickboxing, para um final apoteótico de sopapos e pernadas, no meio de gritos, impropérios e Uuuhhhs, em crescendo, até, em plena exaustão física e num climax exaltado, gritar na direcção do seu reflexo no espelho:
- Eu quero ficar um BOOOOOIIIIIIIIIIiiiiiiiiiiiiiiii !!!!!!!!!!! … Eu quero ficar um BOOOOOIIIIIIIIIIiiiiiiiiiiiiiiii !!!!!!!!!!!
…
Creio que Deus o não ouviu e eu, talvez com medo do contágio, pus fim à minha experiência de culturista amador!
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