segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Carta aberta a Nicolás Maduro




Caro Maduro:
Para governar um país é necessário ter mundo e jogo de cintura para não se refugiar numa solução que até pode ter sido boa, mas que a mudança das circunstâncias provou “ad nauseam” que já não é. A pouca razão que possas ter tido, não te irá servir para nada. A geografia e as enormes reservas de petróleo contam mais que a ideologia. Quiseste continuar a política à Robin dos Bosques, sem entenderes que a América do Sul é pertença do “Ocidente”, que é como quem diz está dependente da política internacional dos Estados Unidos. Esqueceste-te que Cuba não tinha petróleo e optaste pelo caminho do Saddam, e o mais certo é teres o mesmo fim. A Venezuela é demasiado importante para que a deixem ser um protectorado da Rússia ou da China.
Paraste no tempo. A globalização criou problemas que exigem mentalidades abertas a soluções integradas com o sentir das outras nações. Deves ter pensado que estar sentado sobre o petróleo te dava o direito de fazer uma “Arábia Saudita” à Venezuelana, quando devias ir à missa e procurar o apoio internacional que foste perdendo.  
Se arrastares o país para a guerra civil, vais ficar na História como mais um Vilão. Ouve o que te digo: marca as eleições que te pedem, mas faz por perder! Depois, foges para a Rússia, voltas aos camiões (aquela terra tem extensões que nunca mais acabam) e acabas de criar os filhos. Daqui a uns anos, escreves um livro a contar as mágoas e vais ver que não te vão faltar compradores. Com sorte, até te fazem santo, quando morreres!
Vai por mim que, mesmo não sendo taxista, sou mais velho e já vi o porco a andar de bicicleta.

Passa bem!

quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

Gripe Masculina



Aos homens constipados

Pachos na testa, terço na mão,
Uma botija, chá de limão,
Zaragatoas, vinho com mel,
Três aspirinas, creme na pele
Grito de medo, chamo a mulher.
Ai Lurdes que vou morrer.
Mede-me a febre, olha-me a goela,
Cala os miúdos, fecha a janela,
Não quero canja, nem a salada,
Ai Lurdes, Lurdes, não vales nada.
Se tu sonhasses como me sinto,
Já vejo a morte nunca te minto,
Já vejo o inferno, chamas, diabos,
Anjos estranhos, cornos e rabos,
Vejo demónios nas suas danças
Tigres sem listras, bodes sem tranças
Choros de coruja, risos de grilo
Ai Lurdes, Lurdes fica comigo
Não é o pingo de uma torneira,
Põe-me a Santinha à cabeceira,
Compõe-me a colcha,
Fala ao prior,
Pousa o Jesus no cobertor.
Chama o Doutor, passa a chamada,
Ai Lurdes, Lurdes nem dás por nada.
Faz-me tisana e pão de ló,
Não te levantes que fico só,
Aqui sozinho a apodrecer,
Ai Lurdes, Lurdes que vou morrer.

Poema de António Lobo Antunes, In 'Sátira aos Homens quando estão com Gripe'

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

O futuro do SNS



Estou fora, mas mantenho as cicatrizes do tempo em que lutei por um SNS com custos sustentáveis e revolta-me ouvir quem defende resolver o problema atirando-lhe dinheiro para cima.
Senti as dificuldades de todos os graus da carreira médica e assisti ao crescimento da “medicina defensiva”, ao abuso de Meios Complementares de Diagnóstico, à incapacidade em conter os profissionais “disfuncionais”, ao papel nocivo do amiguismo politico-religioso e à inaptidão dos sucessivos ministérios da Saúde em dar credibilidade aos Centros de Saúde.
Como se estas ineficiências não lhe chegassem, quando os Hospitais Privados entraram e o Serviço Nacional de Saúde passou a “Sistema”, o descontrole agravou-se, pois os que dizem que o Estado é mau pagador, ocultam que ele paga muito bem as ineficiências e os oportunismos, e que raramente protesta.
Para cúmulo, a comunicação social, ao anotar essencialmente as falências do SNS, induz na população um sentimento de insegurança, que a leva a quase exigir TACs, análises e muitas opiniões, esquecendo que o funcionamento das instituições é monitorizado diariamente pelos pares, sejam eles Auxiliares, Enfermeiros ou Médicos.
As últimas intervenções dos políticos vão na direcção de entregar aos grandes grupos económicos ligados à Saúde, “as técnicas que dão dinheiro” e deixar para o SNS o que “não é rentável”, o que irá agravar o fosso salarial entre os profissionais dos dois lados, com a consequente “desnatação” dos quadros do Estado.

O futuro do SNS não depende de “mais dinheiro”. Depende da capacidade técnica e organizativa de que for capaz, e isso não é compatível com o “deixa andar”, com compadrios, com “faz-de-conta” para que os “números” dêem certo, quando se recusa a quem está “por dentro” e é responsável, capacidade de corrigir o que está mal.
É aqui que se ganha o SNS. Claro que o dinheiro tem de ser adequado às funções, mas sem uma responsabilização clara do modo como ele é gasto, só se irá agravar o problema e dar razão aos privados que se dizem capazes de melhor gestão. O SNS exige, acima de tudo, gente competente. 
Infelizmente, também aqui há “Estradas de Borba” (fruto de compadrios e da excessiva indulgência para com os “amigos”), a aguardar que uma chuvada mais forte as faça ruir e, mesmo que haja auto-estradas e muitas outras vias com bom funcionamento, vão ser elas que lhe irão dar a imagem, para desviar o dinheiro dos Impostos para o Sector Privado, e o transformar num Serviço  para os “pobres”.


sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Inclusão




Não desprezo os homens. Se o fizesse, não teria direito algum, nem razão alguma, para tentar governá-los. Sei que são vãos, ignorantes, ávidos, inquietos, capazes de quase tudo para triunfar, para se fazer valer, mesmo aos seus próprios olhos, ou simplesmente para evitar o sofrimento. Sei muito bem. Sou como eles, pelo menos momentaneamente, ou poderia tê-lo sido. Entre outrem e eu, as diferenças que distingo são demasiado insignificantes para que a minha atitude se afaste tanto da fria superioridade do filósofo como da arrogância de César. Os mais opacos dos homens também têm os seus clarões: este assassino toca correctamente flauta; este contramestre que dilacera o dorso dos escravos com chicotadas é talvez um bom filho; este idiota partilharia comigo o seu último bocado de pão. Há poucos a quem não possa ensinar-se convenientemente alguma coisa. O nosso grande erro é querer encontrar em cada um, as virtudes que ele não tem e desinteressarmo-nos de cultivar as que ele possui.

In “Memórias de Adriano” de Marguerite Yourcenar