quinta-feira, 30 de maio de 2019

Reacendimentos



Ex.mo Sr. Presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo

A minha casa confina com a floresta que sofreu incêndio a 3 de Maio de 2019, tendo este chegado até aos muros do jardim. Desde então, com receio de reacendimentos, vigio diariamente as suas margens nas minhas imediações. Por duas vezes liguei o 117, por reactivação para lá dos meus recursos, e tenho actuado pontualmente quando vejo a manta morta a arder a atingir a zona não ardida.
Ontem e hoje, dias de vento e muito calor, passei horas a apagar a manta morta, com quatro mangueiras de 15 metros unidas, por esta estar a progredir rapidamente. 

Desde 3 de Maio que o fumo é presença constante no ar que se respira dentro e fora de minha casa. Umas vezes mais, outras menos, mas sempre presente.

Hoje houve outro reacendimento no lugar de Presa, Afife, no local onde (penso) teve início o incêndio de 3 de Maio. De novo veio o helicóptero e novo manto de fumo atingiu a minha residência.
Estamos a 30 de Maio e continuam os reacendimentos e a mata a arder no interior da zona queimada.

Será que isto é normal, ou há falta de qualidade no rescaldo e na monitorização deste incêndio, de modo a que o reacendimento possa ser controlado no início, sem proporções que tornem necessária a via aérea?

É voz corrente, em Afife, que o incêndio de 3 de Maio, poderia ter sido controlado, pelos bombeiros e populares (que apareceram prontamente com cisternas), se houvesse ordem para actuar. As cisternas saíram do local cheias.

Agradecia, pois, que fizesse diligências para que os rescaldos sejam eficientes para que se evitem novos reacendimentos, já que, ao fim de um mês, o que arde dentro do perímetro do incêndio já deve ter ardido.

Sem mais, com os melhores cumprimentos



segunda-feira, 20 de maio de 2019

Kali

- E o nome, qual vai ser?, perguntou para completar os registos.
- Sei lá!, respondi. – Eu vim ver a ninhada. Não contava levar o cão assim tão pequeno!

São assim os filhos. Põem o nosso ritmo em causa e apressam-nos. E logo a mim, que demoro meses para comprar carro e que, deixado só, faria o mesmo por um cão. Tenho necessidade de sentir o “sim” a impôr-se, como numa relação amorosa. Olhar várias vezes e em tempos diferentes, vê-los correr, responder às solicitações, sentir como se encaixam em nós quando lhes fazemos festas.
Ainda a lembrar o meu velho Troll, que nos deixou, depois de 15 anos de bom entendimento, tentar ler nos olhos de uma cachorrinha de menos de dois meses, se ela tem potencial para um futuro idêntico, é trabalho de macumbeiro. E não foi a razão, foi o “gut feeling” que definiu a decisão. Vi como se portavam a mãe e o pai, senti como me olhou e as palavras saíram-me da boca – Levo-a!

Depois, foi a ida ao consultório para a desparasitação, vacinação e registos.
- Que nome propões? Nós costumamos pensar em figuras mitológicas em situações semelhantes. Ela vai ser grande e preta. Conheces alguma deusa negra?
- Nix? A deusa grega que personificava a noite, filha do Caos e mãe de Moros (Destino), de Tanatos (Morte), de Hypnos (Sono) e de muitos outros nesta senda.
- Nix! Nix! Não sei! Não soa bem chamar assim por um cão. Um nome com duas sílabas de vogais abertas soava melhor. Abre aí a Net e procura noutras religiões.

Não foi preciso. A minha filha tinha ido passar umas férias à Indonésia e lembrou-se da deusa Kali, do Induísmo, e por não nos lembrarmos de mais deusas de pele escura, e por já estarmos entrados nas horas, ficou Kali, com a promessa de um texto com a história dela.
Esta Kali, nasceu a 3 de Dezembro de 2018. É filha de um acasalamento casual de um Dogue Alemão com uma Serra da Estrela. É a nova companheira do Trovão.

O texto da minha filha, veterinária, é o que se segue:

Shiva
Kali
Shiva e Kali tinham casado - um match made in heaven - e andavam, para a delícia de todos os humanos, perdidamente apaixonados e felizes. 

O Shiva é, da divina trindade hindu, o tipo mais temido. Ao contrário da divina trindade cristã, em que o Pai manda e o Filho e Espírito Santo só levam com as culpas, os hindus têm uma equipa a sério - Braham é o criador, o Vishnu é o protector e o Shiva é o destruidor. É claro que o cognome de destruidor lhe dá má fama, mas o Shiva não é um deus mau, até porque isso não existe. Na maioria dos dias, o Shiva é um deus pacato e benevolente, dedicado à yoga (que ele mesmo inventou) e à meditação, mas quando a ignorância humana lhe chega ao nariz, quando nós nos pomos com confusões e com problemas sem fim à vista, ele interfere. E quando o Shiva interfere, não é meigo - se os problemas não têm solução, é pela raiz que têm de ser arrancados et voilá - terramotos, maremotos, erupções vulcânicas e fogos servem para limpar tudo e deixar terreno fértil para a regeneração. Destruir é criar espaço para que algo novo possa nascer. Eu que me tenho por ateia, admito que tenho alguma admiração por este tipo.

Os humanos faziam templos a Shiva e davam-lhe ofertas e coroas de flores, pedindo-lhe apenas que ele se mantivesse tranquilo e não interferisse com os assuntos dos homens, por isso andava toda a gente contente com o seu casamento com a Kali.

A Kali era uma rapariga bonita, azul, sempre nua, de dentes pontiagudos, a boca manchada de sangue, rodeada de cobras e com um colar de crânios ao pescoço e com o hábito de se passear entre as cinzas dos locais de cremação. Sim, era um pouco gótica, mas era um doce de rapariga e representava a mãe Natureza. A Natureza, ao contrário da nossa ideia citadino-bucólica da luz do sol a atravessar as folhas das árvores abanando docemente à brisa e ao som dos passarinhos, é um sítio terrível, cheio de perigos, venenos, espinhos e morte em cada esquina. A Kali era a Mãe Natureza, com toda a sua beleza e com todo o seu terror - símbolo do lado subestimado da mulher e da verdadeira força feminina.

O casamento, como é óbvio, corria bem - cozinhavam juntos, ouviam música, dançavam pela sala, faziam yoga ao pôr do sol e viam em conjunto os filmes de Bollywood nos serões. No entanto, Kali estranhava a tranquilidade de Shiva e temia que aquela vida pacata fosse demais para ele. Antes de se casarem, Shiva era um bon vivant e passava meses em tainadas com o Braham e com o Vishnu, bebendo até cair, filosofando o mundo e meditando durante anos a fio. Desde que se tinham casado, era um rapaz caseirinho. Preocupada com ele ou talvez porque também ela queria ir beber um copo com os seus amigos e deixar a vida modesta de mulher casada por uns tempos, Kali disse a Shiva - Homem, vai sair com os teus amigos! E Shiva foi.

Sucede que Shiva, quando se põe na treta com o Braham e com o Vishnu, e mandam vir mais um copo, e agora é mais um brinde à terra, e outro aos céus, e um puxa o outro e por lá nem fazia frio - dormia-se ao relento nas calmas -, perde-se. E acabou por passar anos entre festas e meditações até que se lembrou que era casado e que adorava a sua Kali e foi a correr para casa.

Entretanto Kali, que era uma mulher independente, foi vivendo a sua vida sem se chatear muito. Naquele dia, como em todos os outros, antes de entrar para o chuveiro, disse ao seu filho sentado no chão do quarto de banho - rapaz, a mãe vai tomar banho. não deixes ninguém entrar, sim? E deu-lhe um beijo na testa e foi-se.

Quis o destino que o Shiva chegasse nesse momento a casa, sedento de amor e morto de saudades. Correu a casa toda cantando para Kali e da Kali nada. Quando a foi procurar no quarto de banho encontrou a criança que prontamente lhe disse que não podia entrar. A criança não sabia quem era o Shiva e o Shiva não conhecia a criança de lado nenhum. O Shiva, já sabemos, é um tipo bom até que lhe cheguem a mostarda ao nariz e o miúdo, filho de quem era também não era pêra doce, e ficaram ali os dois em tensão - o pequeno dizia 'não interessa quem és, não podes passar' e o outro 'ai que não passo' e com os nervos em franja, saca da espada samurai Hattori Hanzo e corta a cabeça ao garoto. A Kali, quando sai do chuveiro, toalha na cabeça, as serpentes ainda a sacudirem-se ao seu lado, como seria de esperar, passou-se. 'Ai o meu menino, que foste tu fazer meu anormal, mataste-me o filho, mataste o teu filho, põe-te já daqui para fora!' e o Shiva 'ai meu amor, que eu não sabia quem ele era, e a frente que ele me fez, oh amor, o Kali, pombinha do meu coração, ai desculpa-me' e ela 'desaparece-me da frente demónio de homem, antes que eu use a minha espada no teu pescoço'. Kali, não se disse ainda, mas também tinha uma Hattori Hanzo e era a mais conhecida assassina de demónios do seu tempo.

Shiva ajoelhou-se e jurou voltar com a cabeça do primeiro bebé que encontrasse a dormir, para colar no corpo decepado do seu filho e com esta saiu de casa. Com a cabeça em água, correu o mundo à procura e quando avistou um elefante bebé a dormir, não hesitou - zás -, e correu para casa e com jeitinho e auxílio de super-cola 3 lá colou a cabeça orelhuda no corpo do pequeno, dando-lhe de novo vida. 



O Braham e o Vishnu, vendo o ar sanguinário da Kali perante o bebé-cabeça-de-elefante e temendo o pior, ofereceram à pobre criança, de nome Ganesh, o dom do intelecto, da sabedoria, do sucesso e da fortuna (basicamente, tudo o que se pode desejar na vida) transformando-o num dos mais adorados deuses do hinduísmo.

Reza a história que o Shiva e a Kali conseguiram resolver os seus problemas - a ilha indonésia de java sofreu bastante com esta situação (terramotos inundações dilúvios e vulcões em contínua erupção) e o povo dessa ilha também se fartou de adorar um deus tão intempestivo e converteu-se ao Islão. No entanto, eles continuaram felizes e destruidores e assassinos de demónios e criadores de terrenos férteis para que das cinzas se ergam novas histórias, até aos finais do tempo.

Esta história contaram-me, assim mesmo sem tirar nem pôr, duas javanesas, uma muçulmana e uma cristã, que defenderam o Shiva e a Kali com unhas e dentes, em Prambanam, no templo a Shiva, continuamente em reconstrução dado os acessos de fúria do mesmo.

segunda-feira, 13 de maio de 2019

Metrosideros

Fui tomar um café a Vila Praia de Ancora e, no regresso a casa, parei para fotografar os metrosideros em flor da marginal.

Conheço-os vai para trinta anos, quando decidi usá-los para sebe em minha casa. Agora, admiro-os ainda mais, pois tenho-os visto, já bem crescidos, a adornar muitos dos lugares públicos, principalmente se situados à beira-mar, diariamente à mercê dos ventos e da água salgada, sem grandes sinais de sofrimento.

Hoje, um belo exemplar recebeu-me à porta do Camipão, a fazer lembrar os do Passeio Alegre, no Porto, classificados como de "Interesse Público".

Têm folha perene, crescem até 25 metros e são originários da Nova Zelândia: Aí, florescem em finais de Dezembro e assumem o papel de árvore de Natal.

São da família das nossas murtas, que têm menor porte (não mais de 5 metros), também elas resistentes, principalmente a temperaturas altas e a verões secos e que são senhoras de uma fragrância usada em perfumaria, medicina tradicional e até como condimento. Os gregos e os romanos usavam-na nas grinaldas, para adornar as noivas.

Por muito que me custe, pertencem à família das Myrtaceae, onde também estão os eucaliptos, … esses ranhosos....! Mas ninguém tem culpa da família que lhe coube em sorte! É a vida! ...

 

quarta-feira, 8 de maio de 2019

Cincinnatus

Custa-me aceitar quem se eterniza, principalmente se ocupa um qualquer lugar de direcção do Estado. Todos temos incapacidades para algum tipo de problemas e, quando persistimos, são esses que vão ganhando volume sem resposta e nos fazem cair com estrondo.
É esse um dos motivos porque não simpatizo com o PCP, nem com o Mário Nogueira, nem com os "dinossauros" das nossas autarquias.

Todos os "Team Leaders" dos diferentes organismos do Estado, deveriam ter mandatos limitados. por não mais que 10 anos, mesmo que se mantivessem competentes.
As funções de direcção, se tomadas com responsabilidade, não só são desgastantes, como causam ressentimentos que se agravam com o andar dos anos, pelo que, mesmo quando já não há "Up", tem de haver "Out", que mais não seja para dar descanso aos que há muito o não suportam.

Transporto comigo a figura/mito do Cincinatus que ponho em contraponto a Salazar, ao Generalíssimo (o íssimo é real) Franco, ao Saddam Hussein, ao Erdogan e às famílias Bashar al-Assad e Kim Jong-un e a outros tantos que têm todas as soluções para aquele futuro que só eles conhecem.
São eles que enchem os Noticiários, com os seus 9 anos, 4 meses e 2 dias, repetidos à exaustão em negociações do inegociável, pois são habitualmente cabeçudos incultos que não entendem que um problema pode ter várias soluções razoáveis e que a História ensina que raramente se tem 100% da razão.
"Dez anos é muito tempo!", já o dizia o Paulo de Carvalho, quando ainda tinha cabelo, voz e alguma graça, e eu concordo. Um máximo de dois mandatos de quatro anos é o certo. Mais que isso só para excepções muito excepcionais.

Na historia de Roma Lucius Quintus Cincinatus (519 AC — 439 AC) , é modelo de virtude e simplicidade. Foi eleito ditador para salvar o exército numa guerra contra os Volscos. Quando o informaram da nomeação estava a lavrar a terra. Largou as alfaias e foi para o campo de batalha. Em 16 dias derrotou os inimigos. Entrou em triunfo em Roma e, "por amor à República", renunciou imediatamente à sua autoridade absoluta para voltar aos seus campos e ao arado. 

segunda-feira, 6 de maio de 2019

Incêndio Florestal



- Esteja descansado que aqui nunca houve incêndios!, dizia-me a vizinha, tão certa como aqueles que vivem nos leito de cheia e confiam que o rio nunca lhes há-de chegar aos pés, quando eu, que sempre fui avesso à sabedoria popular, me punha a "empurrar" o mato para longe dos muros.
O povo da aldeia faz coro com ela e, como  os Serviços Florestais se dizem incapazes de identificar os proprietários da floresta confinante com as habitações, só me restou contar com a ajuda dos deuses.

De acordo com a 1ª Lei de Murphy “Se alguma coisa pode dar errado, dará, e no pior momento, e o incêndio florestal da passada sexta-feira, veio quando eu estava a milhas de casa e, não fora uma boa estrela pôr no ar dois aviões Canadair e no chão um carro de Bombeiros e um tractor com uma cisterna, o fogo não parava a três metros dos meus muros.

Parecer de um popular estabelecido nas imediações do início do incêndio.
O fogo teve origem numa fogueira activada por madeireiros, junto à aldeia vizinha. O dia estava seco e com muito vento. O fumo que saía da zona fazia prever o pior, pelo que chamou os Bombeiros, que chegaram uma meia hora depois e que, em vez de apagarem as chamas, ficaram à espera de uma ordem do seu chefe. Entretanto chegou à fogueira “alguém” com uma cisterna cheia de água, que foi impedido de a descarregar.
Quando, minutos depois, o fogo se estendeu à floresta, foram chamados os meios aéreos, “por o terreno, não ter acessos suficientes para o combate com os meios disponíveis.
Arderam cerca de 25 hectares de eucaliptal e pinheiro, com muitas austrálias pelo caminho.