Caro Ratzinger:
Primeiro os cumprimentos e os desejos para que vivas o resto dos dias em sossego.
Bateste com a porta! Disseste-te "sem forças" para “o peso do cargo” mas, cá para mim, estavas farto de ouvir histórias de arrepiar o mais pintado, sem capacidade para achar solução airosa. Engoliste uns sapos, denunciaste outros, mas deves sentir muitos outros a rabiar na hipofaringe sem te deixarem dormir.
Não podes pôr a culpa só nos outros, por as batatas te estalarem nas mãos. Podias ter dado passos para acabar com o celibato dos padres, com o perdão a preço de saldo para os arrependidos (eu não conheço ninguém que não esteja arrependido depois de ter sido apanhado ou quando a coisa deu para o torto) e dado mais notoriedade às mulheres na tua religião.
Alteravas o discurso à volta do sexo, do pecado original, das virtudes da virgindade e do celibato, adaptava-lo ao que a ciência já conhece e falavas do benefício que é formar uma família, sem guerrear a anticoncepção
Se tivesses ido por esse caminho, tinhas conquistado gente pensante para a tua clientela. Bastava que abrisses uma frincha. Focavas o discurso na mensagem fundamental de Cristo e lutavas por uma sociedade de entreajuda, afrontando este capitalismo onde o outro não é mais que uma oportunidade de negócio. Pelo caminho modernizavas as encenações dos rituais. Proibias aquele ar melífluo que entorpece, e promovias a componente “utilitária”, sem o compadrio das entrevistas de confessionário. Arregaçavas as mangas ao teu clero e punha-lo a integrar os fregueses, a organizar feiras de trocas nos átrios das igrejas e noutras acções de solidariedade, sem causar vergonha a quem recebe. Menos teologia só fazia bem.
Mas não fizeste nada disto e agora, com "a crise" a chegar ao Vaticano, perfilam-se outros pensares. A Marca Vaticano é ainda forte e os novos ideólogos já devem ter concluído que a apologia do sofrimento não leva a parte nenhuma.
Cristo vai ter que sair da cruz e vir para o pé das pessoas, como uma figura simpática que ajuda ao encontro do pescador com o empresário, sem que entre eles se coloque o “negócio”. A cruz, memória dos desencontros e do sofrimento, funciona melhor como logótipo (sem Cristo pendurado), pois a exibição do sofrimento é actualmente visto com um gesto de pobreza intelectual, que só as multidões incultas exploram para conseguir notoriedade.
Eu até acredito que deste o melhor de ti, mas devias ter ido mais longe. O mundo mudou e as religiões, se não evoluírem, também têm o seu fim.
Mas isto sou eu a falar, sem conhecer a área de negócio do Vaticano.
Daí eu acreditar que esse teu bater com a porta mais não é que uma nova versão de um verso brejeiro que há anos ouvi e que dizia qualquer coisa como:
Quando Cristo aos céus subiu
Disse a todos os mortais
Lixem-se para aí na terra
Que a mim não me lixam mais.
Fica bem!
Fernando
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