Pouco passava das duas da tarde. Na aridez amarela da parede
do viaduto, uma pequena mancha castanha sobressaía imitando o mapa do Brasil. Mais à frente, outras mais estreitas e menores pontuavam-na, quais caravanas de dromedários dirigindo-se para o céu que a linha do comboio limitava. Intrigado, ... parei!
Naquele deserto vertical, um grupo de jovens caracóis,
concentrava-se sob o mando de um outro, mais avantajado. Seriam bebés num infantário? Adolescentes
a preparem-se para uma qualquer tropelia numa horta? Um reunião de caracóis anões a
planear uma saída para o Estado Islâmico?
Apurei o ouvido. ... Silêncio. ... Podia ser uma creche com
boas educadoras, a respeitarem as normas da sesta, o que é fundamental para que
os pais confiem, na esperança do desenvolvimento cognitivo da prole, mesmo sabendo
que nos primeiros tempos de vida não há socialização com os pares e que só querem
carinho, aconchego, colo e mimo. Mas esta parede, tão à mercê de
quem passa, não me parece o melhor local para uma creche que dê garantias de que, mais tarde, os jovens não venham a sofrer de doenças psicossomáticas autopunitivas. Fico uns minutos à espera de um pequeno ruído, mas o
sossego é tanto, que desisto e continuo pelo passeio que me leva a casa.
Na parede, outros ajuntamentos vão aparecendo. Agacho-me para
que o próximo não se aperceba da minha presença, confiante na sua surdez e fraca visão. Faço passo de caracol para me disfarçar e poder visualizar a sua linguagem
gestual.
São hermafroditas insuficientes e podem-se julgar mais por isso. Ser umas
vezes feminino e outras vezes masculino, não é para todos. São experiências que
só acontecem aos deuses e é provável que se tenham deixado levar pela vaidade. Páro a menos de dez centímetros e apercebo-me de uma cavaqueira animada. Falam das lesmas. Dizem
que são vaidosas e não fiáveis. Que se esticam demais para o que valem, que são umas descaradas que andam nuas e que só saem à noite. Devem ser adolescentes a autopromoverem-se.
Aqui não aprendo nada. O grupo lá atrás deixou-me intrigado. Era maior e mais heterogéneo. Havia uns grandes e outros pequenos. Vou para casa e volto lá ao fim do dia.
Aqui não aprendo nada. O grupo lá atrás deixou-me intrigado. Era maior e mais heterogéneo. Havia uns grandes e outros pequenos. Vou para casa e volto lá ao fim do dia.
São seis da tarde. Caminho devagarinho até chegar a dois metros deles. Depois, progrido deitado sobre o estômago, a imitá-los, e imobilizo-me disfarçado
na paisagem. É o que eu esperava. Estão lá todos. Fosse um caracolário e os
pais já os teriam vindo buscar. Estão mais activos. Falam de búzios e de
caramujos. Dizem cobras e lagartos deles. Que passam metade do tempo a tomar
banho e que não precisam de se deslocar para comer, que o mar lhes leva tudo. Riem-se
dos burriés por o seu nome ser também usado para nomear os “macacos do nariz”,
enquanto o deles se usa para o cabelo enrolado. Deve ser uma “concentração tipo motard”, daquelas em que só há actividades nocturnas e de dia se dorme, uns por
cima dos outros, meios bêbados. Aqui também não se aprende nada.
Estes caracóis para além de indolentes, são uns invertebrados convencidos. Bem merecem levar com o bacon, o alho, o azeite, a cebola, o louro e os orégãos em cima, sem esquecer o picante e o sal q.b..
Bem fiz eu em dar cabo deles, na minha horta.
1 comentário:
Bichinho nojento... é que nem no prato gosto de os ver...
Isto fez-me lembrar uma musiquinha da Amália Rodrigues que cantávamos na tuna: https://www.youtube.com/watch?v=NumvMGCB5ZQ
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