Se eu não tivesse um Y, até era capaz de escrever isto. Como tenho, mandei o meu X e metade dos meus outros genes fazê-lo.
Quem me conhece sabe que sou feminista acérrima e que, como tal, vivo em luta por um mundo de igualdade, sofrendo todos os dias os lugares comuns onde nos põem (a todas nós mulheres) neste país.
Mas este ano, porque ainda 2014 estava a começar quando me apercebi que 2015 ia ser brutal, decidi dedicar este dia à grande maravilha que é ser mulher, em vez de me queixar dos números da violência domésticas (40 mulheres morreram o ano passado às mãos dos seus "companheiros"), ou das tarefas caseiras e domésticas (chão, fraldas, quartos de banho e máquinas de lavar roupa e os pobres dos moços, namorados e maridos que até ajudam).
Hoje decidi não pensar nas desigualdades salariais nem nos minúsculos números de mulheres em cargos de chefia. Hoje e só hoje, amanhã arregaçarei as mangas e voltarei à luta, decidi não pensar na minha empregada que trabalha todos os dias e a quem marido, no final da semana, lhe dá 20€ (que ela ganhou) e lhe diz para trazer recibo. Hoje, e só porque estamos em 2015 e eu acho que 2015 é um ano maravilhoso, decidi que a minha perspectiva ia ser diferente.
Se me dessem a escolher, a mim ou a cerca de 99% das mulheres deste mundo (este dado estatístico foi agora mesmo inventado por mim) preferia continuar a ser mulher. Todos os dias. E perguntam vocês, como é possível uma feminista dizer tal coisa? É como um pobre esfomeado dizer que preferia ser pobre a ser rico. Pois uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa e este erro na leitura da palavra feminista, é uma coisa que põe os cabelos em pé. Passo a esclarecer - uma feminista não quer ser homem, quer ser mulher, e nem sequer quer ter os direitos dos homens, quer todos os direitos humanos.
Mas voltando ao elogio de ser mulher - somos, em geral, muito mais giras que os homens, o que é uma coisa que logo pela manhã nos dá uma energia do caraças quando saímos da cama e nos arrastamos para o quarto de banho para lavar as remelas.
- podemos vestir calças e saias e vestidos e calções e saias-casaco, botas de cano, sapatilhas ou sapatos de tacão agulha, meias de renda cor de rosa ou cardadas dentro de botas de montanha.
- podemos usar roxo, amarelo, verde preto ou cor de laranja sem que ninguém questione a nossa sexualidade
- temos melhores amigos e melhores amigas a quem podemos contar tudo, até coisas realmente ridículas, mas que sabe bem não guardar dentro de nós próprias
- podemos pintar o cabelo e os olhos ou não pintar coisa nenhuma, podemos dar cor às nossas unhas, usar laços fitas ganchos, colares anéis ou tiaras, podemos viver o Carnaval todos os dias, mascarar-nos de coisas tolas ou de divas de cinema
- não temos de esconder que somos fortes quando o somos mas acima de tudo, podemos mostrar que somos fracas, que choramos a ver filmes, que nos apaixonamos por personagens dos livros e que sofremos quando o amor não é para sempre
- podemos dar saltinhos e jogar ao braço de ferro e fazer ginástica artística ou judo, podemos dançar na rua ou fazer discursos políticos
Eu gostava que a palavra machista fosse tão bonita como a palavra feminista. Gostava que ela tivesse dentro dela o sonho de que os homens pudessem ser tudo, gostava que dentro dela coubessem homens com saias e fitas no cabelo, homens a dançar na rua, homens de fato e gravata que gostam de receber flores, homens fato de treino a chorar nos cinemas, homens de barba e bigode cor de rosa, homens com brilhantina e chinelos, homens de todas as cores, com personalidades únicas, gostos únicos, não encafuados dentro daquilo que são suposto ser. Gostava que os homens também acordassem para a maravilha que é ser homem (digo que também não há-de ser mau) e exigissem para si próprios todos os direitos humanos. Gostava de viver num mundo em que feministas e machistas marchassem juntos, fossem parceiros nas descobertas e que todos juntos sacudissem do capote imagens cinzentas de formas de estar pouco igualitárias, pouco justas, pouco ecológicas até. Gostava que género deixasse de ser assunto e que a palavra mulher deixasse de ser cor de rosa e homem castanho, e deixasse de fazer sentido andarmos a criar diferenças onde elas não existem.
Texto roubado
3 comentários:
Apesar de homem, não sou machista porque acho o conceito tão feio quanto o de feminista.
Quanto ao mundo em que cada um gosta de viver, no que às relações entre sexos diz respeito, na sociedade em que eu vivo, cada um vive no que quer!
E esse é um dos motivos porque gosto da sociedade em que vivo!
Caro Jarra:
Não me parece absoluta essa "verdade" de "na sociedade em que eu vivo, cada um vive no que quer", pois há muita gente a viver "como pode" e muito longe daquilo que almeja.
Ser mulher, actualmente, é já muito diferente do que era há 50 anos, mas a sociedade ainda não criou mecanismos para que as diferenças biológicas não sejam apresentadas como "desvantajosas", (principalmente) no mercado de trabalho.
o conceito de feminista é tudo menos feio. ao contrário do conceito de machismo (conceito desagregador), o feminismo defende a igualdade. E infelizmente, em Portugal (ou no Portugal onde eu vivo) as mulheres ainda não vivem como querem! Longe disso - os dados estatísticos mostram que as mulheres, no meu Portugal, têm de trabalhar mais 4 meses para auferir o salário dos homens (ganham cerca de 19% menos de salário base) e em casa trabalham mais 17h semanais que os seus companheiros. Estes números não os inventei, não seria possível, nunca a minha imaginação me poderia levar para estes lados, são dados estatísticos de 2012 do Observatório da Família e do Instituto Nacional de Estatística. O Jarra, como a maioria dos portugueses e portuguesas, prefere pensar nos avanços da posição da mulher desde o 25 de Abril e é verdade, mas o que elas ganharam, em muitos casos, foi a possibilidade de acumular com as tarefas de casa, família, filhos, pediatras, compras, limpezas e roupa limpa e passada a ferro, um trabalho remunerado fora de casa.
Não discutir estas coisas, dizer que o feminismo é uma coisa feia, é fazer de conta que os problemas não existem e com isso perpetuar esta forma de estar.
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