Hipólito não tinha novidades e Harari riu-se, enquanto lhe dizia: - “São insondáveis os caminhos do Senhor!”, é o que dizem os padres católicos. Mas sempre assim foi! Nem nos Oráculos os deuses revelam o futuro. Quando dão umas dicas, fazem-no pela boca de uma Cassandra qualquer que esteja disponível! Hipólito concordou, embora tivesse alguma esperança que alguma luz pudesse sair daquela reunião.
O palco movimentava-se para a nova comunicação, quando, quatro filas à sua frente, um estranho borburinho lhe chamou a atenção. Uns cabelos louros, saltavam sobre as cadeiras, em direcção ao palco, atropelando quem estava pelo caminho. Ao chegar à borda do estrado, apoiou a barriga, alçou uma perna e rolou até se levantar com as mãos no ar, gritando “America first!”
Hipólito, virou-se para o lado como para confirmar: - É o Trump!? Eu não vi o nome dele na convocatória! Nem o dele nem o de Putin! Como é que está aqui?
Harari respondeu: Deve ter sido o Elon Musk que o trouxe, à socapa! Ou então foram os Evangelistas, que essa gente está numa de “poder”, como nunca, e ele dá-lhes corda, porque necessita de um deus com aquelas características, pelo menos, por uns tempos.
Entretanto, Trump empurrara o assistente que estava a configurar o laptop para a comunicação seguinte e tomara o púlpito, surpreendendo a mesa onde estavam sentados António Guterres, ladeado por Shiva, o deus da destruição dos Hindus e por Nossa Senhora, mãe de Jesus.
Shiva, levantou-se disposto a acabar com aquele intruso, Nossa Senhora interveio, lançando um milagre protector e António Guterres, conciliatório, deu espaço a Trump na expectativa de que seria desta que ia conseguir a quadratura do círculo.
Trump levantou o punho direito, sorriu para Elon Musk, que estava na fila da frente e dispôs a enfrentar o silêncio sepulcral que dominava a surpresa, quando se ouviu um imenso trovão e Zeus, que até aí se mantivera incógnito, cresceu num azul metálico cintilante, espetou o raio na parede oposta e dirigiu-se a Trump, petrificado com as chamas que ameaçavam incendiar-lhe as roupas.
- Ouve aí, Oh Caramelo! Quem é que te julgas? Um “Fidel Castro” de direita, com uma crença “religiosa” nessa verdade que é o liberalismo, disposto a tudo para levar a cabo os teus intentos, sem noção de que uma democracia onde a maioria exerce o poder sem restrição é tão tirânica como uma ditadura, principalmente quando se possui a arte de despertar o instinto da “caça às bruxas” que existe na multidão?
Olha que há mais vida para além do orçamento, como dizia o Jorge Sampaio. A luta pela “eficácia” a qualquer preço e o “America Great Again” não fazem sentido. E voltar a um passado de potência hegemónica é um “You can make it, if you try!” para fãs! Não é política para um mundo onde é necessário considerar o efeito real das normas que se promovem e não o efeito que teriam se fossem completamente eficazes. Nem sempre a “honra” tem um preço. Os EUA têm de assumir-se de outro modo. O “liberalismo” sem controle não deve ser o seu objectivo. Existe “negócio” quando ambas as partes ganham, caso contrário é exploração!
Trump, que se mantinha colado à parede, de olhos muito abertos, apesar das chamas se terem extinto, acenava a Nossa Senhora a pedir que o deixasse usar da palavra. Zeus topou-o e dirigiu-se então à mesa. - Como patrono dos grandes filósofos do Ocidente, não podia deixar em claro esta intromissão de quem se arroga presidente da nação mais democrática da Terra. Aproveito também para chamar a atenção ao sr. Guterres, secretário Geral da ONU, que o devia ter posto, de imediato na rua. Mas, agora, se é intenção da mesa dar-lhe a palavra, que assim seja!, e recolheu o raio para permitir que Trump se recompusesse.
Trump assumiu o palco. Passou a mão pelo cabelo, levantou com menos convicção o punho, e iniciou a sua preleção:
- Antes de mais, queria agradecer à Virgem Maria, a sua intervenção. É a segunda vez que sou salvo de um atentado e creio que isso é mais um sinal de que “God is on my side! Quero também agradecer ao Elon Musk, ao Mark Zukerberg e ao Jeff Bezos as tecnologias que, para além de permitem a entrada diária de enormes quantidades de dinheiro nos USA, deram uma grande ajuda à minha eleição como 47º presidente dos USA. A política é isto mesmo! E quem não tem unhas, não toca guitarra! “America first” é o meu lema. Mas não é para todos. É para aqueles que fazem falta à “Economia”, que essa é a verdadeira razão de tudo o resto. Se queremos uma sociedade florescente, há que comprar e vender diariamente, “tudo e mais alguma coisa” de manhã, à tarde e à noite, porque tudo se pode vender, até lugares em Marte se o nosso querido Elon se dispuser a cumprir o seu programa espacial. Deus lhe dê longa vida! No que respeita ao resto do Mundo, quero lembrar-lhe que somos ricos e poderosos e que devem ter em conta os nossos interesses, porque, se não o fizerem, cá estaremos para lhes explicarmos as consequências.
Dito isto abanou os dois punhos no ar e, com um sorriso geral para a plateia, virou costas e saiu por uma porta ao fundo do palco, onde Ronald Reagan o esperava batendo palmas.
Harari virou-se para o dr. Hipólito: - Vou ter que sair! A vida em Israel está demasiado instável e a minha família necessita de mim próximo! Hipólito desejou-lhe boa sorte! Depois olhou para o relógio, e como passava do meio dia saiu para o terreiro à procura de um catering, quando topou um vulto vestido com uma pele de urso a dirigir-se à sala de audiências. Arrastava uma corda onde estavam penduradas dezenas de almas, que chocalhavam ao ritmo dos seus passos. Ao chegar ao edifício, parou para localizar a porta central e em largas passadas, aproximou-se. Hipólito conseguiu identificar algumas das almas mais próximas da cintura. Viu Prigojin, Navalny, Kristina Baikova, Grigory Klinishov e Igor Shkurko, outras estavam escondidas nas grossas dobras da capa e as que eram arrastadas pelo chão estavam tão deterioradas que era impossível reconhecê-las. Era Vladimir Putin À sua passagem, os seguranças perfilaram-se, facilitando-lhe a entrada, no momento em que um deus da Polinésia titubeava o pedido de um lugar no Panteon celeste.
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