2011 – Aproxima-se o ano do cornudo. O 11 do século. O ano em que a luta pela sobrevivência irá mostrar o que de melhor e pior há em cada um de nós. O ano em que os que forem tocados pelo desespero, olharão em redor à procura de um possível culpado, o que envolverá muitos inocentes.
sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
quinta-feira, 30 de dezembro de 2010
O Bom Samaritano
A Lei do Bom Samaritano existe nos países anglo-saxões, e pretende proteger os actos daqueles que optam por ajudar feridos ou doentes, sem o receio de ser processado por eventuais lesões não intencionais. Na Europa tem outros nomes, mas a mesma intenção.
Essas leis não se aplicam aos profissionais de saúde no exercício das suas funções, embora haja complacência com os socorristas profissionais quando ajam a título voluntário.
Fundamenta-se na parábola contada por Jesus, (Lucas 10:25-37), onde um viajante ajuda um outro de etnia diferente, que havia sido espancado e roubado por bandidos.
A ajuda pode tomar vários aspectos, que vão do simples gesto de activar o 112 a efectuar manobras suporte básico de vida e, quem não intervier em situação de clara necessidade, pode ser responsabilizado civilmente.
Tal não impede, no entanto, que um tribunal possa decidir que esta lei não se aplique porque a vítima não estava em perigo iminente e considere como "imprudente" e desnecessária a acção de socorrer.
Quem responde a uma emergência deve obter o consentimento da vítima, salvo se esta estiver incapaz de o explicitar, não deve abandonar o local até que um salvador da capacidade igual ou superior assuma a liderança, ou que esse auxílio ponha em risco a sua própria segurança.
…
… e depois disto tudo, expliquem-me porque é que se continua a dar palmadinhas na face e copos de água a quem por hipotensão caiu no chão, e porque não pergunta se nos circunstantes há alguém com maiores capacidades?
Essas leis não se aplicam aos profissionais de saúde no exercício das suas funções, embora haja complacência com os socorristas profissionais quando ajam a título voluntário.
Fundamenta-se na parábola contada por Jesus, (Lucas 10:25-37), onde um viajante ajuda um outro de etnia diferente, que havia sido espancado e roubado por bandidos.
A ajuda pode tomar vários aspectos, que vão do simples gesto de activar o 112 a efectuar manobras suporte básico de vida e, quem não intervier em situação de clara necessidade, pode ser responsabilizado civilmente.
Tal não impede, no entanto, que um tribunal possa decidir que esta lei não se aplique porque a vítima não estava em perigo iminente e considere como "imprudente" e desnecessária a acção de socorrer.
Quem responde a uma emergência deve obter o consentimento da vítima, salvo se esta estiver incapaz de o explicitar, não deve abandonar o local até que um salvador da capacidade igual ou superior assuma a liderança, ou que esse auxílio ponha em risco a sua própria segurança.
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… e depois disto tudo, expliquem-me porque é que se continua a dar palmadinhas na face e copos de água a quem por hipotensão caiu no chão, e porque não pergunta se nos circunstantes há alguém com maiores capacidades?
terça-feira, 28 de dezembro de 2010
Ensaio sobre o Luxo
Expliquem-me como são possíveis tais margens de lucro, numa sociedade onde há fiscalidade progressiva.
São 29' e 09" de filme, 15 dos quais me deixaram incrédulo - para ver aqui!
Isto de viver na aldeia, tem destas coisas!
Uma coisa é viver entre as desigualdades e as suas patologias; outra bem diferente é regozijar-se com elas. Há em todo o lado uma propensão impressionante para admirar a grande riqueza e conceder-lhe o estatuto de fama ("Estilos de Vida dos Ricos e famosos"). Já passámos por isso. No século XVIII, Adam Smith - o pai fundador da economia clássica - observou a mesma inclinação entre os seus contemporâneos: "A grande massa da humanidade são os admiradores e adoradores da riqueza e grandeza, que, e isso pode parecer mais extraordinário, são frequentemente admiradores e adoradores desinteressados"
Para Smith, essa adulação acrítica da riqueza pela riqueza, não era pouco atractiva. Era também uma característica destrutiva de uma economia comercial moderna, que, em seu entender , o capitalismo precisava sustentar e cultivar: "a disposição para admirar, quase para adorar os ricos e os poderosos, e para desprezar, ou pelo menos negligenciar pessoas de pobre e miserável condição ... é ... a grande causa, e a mais universal, da corrupção dos nossos sentimentos morais"
in "Um tratado sobre os nossos actuais descontentamentos" de Tony Judt
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
Um pedido
domingo, 26 de dezembro de 2010
O Sr. João Salazarista
- Oh sr. Dr! Eu sou salazarista. Se tropeço em qualquer coisa com que não concorde, tenho que falar!
Ainda há pouco, a administrativa que me atendeu estava a mastigar uma pastilha elástica. Não me contive e disse-lhe: -“Olhe minha senhora! Isso não são modos de atender o público!” Está a ver? Vem-se ao Hospital por causa dos nervos, damos com uma coisa destas, e fica-se pior! É que nem com calmantes uma pessoa é capaz de tolerar esta falta de educação!
- Sr. João, acalme-se, e conte o resto da história, de ter sido multado por estar a pescar à noite sem licença!
Ainda há pouco, a administrativa que me atendeu estava a mastigar uma pastilha elástica. Não me contive e disse-lhe: -“Olhe minha senhora! Isso não são modos de atender o público!” Está a ver? Vem-se ao Hospital por causa dos nervos, damos com uma coisa destas, e fica-se pior! É que nem com calmantes uma pessoa é capaz de tolerar esta falta de educação!
- Sr. João, acalme-se, e conte o resto da história, de ter sido multado por estar a pescar à noite sem licença!
sábado, 25 de dezembro de 2010
Carta ao Pai Natal
Confesso que admiro a tua longevidade. Estás a 100% e, mesmo durante a crise, mostraste quem eras.
Conheço-te há muitos anos, sempre gordo, alegre e disponível, a resumir numa noite toda a actividade de um ano, em que preparas uma prenda que seja bússola para qualquer construção física ou imaginária.
Manténs o trenó, as renas e essa vestimenta de Dezembro, que te dá um ar ecológico e que até funciona nas regiões tropicais, mais essa obesidade abdominal, que transmite benevolência para com os excessos.
Porque sabes que para conservar é necessário mudar, adaptaste-te aos novos tempos e forneces o imaginário de uma confortável lareira de uma habitação moderna, numa festa que engloba a família e os amigos, e bateste aos pontos o Menino Jesus, que se mantém confinado à escassez de um curral de um caravançarai.
Depois, mandaste às malvas as ideologias e deixas que te usem como símbolo de partilha, mesmo por quem no resto do ano promove o privilégio privado e a indiferença pública.
Mas estás em sintonia com os tempos que correm: “viver o dia de hoje, que amanhã logo se vê!”, e se calhar … tu é que tens razão!
Mas estás em sintonia com os tempos que correm: “viver o dia de hoje, que amanhã logo se vê!”, e se calhar … tu é que tens razão!
Até ao ano Pai Natal!
quinta-feira, 23 de dezembro de 2010
Manuela Ferreira Leite
A notícia de que o Governo e o PSD não se entendem na escolha das pessoas que deverão constituir o grupo de trabalho para reavaliar as parcerias público-privadas e as grandes obras públicas é desanimadora.
Na verdade, este facto, não sendo novo, revela que está instalada na sociedade portuguesa uma desconfiança entre os cidadãos de proporções preocupantes baseada, quase sempre, no conhecimento da simpatia partidária de cada um.
Esta atitude deve-nos fazer refletir até que ponto se deteriorou o nosso sentido democrático.
Será que o facto de alguém ter uma opção política clara o torna suspeito para cumprir os seus deveres para com o país?
Será que está subvertida a noção de opção ideológica e ela se tornou um meio de criar agentes políticos, impeditivo de agir de forma independente, quando se trata de defender os interesses do país?
O que é feito da ética, do sentido de serviço público, do interesse nacional?
O critério da confiança pessoal e da ‘lealdade política’ que tem minado o sector público, não se pode sobrepor à seriedade intelectual.
Enquanto formos um país de fidelidades versus competências não nos mobilizaremos para ultrapassar as nossas dificuldades.
O Natal é um bom momento para começarmos a arrepiar caminho.
O Natal é um bom momento para começarmos a arrepiar caminho.
Manuela Ferreira Leite no "Expresso" de 23 de Dezembro
Os realces são meus.
Eu penso a um nível diferente do dela, mas sinto o mesmo ambiente no espaço que me rodeia!
Eu penso a um nível diferente do dela, mas sinto o mesmo ambiente no espaço que me rodeia!
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
A anestesia
- Sr. Dr.! Desde a última operação aos intestinos, esqueço-me de tudo! Mas deve ter sido da anestesia que foi à força de autocolantes. E olhe que eu já tinha feito duas anestesias. Uma à barriga por causa de um mioma. Tirei tudo, e nunca mais tive problemas. A outra foi aos pés e foi por meio de garrotes, que era para não sangrar. Mas nesta, puseram-me o nariz ocupado com tubos nas narinas. Um para o pâncreas e outro para o estômago, um saco para o chichi, mais uns autocolantes na testa. Quando eu olhei para cima e vi o vidrão, perguntei - "O que é isso Sr. Dr.!", e ele disse – "É para a Sra. ver a operação!" Disse logo que não queria aquelas coisas, mas de seguida adormeci. Não foi anestesia como as outras. Nas outras vomitei sempre, e nesta não! Agora esqueço-me muito! Ainda no outro dia tropecei, e parti um dente!
- Dona Maria, não se esqueça que tem oitenta e nove anos e uma vida de trabalho. Agora tem de cuidar de coisas mais pequenas e tentar andar mais calma.
- Sr. Dr!, eu sempre fui eléctrica, …
- Dona Maria, não se esqueça que tem oitenta e nove anos e uma vida de trabalho. Agora tem de cuidar de coisas mais pequenas e tentar andar mais calma.
- Sr. Dr!, eu sempre fui eléctrica, …
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
Um amuo
Eu sei que estás sentida, mas agora não vale a pena amuares, que eu não mudo nada do que fiz.
Tens memória curta, senão lembravas-te dos acontecimentos dos últimos onze anos, e estarias tão grata, que te vergarias à minha passagem. Mas o que lá vai, lá vai, e agora sentes-te longe, mesmo sabendo que todos os dias te vejo e que rezo pela tua rápida recuperação.
Já te expliquei, que te puseram ao pé da porta contra minha vontade, pois já sabia que em meia dúzia de anos necessitarias de mais espaço, e que só à força de grandes podas é que aí podias ter ficado, mas, mesmo assim não te resignas ao novo lugar onde podes dar largas à tua vontade.
E mais! Não te esqueças que ias para lenha quando te fui buscar “in extremis”, sem saber a qualidade do teu fruto, que, hás-de convir, não é grande, nem saboroso.
Bem! Ficamos por aqui! Vê se deixas esse ar amodorrado e mandas cá para fora uns raminhos, que eu gosto de te ver luzir de sol, que adubo não te vai faltar, pelo menos enquanto eu aqui estiver.
Cresce, que até vais ver o mar aí de cima.
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
sábado, 18 de dezembro de 2010
Buraco Gigante na Saúde
Como me espantam estas notícias, que só o são para quem desconhece a evolução dos últimos anos do SNS, que se deslumbrou a implementar Vias Verdes, guidelines e tecnologias, sem lhes avaliar (ou condicionar) os custos.
O que aconteceu a quem quis pôr um mínimo de contenção?
sexta-feira, 17 de dezembro de 2010
Prenda de Natal
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
A instalação eléctrica
- "Oh Sr. Construtor! Se ligo o forno e mais alguma coisa, vai tudo abaixo! Tem de me ver a instalação eléctrica!"
- "A instalação está bem! Tem de se pedir à EDP um aumento de potência para 6,9 kva, mas eles vão querer o projecto de instalação eléctrica (que não há) e um termo de responsabilidade do electricista, e nem daqui a três meses e trezentos euros vai ter isso!", e virando-se para o empregado que está ao lado: - “Oh Antunes! Você não conhece ninguém que venha cá mudar isto, e alterar a coisa nos papéis?"
- "Conheço! Mas fica por cem euros!"
- "Ande lá com isso, que eu pago!"
quarta-feira, 15 de dezembro de 2010
Midnight Cowboy
Midnight Cowboy (O cowboy da meia-noite) 1969. Marcou-me pela história, pela música e principalmente pela interpretação de Dustin Hoffman na figura de Ratso, um pequeno malandro a viver de expedientes.
terça-feira, 14 de dezembro de 2010
Carta aberta aos fumadores
Caros Fumadores:
Quero aqui deixar o meu obrigado por esta vossa actividade. Fumar é um acto de altruísmo, muito mais que um vício. Um altruísmo que não se esgota nos impostos que pagais do vosso próprio bolso, pois muitos de vós o fazem bem antes de auferir qualquer provento, forçando os vossos familiares a dar o seu contributo. De igual modo, agradeço aos “sem-abrigo” que fumando, canalizam parte das esmolas para impostos.
Mas o vosso maior acto de solidariedade com todos nós, vem da antecipação da hora da vossa morte, em oito a dez anos, reduzindo assim os encargos com as reformas, pois, se não houvesse aquela caterva de doenças provocadas pelo tabaco, vós iríeis engrossar a pool de idosos que vive à custa da Segurança Social, e, por certo, teríamos mais uns anos de trabalho.
Estou certo de que entendeis as acções da GNR, para que não falte o leite nas escolas nem os subsídios aos Lares de Terceira Idade.
Bem hajam!
Fernando
Bem hajam!
Fernando
segunda-feira, 13 de dezembro de 2010
Sim, Patrão!
Hoje são poucos na consulta. Poucos, mas "bons". São cinco, mas pelo menos dois vão-me dar água pela barba.
Vou começar pelo Serafim, que já vi lá fora. Fui eu que o chamei, depois do Laboratório me ter avisado das graves alterações nas suas análises. Sempre foi uma consulta difícil a deste homem, de pouco mais de 35 anos. Está sempre agitado e tem uma péssima relação com a mãe que lhe dá guarida e o atura. Quando esteve preso, cumpriu os tratamentos, mas agora, anda agitado e não toma a medicação. Para o trazerem hoje, deve ter sido um inferno naquela casa.
Chamo-o à porta. Vem com a mãe, que deve rondar os setenta anos. Veste bem, e quem o vê ao longe, não lhe imagina a vida.
- Então como está? Tem ido ao Porto, ao IPO ?, pergunto, para saber se, recentemente, houve alguma participação daquele Hospital, depois de, no ano passado, ali ter sido operado.
Levanta a cabeça, e responde de modo abrupto: - Como é que eu posso ir às consultas, sem dinheiro? Mandaram-me uma carta para eu ir, mas eu não vou assim! Perder lá toda a manhã. Não tenho paciência!
A mãe, ao lado, move-se na cadeira, e tenta acalmá-lo: - Serafim! Eu falo com as assistentes sociais, e isso arranja-se. O Dr. passa-te um papel para o transporte, e tu só tens de ir! Que te custa!?
- Não quero! As assistentes sociais não querem saber. Nem o Rendimento Mínimo me dão!, continua ríspido, respondendo para o intervalo entre nós a duas.
- Mas, se tu não tens direito a esse dinheiro por nos teres a nós, tens de te conformar!, repete-lhe tentando dar sentido às horas em que já se discutiu já esse assunto. Ele levanta o olhar, e diz-lhe com despeito:
- Cala-te, que tu não sabes nada!, e vira-se para o lado a ruminar impropérios, enquanto eu me levanto para pôr cobro aquela desavença. -Calma! O assunto agora é outro!, exclamo. - Há umas análises que estão muito mal e que temos de confirmar, porque, a ser verdade, a situação é muito grave! Já falei com o Laboratório para que vá lá agora repeti-las. Está bem?, e vou à porta chamar a irmã, que ficou fora, para o conter em caso de necessidade.
- É sempre assim! Dr.! Ele põe-na louca! Ele vai dar cabo da minha mãe!, diz enquanto entra e se senta.
Entretanto o telemóvel dele toca, e, de imediato, atende. -Sim!, Sim! Diga patrão!, responde durante os segundos em que se mantém sentado, - Sim! Sim! Diga que eu vou! Sim! Eu vou!, continua, levanta-se, e sai pela porta a baixar repetidamente a cabeça no meio dos muitos Sim.
Olho para as duas à minha frente, e com alguma perplexidade pergunto: -Afinal, ele … trabalha!. A irmã encolhe os ombros, esboça um meio sorriso, e responde: - Oh Sr. Dr.! O trabalho dele, ... é a droga!
Volta a entrar. Não sei se entregue tudo ao destino, ou se respeite o esforço daquelas duas mulheres. É mais fácil a segunda opção, e para acabar, sugiro-lhe:
- Sr. Serafim! Antes de ir embora, passe pelo Laboratório e faça as análises que eu depois combino o resto com a sua irmã, está bem?
- Agora não posso!, responde. – Já marquei coisas! Tenho que sair já! Não posso!, e sai com a mãe atrás, enquanto eu digo à irmã: - Ficamos assim. Quando ele achar que deve vir, que venha, mas é quase certo que lhe vai surgir uma complicação grave e provavelmente letal, que agora se poderia evitar. Mas a vida é dele! ... Boa Tarde!
Vou começar pelo Serafim, que já vi lá fora. Fui eu que o chamei, depois do Laboratório me ter avisado das graves alterações nas suas análises. Sempre foi uma consulta difícil a deste homem, de pouco mais de 35 anos. Está sempre agitado e tem uma péssima relação com a mãe que lhe dá guarida e o atura. Quando esteve preso, cumpriu os tratamentos, mas agora, anda agitado e não toma a medicação. Para o trazerem hoje, deve ter sido um inferno naquela casa.
Chamo-o à porta. Vem com a mãe, que deve rondar os setenta anos. Veste bem, e quem o vê ao longe, não lhe imagina a vida.
- Então como está? Tem ido ao Porto, ao IPO ?, pergunto, para saber se, recentemente, houve alguma participação daquele Hospital, depois de, no ano passado, ali ter sido operado.
Levanta a cabeça, e responde de modo abrupto: - Como é que eu posso ir às consultas, sem dinheiro? Mandaram-me uma carta para eu ir, mas eu não vou assim! Perder lá toda a manhã. Não tenho paciência!
A mãe, ao lado, move-se na cadeira, e tenta acalmá-lo: - Serafim! Eu falo com as assistentes sociais, e isso arranja-se. O Dr. passa-te um papel para o transporte, e tu só tens de ir! Que te custa!?
- Não quero! As assistentes sociais não querem saber. Nem o Rendimento Mínimo me dão!, continua ríspido, respondendo para o intervalo entre nós a duas.
- Mas, se tu não tens direito a esse dinheiro por nos teres a nós, tens de te conformar!, repete-lhe tentando dar sentido às horas em que já se discutiu já esse assunto. Ele levanta o olhar, e diz-lhe com despeito:
- Cala-te, que tu não sabes nada!, e vira-se para o lado a ruminar impropérios, enquanto eu me levanto para pôr cobro aquela desavença. -Calma! O assunto agora é outro!, exclamo. - Há umas análises que estão muito mal e que temos de confirmar, porque, a ser verdade, a situação é muito grave! Já falei com o Laboratório para que vá lá agora repeti-las. Está bem?, e vou à porta chamar a irmã, que ficou fora, para o conter em caso de necessidade.
- É sempre assim! Dr.! Ele põe-na louca! Ele vai dar cabo da minha mãe!, diz enquanto entra e se senta.
Entretanto o telemóvel dele toca, e, de imediato, atende. -Sim!, Sim! Diga patrão!, responde durante os segundos em que se mantém sentado, - Sim! Sim! Diga que eu vou! Sim! Eu vou!, continua, levanta-se, e sai pela porta a baixar repetidamente a cabeça no meio dos muitos Sim.
Olho para as duas à minha frente, e com alguma perplexidade pergunto: -Afinal, ele … trabalha!. A irmã encolhe os ombros, esboça um meio sorriso, e responde: - Oh Sr. Dr.! O trabalho dele, ... é a droga!
Volta a entrar. Não sei se entregue tudo ao destino, ou se respeite o esforço daquelas duas mulheres. É mais fácil a segunda opção, e para acabar, sugiro-lhe:
- Sr. Serafim! Antes de ir embora, passe pelo Laboratório e faça as análises que eu depois combino o resto com a sua irmã, está bem?
- Agora não posso!, responde. – Já marquei coisas! Tenho que sair já! Não posso!, e sai com a mãe atrás, enquanto eu digo à irmã: - Ficamos assim. Quando ele achar que deve vir, que venha, mas é quase certo que lhe vai surgir uma complicação grave e provavelmente letal, que agora se poderia evitar. Mas a vida é dele! ... Boa Tarde!
domingo, 12 de dezembro de 2010
Presságio de Nostradamus
sábado, 11 de dezembro de 2010
Frutos secos
sexta-feira, 10 de dezembro de 2010
Fuga aos Impostos
"Nada é certo neste mundo, excepto a morte e os impostos". Benjamin Franklin (1706-1790)
Pagar impostos é um destino, já que sem eles não existiria civilização. Desde os primórdios que os governos arrecadam tributos aos cidadãos que, por sua vez, sempre reclamaram da sua cobrança.
Nas sociedades democráticas, pagar impostos é um dever fundamental de qualquer cidadão, que, no entanto, deverá vigiar a justeza das taxas e da sua aplicação.
Se um Estado é altamente eficiente, e aplica esse dinheiro naquilo que a sociedade entende como “bem comum”, essa tributação não só é aceite, como também é vigiada pela sua população. Mas, se não há rigor, abrem-se as portas à legitimização da fuga aos impostos.
Em 2009 os portugueses trabalharam em média 133 dias para cumprir com as obrigações fiscais, o que não seria muito, se todos eles cumprissem as regras, e não houvesse 25% que, fugindo ao fisco, obriga a taxar os outros a um nível superior.
Nesta circunstância, os que estão a suportar esse excesso, vão fazer impossíveis para lhe escapar, e, de acordo com o que já foi teorizado por Arthur Laffer, mais impostos levarão a menores colectas.
Como nação, temos a convicção de um querer colectivo, que se não coaduna com salários ou outros benefícios pagos pelo Estado (quer directamente, quer através das EPEs), que choquem com o salário mínimo que ele próprio propõe, nem com obra pública de utilidade ou execução duvidosas.
Pensa-se que, para que Portugal ganhe os níveis de consciência colectiva dos países nórdicos, são precisas não menos de 3 gerações.
quinta-feira, 9 de dezembro de 2010
terça-feira, 7 de dezembro de 2010
Eu no Facebook
segunda-feira, 6 de dezembro de 2010
Eu, Crente
Creio em Deus Pai, todo-poderoso,
Criador do céu e da terra.
E em Jesus Cristo,
seu único Filho
nosso Senhor.
Que foi concebido pelo poder do Espírito Santo,
nasceu da Virgem Maria,
padeceu sob Pôncio Pilatos,
foi crucificado, morto e sepultado,
desceu aos mortos,
ressuscitou ao terceiro dia,
subiu aos Céus
está sentado à direita de Deus Pai Todo-Poderoso,
donde há de vir julgar os vivos e mortos.
Creio no Espírito Santo,
na Santa Igreja Católica,
na comunhão dos santos,
na remissão dos pecados,
na ressurreição da carne,
na vida eterna.
Àmen
Era assim o Credo que eu papagueei, sem entender, dos seis aos doze anos, e foi aí que me iniciei como crente.
Depois, quando me deram um caderno de significados, começou-me a custar dizer algumas frases. Primeiro foi o "gemendo e chorando neste vale de lágrimas" da Salvé Rainha que me pareceu excessivo, depois foi a "ressurreição da carne" e aquela coisa de "julgar os vivos e mortos", pois entendia melhor um mundo de almas, que um mundo de carnes a flutuar no céu, e custava-me que se julgassem os vivos antes de tudo ter terminado, cerceando-lhes um arrependimento final num lampejo de clarividência.
Na adolescência ganhei outras crenças. Acreditei que era possível definir um bem comum à humanidade, que poria um ponto final a todos os conflitos, e até idealizei que, num milionésimo de segundo, o universo vibrava em consonância num Nirvana resplandecente, mas desisti, ao assumir que esses ambientes estariam fora do meu espectro de existência.
Racionalizei então, que o que não era possível nessa escala, seria possível numa comunidade restrita e, durante um bom par de anos, acreditei que a bondade num pequeno grupo seria o caminho para a “santidade”.
Depois assisti à razão do dinheiro, e por curtos períodos até cheguei a acreditar que “os mercados” iriam devolver à comunidade, através dos investimentos, um bem-estar que se repercutisse naqueles que contribuíram para o seu enriquecimento e que, por uma razão ou outra, não os acompanharam na fortuna (aquela coisa do “give back” do Bill Gates).
Mas ao fim destes anos concluo, que o que move o mundo é o Medo e a Ganância, e que as crenças, são ilusões que se esfumam à segunda arremetida do pragmatismo.
domingo, 5 de dezembro de 2010
sábado, 4 de dezembro de 2010
As Finanças e o SNS
São títulos do Público de hoje – "Finanças não cede e hospitais EPE vão ter de reduzir custos".
"O SNS para tudo e para todos acabou".
"O SNS para tudo e para todos acabou".
A meio dos textos lêem-se frases de Manuel Antunes “Os médicos sempre foram educados para dar o melhor ao doente, pressupondo-se que o que é mais caro, é melhor. (…) mas não se pode comer sempre lagosta ao jantar”, e de Augusto Mateus “Não se pode pensar que prolongar a vida por um minuto vale qualquer preço” e “não é possível ter qualidade em todo o lado”.
Estas notícias são avisos/justificações, para o que está para chegar.
Depois, quando se passar aos actos, veremos se o que se faz é o que menos interfere com os amigos, e se se continua a solucionar com o dinheiro dos contribuintes aquilo que a ignorância não resolve.
Basta ver o historial dos contratos individuais de trabalho nas EPE.
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
terça-feira, 30 de novembro de 2010
É pó menino e pá menina
Tudo corria bem. Não tinham surgido as habituais disfunções sociais ou organizativas e os problemas médicos tinham tido solução fácil, até a administrativa entrar consulta adentro, para me mostrar umas análises da mulher de um doente meu, que estava lá fora para me falar.
Li o nome através da transparência do envelope, e pensei de imediato - “Está grávida! Era o que faltava!”
Casaram recentemente, e desde então vem com ele, para assumir que “agora, as coisas vão correr bem", porque é ela que vai cuidar da medicação. É a “encalhada”, como em tempos, ele a chamou.
Na última consulta falou em ter filhos, e expliquei-lhe, mais uma vez, os riscos, para ela e para o bebé, mesmo com o vírus suprimido, o que está longe de acontecer. Não me pareceu convencida, mas como tem mais de quarenta anos, e não tem atraso mental, nem liguei quando me disse, displicente, que o casamento é “para o melhor e para o pior, na saúde e na doença” como quem apregoa “é p’ró menino e p’rá menina, a vinte e cinco tostões!”.
Mando-a entrar. Vem bem disposta.
- Então, que se passa?
- É que o teste deu positivo!
- Não me diga que está grávida!, pergunto, enquanto abro, a medo, o envelope.
- Não!, responde a sorrir. - Deu positivo, ... o teste da SIDA!, e, perante a minha estupefacção, completa, -Sra. Dra.! É assim o casamento ... “pr'á saúde e pr’á doença!”
E eu cá para dentro a pensar ... “a vinte e cinco tostões!”
Li o nome através da transparência do envelope, e pensei de imediato - “Está grávida! Era o que faltava!”
Casaram recentemente, e desde então vem com ele, para assumir que “agora, as coisas vão correr bem", porque é ela que vai cuidar da medicação. É a “encalhada”, como em tempos, ele a chamou.
Na última consulta falou em ter filhos, e expliquei-lhe, mais uma vez, os riscos, para ela e para o bebé, mesmo com o vírus suprimido, o que está longe de acontecer. Não me pareceu convencida, mas como tem mais de quarenta anos, e não tem atraso mental, nem liguei quando me disse, displicente, que o casamento é “para o melhor e para o pior, na saúde e na doença” como quem apregoa “é p’ró menino e p’rá menina, a vinte e cinco tostões!”.
Mando-a entrar. Vem bem disposta.
- Então, que se passa?
- É que o teste deu positivo!
- Não me diga que está grávida!, pergunto, enquanto abro, a medo, o envelope.
- Não!, responde a sorrir. - Deu positivo, ... o teste da SIDA!, e, perante a minha estupefacção, completa, -Sra. Dra.! É assim o casamento ... “pr'á saúde e pr’á doença!”
E eu cá para dentro a pensar ... “a vinte e cinco tostões!”
História de A.S.
segunda-feira, 29 de novembro de 2010
Inside Job
Não é filme de ficção, ... é um documentário, onde se entrevistam muitos dos envolvidos na tal "economia de mercado" que era suposto se ... autocontrolar!
domingo, 28 de novembro de 2010
Leituras de fim-de-semana
Talvez eu ande a ler as pessoas erradas, mas não vejo nos próximos tempos, condição para ultrapassar esta crise.
Venderam-nos bem a “integração europeia” e deslumbrámo-nos convencidos que éramos ricos.
Foi um fartar vilanagem, principalmente quando a seguir também nos convenceram que “a economia de mercado” era a solução. Aí foi o boom dos salários dos gestores e dos contratos individuais de trabalho. O dinheiro sem limite. É preciso … pague-se! Que o dinheiro há-de aparecer. E eu a lembrar-me do alentejano, na eleições, a dizer: “Faça-se a ponte que o rio logo aparece!”
E depois apareceu o discurso positivo do “choque tecnológico”. Isto num país sem tradição de cultura, onde poucas são as casas onde se procura um dicionário ou um livro para dar resposta a uma dúvida. Um país que, de repente, se viu sem agricultura, sem pescas e sem indústria de mão-de-obra indiferenciada, a fiar-se na “tecnologia como futuro”, levado por uns senhores de Lisboa a obrigar as escolas a lidar com o “eduquês” e a promover qualquer um a doutor, só para se poder falar em “ratio” nos discursos do parlamento europeu.
Na Saúde, as EPEs aumentaram os custos sem benefícios evidentes, mas criaram injustiça com os contratos individuais de trabalho, que só se irão questionar quando deixarem de se conseguir financiar junto do Estado.
Na Justiça, as remodelações empancaram nos privilégios dos juízes, mas os custos de um processo foram “em crescendo”, de modo a que só quem está bem calçado é que lá se mete, principalmente se a queixa é contra qualquer instituição do estado, pois como não lhe são assacadas custas, podem andar de instância em instância até endoidarem o queixoso.
Os gestores e economistas cantaram a música da moda - “a economia de mercado” e venderam à populaça os conceitos de “gestão moderna”, mas mais não fizeram de que se apropriar de bons empregos nos organismos do Estado, onde ninguém os questiona se mostrarem fidelidade às pechas que gravitam à volta dos partidos do poder.
No meio de isto tudo, aparecem os palermas, que na confusão da incompetência querem “mostrar trabalho” e se atiram “para a frente”, com soluções que só visam dar mais bem-estar a quem já tem muito.
...
Neste fim-de-semana saliento na Visão nº925, de 25 de Novembro, a frase de Paulo Azevedo, o líder da Sonae: “ O modelo de economia de mercado é bom a gerar riqueza, mas é mau a distribuí-la" e o ensaio de José Gil "A grande espera", que me tirou a pouca esperança no futuro próximo.
Venderam-nos bem a “integração europeia” e deslumbrámo-nos convencidos que éramos ricos.
Foi um fartar vilanagem, principalmente quando a seguir também nos convenceram que “a economia de mercado” era a solução. Aí foi o boom dos salários dos gestores e dos contratos individuais de trabalho. O dinheiro sem limite. É preciso … pague-se! Que o dinheiro há-de aparecer. E eu a lembrar-me do alentejano, na eleições, a dizer: “Faça-se a ponte que o rio logo aparece!”
E depois apareceu o discurso positivo do “choque tecnológico”. Isto num país sem tradição de cultura, onde poucas são as casas onde se procura um dicionário ou um livro para dar resposta a uma dúvida. Um país que, de repente, se viu sem agricultura, sem pescas e sem indústria de mão-de-obra indiferenciada, a fiar-se na “tecnologia como futuro”, levado por uns senhores de Lisboa a obrigar as escolas a lidar com o “eduquês” e a promover qualquer um a doutor, só para se poder falar em “ratio” nos discursos do parlamento europeu.
Na Saúde, as EPEs aumentaram os custos sem benefícios evidentes, mas criaram injustiça com os contratos individuais de trabalho, que só se irão questionar quando deixarem de se conseguir financiar junto do Estado.
Na Justiça, as remodelações empancaram nos privilégios dos juízes, mas os custos de um processo foram “em crescendo”, de modo a que só quem está bem calçado é que lá se mete, principalmente se a queixa é contra qualquer instituição do estado, pois como não lhe são assacadas custas, podem andar de instância em instância até endoidarem o queixoso.
Os gestores e economistas cantaram a música da moda - “a economia de mercado” e venderam à populaça os conceitos de “gestão moderna”, mas mais não fizeram de que se apropriar de bons empregos nos organismos do Estado, onde ninguém os questiona se mostrarem fidelidade às pechas que gravitam à volta dos partidos do poder.
No meio de isto tudo, aparecem os palermas, que na confusão da incompetência querem “mostrar trabalho” e se atiram “para a frente”, com soluções que só visam dar mais bem-estar a quem já tem muito.
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Neste fim-de-semana saliento na Visão nº925, de 25 de Novembro, a frase de Paulo Azevedo, o líder da Sonae: “ O modelo de economia de mercado é bom a gerar riqueza, mas é mau a distribuí-la" e o ensaio de José Gil "A grande espera", que me tirou a pouca esperança no futuro próximo.
sábado, 27 de novembro de 2010
sexta-feira, 26 de novembro de 2010
Anemia
- Diga-me então o que apurou da situação social do Sr. Joaquim.
- Uma desgraça! Vive com um irmão, numa aldeia para os lados de Balugães, na casa que era dos pais, e que está uma ruína. Nenhum trabalha. Não se dão, e fazem vidas separadas. Ele é o mais velho de quatro irmãos. Os pais separaram-se, e eles ficaram com a mãe que era alcoólica. A mais pequena foi-lhe logo retirada e colocada num colégio, aos outros ainda se tentou institucionalizá-los, mas eram já crescidos e fugiram. O pai foi para França onde ainda está. Quando a mãe morreu, o pai chamou-os. Estes dois não se adaptaram e voltaram para casa de uma avó, que entretanto também morreu. Ainda trabalharam uns tempos "ao jornal", e este até ganhou fama de fazer uns petiscos, mas o álcool arruinou-os. O pai mandava-lhes regularmente dinheiro até topar que os gastos da mercearia, eram quase todos para vinho. Agora, só quando cá vem, é que lhes paga algumas das dívidas.
-Mas olhe, que para se chegar ao estado em que o Sr. Joaquim entrou no Hospital são necessários muitos meses de carência. Só assim é que se consegue tolerar uma anemia de 2 gramas de Hemoglobina.
- Os vizinhos disseram que ele mal comia, e que há muitos meses que se não cuidava. A casa estava uma imundice.
- Desculpe a pergunta, mas está-me a dizer que o Sr. Joaquim, com cinquenta anos, vive do apoio que o pai lhe manda de França?
- Uma desgraça! Vive com um irmão, numa aldeia para os lados de Balugães, na casa que era dos pais, e que está uma ruína. Nenhum trabalha. Não se dão, e fazem vidas separadas. Ele é o mais velho de quatro irmãos. Os pais separaram-se, e eles ficaram com a mãe que era alcoólica. A mais pequena foi-lhe logo retirada e colocada num colégio, aos outros ainda se tentou institucionalizá-los, mas eram já crescidos e fugiram. O pai foi para França onde ainda está. Quando a mãe morreu, o pai chamou-os. Estes dois não se adaptaram e voltaram para casa de uma avó, que entretanto também morreu. Ainda trabalharam uns tempos "ao jornal", e este até ganhou fama de fazer uns petiscos, mas o álcool arruinou-os. O pai mandava-lhes regularmente dinheiro até topar que os gastos da mercearia, eram quase todos para vinho. Agora, só quando cá vem, é que lhes paga algumas das dívidas.
-Mas olhe, que para se chegar ao estado em que o Sr. Joaquim entrou no Hospital são necessários muitos meses de carência. Só assim é que se consegue tolerar uma anemia de 2 gramas de Hemoglobina.
- Os vizinhos disseram que ele mal comia, e que há muitos meses que se não cuidava. A casa estava uma imundice.
- Desculpe a pergunta, mas está-me a dizer que o Sr. Joaquim, com cinquenta anos, vive do apoio que o pai lhe manda de França?
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
Consulta de Alcoologia
- "Passou-se comigo. Se me contassem, não acreditava!", contava-me à mesa do Bar a psiquiatra.
- "Eu estava a fazer a consulta no CAT, e era a segunda vez que via este doente, que fora enviado por alcoolismo, e que mantinha os hábitos, apesar de se ter efectuado algum investimento nele, nos meses anteriores - tinha estado internado, demos-lhe apoio social e garantimos que um familiar se responsabilizasse pela terapêutica. E quando eu insistia para que ele assumisse a sua parte, ele olha para mim, com ar cândido, e diz-me: -“ Sra. Dra.! Não se zangue, que eu, para a próxima, trago-lhe um frango!”
...
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
Os "mercados" e a "crise"
MONEYLENDERS and MERCHANTS:
Roll on up Jerusalem, Come on in Jerusalem,
Sunday here we go again, Live in me Jerusalem.
Here you live Jerusalem, Here you breathe Jerusalem,
While your temple still survives, You at least are still alive.
I got things you won't believe, Name your pleasure I will sell.
I can fix your wildest needs, I got heaven and I got hell.
Roll on up, for my price is down. Come on in for the best in town.
Take your pick of the finest wine. Lay your bets on this bird of mine.
What you see is what you get. No one's been disappointed yet.
Don't be scared give me a try, There is nothing you can't buy.
Name your price, I got everything. Hurry it's going fast.
Borrow cash on the finest terms. Hurry now while stocks still last.
JESUS
My temple should be a house of prayer, But you have made it a den of thieves.
Get out! Get out!
Greve Geral
Eu sei que "Portugal não se governa nem se deixa governar". Até já apoiei quem o manifestou (aqui) , mas faço greve ... porque vejo o problemas com os mesmos olhos de Boaventura de Sousa Santos na Visão Nº924 de 18 de Novembro 2010, que transcrevo:
Quem tomar por realidade o que lhe é servido como tal pela espuma diária dos discursos do Governo e de boa parte da Oposição, bem como das análises dos comentadores conservadores e de boa parte dos progressistas, tenderá a ter sobre a crise económica e financeira e sobre o modo como ela se repercute na sua vida as seguintes ideias: todos somos culpados da crise porque todos, cidadãos, empresas e Estado, vivemos acima das nossas posses e nos endividámos em excesso; as dívidas têm de ser pagas e o Estado deve dar o exemplo; como subir os impostos agravaria a crise, a única solução será cortar as despesas do Estado diminuindo os serviços públicos, despedindo funcionários, reduzindo os seus salários e eliminando prestações sociais; estamos num período de austeridade que chega a todos e para a enfrentar temos que aguentar o sabor amargo de uma festa em que nos arruinámos e agora acabou; as diferenças ideológicas já não contam, o que conta é o imperativo de salvação nacional, e os políticos e as políticas têm de se juntar num largo consenso, bem no centro do espetro político.
Esta "realidade" é tão evidente que constitui um novo senso comum. E, no entanto, ela só é real na medida em que encobre bem outra realidade de que o cidadão comum tem, quando muito, uma ideia difusa e que reprime para não ser chamado ignorante, pouco patriótico ou mesmo louco. Essa outra realidade diz-nos outra coisa. A crise foi provocada por um sistema financeiro empolado, desregulado, chocantemente lucrativo e tão poderoso que, no momento em que explodiu e provocou um imenso buraco financeiro na economia mundial, conseguiu convencer os Estados a salvá-lo da bancarrota e a encher-lhe os cofres sem lhes pedir contas. Com isto, os Estados, já endividados, endividaram-se mais, tiveram de recorrer ao sistema financeiro que tinham acabado de resgatar e este, porque as regras de jogo não foram entretanto alteradas, decidiu que só emprestaria dinheiro nas condições que lhe garantissem lucros fabulosos até à próxima explosão.
A preocupação com as dívidas é importante mas, se todos devem (famílias, empresas e Estado) e ninguém pode gastar, quem vai produzir, criar emprego e devolver a esperança às famílias? Neste cenário, o futuro inevitável é a recessão, o aumento do desemprego e a miséria de quase todos. A história dos anos de 1930 diz-nos que a única solução é o Estado investir, criar emprego, tributar os super-ricos, regular o sistema financeiro. E quem fala de Estado, fala de conjuntos de Estados, como a União Europeia. Só assim a austeridade será para todos e não apenas para as classes trabalhadoras e médias que mais dependem dos serviços do Estado.
Porque é que esta solução não parece hoje possível? Por uma decisão política dos que controlam o sistema financeiro e, indiretamente, dos Estados. Decisão que consiste em enfraquecer ainda mais o Estado, liquidar o Estado de bem-estar, debilitar o movimento operário ao ponto de os trabalhadores terem de aceitar trabalho nas condições e com a remuneração unilateralmente impostas pelos patrões. Como o Estado tende a ser um empregador menos autónomo e como as prestações sociais são feitas através de serviços públicos, o ataque deve ser centrado na função pública e nos que mais dependem dos serviços públicos. Para os que neste momento controlam o sistema financeiro é prioritário que os trabalhadores deixem de exigir uma parcela decente do rendimento nacional, e para isso é necessário eliminar todos os direitos que conquistaram depois da II Guerra Mundial. O objetivo é voltar à política de classe pura e dura, ou seja, ao século XIX.
A política de classe conduz inevitavelmente à confrontação social e à violência. Como mostram bem as recentes eleições nos EUA, a crise económica, em vez de impelir as divergências ideológicas a dissolverem-se no centro político, acicata-as e empurra-as para os extremos. Os políticos centristas seriam prudentes se pensassem que na vigência do modelo que agora domina não há lugar para eles. Ao abraçarem-no, estão a cometer suicídio.
Esta "realidade" é tão evidente que constitui um novo senso comum. E, no entanto, ela só é real na medida em que encobre bem outra realidade de que o cidadão comum tem, quando muito, uma ideia difusa e que reprime para não ser chamado ignorante, pouco patriótico ou mesmo louco. Essa outra realidade diz-nos outra coisa. A crise foi provocada por um sistema financeiro empolado, desregulado, chocantemente lucrativo e tão poderoso que, no momento em que explodiu e provocou um imenso buraco financeiro na economia mundial, conseguiu convencer os Estados a salvá-lo da bancarrota e a encher-lhe os cofres sem lhes pedir contas. Com isto, os Estados, já endividados, endividaram-se mais, tiveram de recorrer ao sistema financeiro que tinham acabado de resgatar e este, porque as regras de jogo não foram entretanto alteradas, decidiu que só emprestaria dinheiro nas condições que lhe garantissem lucros fabulosos até à próxima explosão.
A preocupação com as dívidas é importante mas, se todos devem (famílias, empresas e Estado) e ninguém pode gastar, quem vai produzir, criar emprego e devolver a esperança às famílias? Neste cenário, o futuro inevitável é a recessão, o aumento do desemprego e a miséria de quase todos. A história dos anos de 1930 diz-nos que a única solução é o Estado investir, criar emprego, tributar os super-ricos, regular o sistema financeiro. E quem fala de Estado, fala de conjuntos de Estados, como a União Europeia. Só assim a austeridade será para todos e não apenas para as classes trabalhadoras e médias que mais dependem dos serviços do Estado.
Porque é que esta solução não parece hoje possível? Por uma decisão política dos que controlam o sistema financeiro e, indiretamente, dos Estados. Decisão que consiste em enfraquecer ainda mais o Estado, liquidar o Estado de bem-estar, debilitar o movimento operário ao ponto de os trabalhadores terem de aceitar trabalho nas condições e com a remuneração unilateralmente impostas pelos patrões. Como o Estado tende a ser um empregador menos autónomo e como as prestações sociais são feitas através de serviços públicos, o ataque deve ser centrado na função pública e nos que mais dependem dos serviços públicos. Para os que neste momento controlam o sistema financeiro é prioritário que os trabalhadores deixem de exigir uma parcela decente do rendimento nacional, e para isso é necessário eliminar todos os direitos que conquistaram depois da II Guerra Mundial. O objetivo é voltar à política de classe pura e dura, ou seja, ao século XIX.
A política de classe conduz inevitavelmente à confrontação social e à violência. Como mostram bem as recentes eleições nos EUA, a crise económica, em vez de impelir as divergências ideológicas a dissolverem-se no centro político, acicata-as e empurra-as para os extremos. Os políticos centristas seriam prudentes se pensassem que na vigência do modelo que agora domina não há lugar para eles. Ao abraçarem-no, estão a cometer suicídio.
terça-feira, 23 de novembro de 2010
Por Uma Nova Economia
ACABEI de ler e assinar a petição «Para Uma Nova Economia - Uma Tomada de Posição Pública», que pode ser vista e subscrita [AQUI].
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
Responso a Sto António
“Sto António pequenino, se vestiu e se calçou, as suas santas mãos lavou, e seu caminho caminhou." Caso se esteja parado, nesta altura dá-se um passo em frente.
Nosso Senhor encontrou que lhe perguntou: -Onde vais Sto Antoninho?
- Vou buscar o que perdi. Tu comigo não irás, às portas do Céu ficarás. Quantas coisas eu perder, quantas Tu acharás.”
Em louvor de S. Silvestre, tudo o que eu response tudo preste! Nosso senhor Jesus Cristo seja o verdadeiro Mestre!”
*Nota: Deve-se responsar o objecto perdido nove vezes, durante três dias consecutivos ou vinte e sete vezes num dia.
Nosso Senhor encontrou que lhe perguntou: -Onde vais Sto Antoninho?
- Vou buscar o que perdi. Tu comigo não irás, às portas do Céu ficarás. Quantas coisas eu perder, quantas Tu acharás.”
Em louvor de S. Silvestre, tudo o que eu response tudo preste! Nosso senhor Jesus Cristo seja o verdadeiro Mestre!”
*Nota: Deve-se responsar o objecto perdido nove vezes, durante três dias consecutivos ou vinte e sete vezes num dia.
É importante que não haja enganos no responso, pois ao mínimo incumprimento o objecto não aparece.
No caso de se responsar enquanto se anda, não se deve fazer o trajecto de volta pelo mesmo caminho.
O responso também é eficaz no caso de roubo, já que houve casos em que o ladrão foi acometido de arrependimento e devolveu o objecto.
domingo, 21 de novembro de 2010
sábado, 20 de novembro de 2010
Consulta de 2ª feira
São 14:00h de segunda-feira, estou no Hospital desde as 08:00h de domingo e vou iniciar a Consulta Semanal. Fazer uma Urgência Extraordinária ao fim de semana, tem destas coisas. Consegui passar pelas brasas entre as três e as sete horas. Já me tinha prometido uma folga a seguir a um período de Urgência de 24 horas, mas, por uma razão ou por outra, acabo sempre por não adiar os doentes. … Mas para a frente, que hoje são dez.
Vou começar pelo terceiro da lista, que me parece fácil. Deve ser só para ver um exame e orientar. É como se fosse um “aquecimento” para o que vem a seguir. Tem uma doença cardíaca.
Chamo-o pelo intercomunicador, enquanto procuro o processo clínico no monte em cima da secretária. Não está! Lembro-me agora, que recentemente me interpelou, num corredor, por causa de uma cirurgia às hemorróides.
Entra acompanhado pela mulher e por uma criança pequena. Tem 48 anos e todos os vícios. É gordo, bebe, fuma, está quase surdo e desequilibrado por sequelas de uma cirurgia ao ouvido.
Pergunto-lhe pelo coração e ele responde-me das hemorróides. A mulher assume o papel de intérprete, enquanto a garota, depois de um curto período de retracção no meio das pernas dela, se aventura entre os móveis do consultório.
Vou começar pelo terceiro da lista, que me parece fácil. Deve ser só para ver um exame e orientar. É como se fosse um “aquecimento” para o que vem a seguir. Tem uma doença cardíaca.
Chamo-o pelo intercomunicador, enquanto procuro o processo clínico no monte em cima da secretária. Não está! Lembro-me agora, que recentemente me interpelou, num corredor, por causa de uma cirurgia às hemorróides.
Entra acompanhado pela mulher e por uma criança pequena. Tem 48 anos e todos os vícios. É gordo, bebe, fuma, está quase surdo e desequilibrado por sequelas de uma cirurgia ao ouvido.
Pergunto-lhe pelo coração e ele responde-me das hemorróides. A mulher assume o papel de intérprete, enquanto a garota, depois de um curto período de retracção no meio das pernas dela, se aventura entre os móveis do consultório.
-Quantos anos tens?, pergunto-lhe, para a tentar fixar na área de influência dos adultos. Ela abre as palmas das mãos para mim. Dez? pergunto. Dois! Responde a mulher. É minha neta!
Procuro no computador alguma informação que possa suprir a falta do processo, mas falta o exame efectuado no exterior. Chamo a auxiliar para que o tente achar. A criança aproveita a distracção e, num gesto propositado, atira o que lhe está mais próximo da secretária para o chão .
-A criança devia ter ficado lá fora!, digo, depois de constatar que ela é incontrolável. -Mas com quem?, pergunta a mulher, que não tem mais de quarenta e cinco anos. -A minha filha, trabalha!
Procuro no computador alguma informação que possa suprir a falta do processo, mas falta o exame efectuado no exterior. Chamo a auxiliar para que o tente achar. A criança aproveita a distracção e, num gesto propositado, atira o que lhe está mais próximo da secretária para o chão .
-A criança devia ter ficado lá fora!, digo, depois de constatar que ela é incontrolável. -Mas com quem?, pergunta a mulher, que não tem mais de quarenta e cinco anos. -A minha filha, trabalha!
-A Sra. podia ter ficado com ela lá fora!, arrisco, e ela contrapõe-me que tem de acompanhar o marido para o ajudar na surdez e no equilíbrio.
-Dá-lhe a bola que ela cala-se!, impacienta-se também o Sr. Aniceto, e, no instante seguinte, uma bola rola na sala com a criança no seu encalço.
Interrompo a consulta. -Por favor! Assim não dá!... Vão esperar lá fora, que eu chamo-os, de novo, quando chegar o processo e os exames!
…
Atendo os cinco doentes seguintes, até me vir a auxiliar com a informação de que o processo pedido aquando da cirurgia, não está arquivado, e, até lá, é impossível encontrá-lo, mas que o exame ao coração que fez no Porto, foi entregue ao doente na altura da alta.
Chamo-os de novo. Estão impacientes. Ela vocifera, que ninguém lhe disse para trazer o exame. A criança chora, e ele procura nos bolsos do casaco o papel com o nome dos medicamentos, para que eu lhos prescreva, pois já acabaram. Marco-lhe consulta para a semana seguinte, enquanto ele espalma à minha frente os recortes das caixas dos medicamentos.
Rapidamente identifico três que pertencem ao mesmo grupo farmacológico.
-O Sr. Aniceto não pode estar a tomar estes medicamentos!?, questiono a mulher, temendo a toxicidade cumulativa.
- Não Sr. Dr.!, responde, enquanto se levanta. -Ele só toma o Nebilet. O Carvedilol é para pagar na farmácia, que o temos em dívida, e o Concor é para mim!
…
São quase dezassete horas e ainda me faltam quatro doentes. Respiro fundo …
-Dá-lhe a bola que ela cala-se!, impacienta-se também o Sr. Aniceto, e, no instante seguinte, uma bola rola na sala com a criança no seu encalço.
Interrompo a consulta. -Por favor! Assim não dá!... Vão esperar lá fora, que eu chamo-os, de novo, quando chegar o processo e os exames!
…
Atendo os cinco doentes seguintes, até me vir a auxiliar com a informação de que o processo pedido aquando da cirurgia, não está arquivado, e, até lá, é impossível encontrá-lo, mas que o exame ao coração que fez no Porto, foi entregue ao doente na altura da alta.
Chamo-os de novo. Estão impacientes. Ela vocifera, que ninguém lhe disse para trazer o exame. A criança chora, e ele procura nos bolsos do casaco o papel com o nome dos medicamentos, para que eu lhos prescreva, pois já acabaram. Marco-lhe consulta para a semana seguinte, enquanto ele espalma à minha frente os recortes das caixas dos medicamentos.
Rapidamente identifico três que pertencem ao mesmo grupo farmacológico.
-O Sr. Aniceto não pode estar a tomar estes medicamentos!?, questiono a mulher, temendo a toxicidade cumulativa.
- Não Sr. Dr.!, responde, enquanto se levanta. -Ele só toma o Nebilet. O Carvedilol é para pagar na farmácia, que o temos em dívida, e o Concor é para mim!
…
São quase dezassete horas e ainda me faltam quatro doentes. Respiro fundo …
História de A.S.
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Morra o homem! Fique a fama!
A peça decorre num dos Cafés da Praça do Marquês, na década de 1970, que funcionava como "sala de estudo" durante a tarde, e onde ocorria muita da socialização da zona.
Chamávamos-lhe o “supositório”, porque era pequeno, fanfarrão e pertencia ao grupo de “juniores” que, de um dia para o outro, começou a ocupar uma outra ala no Café. Nunca lhe soube o nome. Aquele chegava. Entrava e saía, numa hiperactividade constante que girava à volta de duas rodas.
Tinha uma motorizada de 50 cc, com escape aberto, que virava para o interior do Café na esperança de acrescentar alguns centímetros à sua altura, e mimava-nos com repetidos Vrummms, naquilo que o seu miolo entendia como um aquecimento do motor para fazer frente às "chicanes" entre os carros, nas ruas e ruelas da cidade do Porto.
Aquele imaginário ancorava-se num familiar, mecânico de automóveis, que, de vez em quando, por lá aparecia, e que mais tarde viria a falecer com toda a família, em aparatoso acidente, com honras de primeira página de jornal.
...
Um dia o “supositório” entrou Café adentro, brilhante da napa recém-estreada, só denunciado pelo Vrum estridente do seu escape, e todas as cabeças se levantaram à passagem daquele macrocéfalo cavaleiro do apocalipse, no seu trajecto glorioso em direcção à mesa dos amigos.
Depois, lentamente, enquanto se libertava das luvas e do brilhante capacete que lhe avolumava o cérebro, justificou-se:
“Com este fato de couro, se tiver um acidente, posso partir os ossos todos, que não faço sangue nenhum!”
Ignoro se ainda está vivo!, ... mas a imagem, ... permanece!
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
Carta fúnebre a um amigo
De vez em quando, a vida traz-nos e leva-nos gente como tu. Alguém que nos acode nas minudências que nos atrapalham o estar. Tu eras desses. De segunda a sábado, arreganhavas num sorriso aquela meia dúzia de dentes, enquanto nos afiavas uma lâmina da motosserra, reparavas uma máquina ou davas o conselho para uma novidade sem aquela ganância de querer vender tudo a qualquer custo.
Tinhas uma postura de amigo com quem se trocavam palavras divertidas, porque sabias estar, mesmo quando a saúde te pregava aquelas matreirices da idade.
Confesso que não esperava que te fosses assim de um dia para o outro. Estar a carregar material na terça-feira e morrer de uma pneumonia às primeiras horas de quinta, mesmo sendo diabético, é coisa de cismar. Devias ter morrido de outro modo. Esta rapidez que te protegeu às agruras da decadência, deixou a quem te conhecia, uma sensação de abandono. Aos sessenta e seis anos não se é um velho. Esperava de ti uma outra energia, e não essa catadupa de disfunções com que entraste pelo hospital adentro. Ainda há cinco anos me gritavas do outro lado da rua “Dr.! É Cialis! Não é Viagra! … É Cialis!”, e num instante foram-se-te os pulmões, os rins e o coração, uns atrás dos outros numa falência multiorgânica impossível de suster.
Olha! Passei pela loja para saber da tua mulher, que, por certo, se debate com a volatilidade daquilo que julgamos certo, sem conseguir ver saída para a oficina e para o prato do lado de lá da mesa. Gostava de lhe dizer que ninguém tem culpa, que talvez se pudesse fazer mais, mas que o resultado seria o mesmo, que estas coisas … acontecem, mas acima de tudo dizer-lhe, que nos deixaste uma boa memória e que esse valor se prolonga para além dos dias que tiveste.
Fica bem, um abraço!
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
terça-feira, 16 de novembro de 2010
A dança dos maridos
-Então a dona Cristina, está há dois anos casada com o seu actual marido. Disse-me, também, que vive na casa que ele construiu, com a sua mãe e a filha do seu primeiro casamento, e que ele está emigrado na Bélgica.
-Sim!
-E que o seu primeiro marido, que também é emigrante, arranjou por lá uma brasileira e fugiu-lhe!
-Sim!
-E a Sra., arranjou este, depois de ele ter deixado a esposa, por ela lhe ser infiel!
-Sim! A irmã dele seguiu-a, e tirou-lhe umas fotografias à saída de um apartamento na aldeia vizinha, toda dengosa, com um fulano que era de lá perto.
-E ela depois casou com esse?
-Não chegaram a casar, porque ele morreu no mar no Inverno passado! … Ela é que ficou mal! Eu fiquei-lhe com o marido e com a casa, e ela ficou de mãos a abanar!
-Não foi mau negócio, concordo! E não havia filhos desse casamento?
-Há uma filha, que vive com ela. Mas a rapariga passa o tempo no Café de uma tia! Vai sair à mãe!
-E o pai? Não interfere?
-Que é que ele pode fazer? Vem cá um fim-de-semana de longe a longe e nas férias. O que é que ele pode fazer?
...
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
QUERO AS MINHAS BOTAS!
- "Vai à sede do PC que eles estão a dar um par de botas a quem se inscrever!".
Era assim a anedota, mas podia ser de outro modo, já que me lembro de me terem dito que, pelos anos 50, em certas zonas do Alentejo, o padre dava o fato ao noivo quando havia casamento “pela igreja”.
A história prosseguia. O pobre entrava, inscrevia-se, e pedia o par de botas. Nessa altura era convidado a dirigir-se a uma outra secção, onde estas lhe seriam dadas, mas quando lá chegava punham-lhe sempre uma questão, do tipo: Quer botas pretas ou castanhas? E se escolhesse castanhas, era orientado para outro guichet, “porque aqui é para as pretas”, ou vice-versa.
Depois, nesses outros balcões perguntavam-lhe sucessivamente se as queria de cano alto ou baixo, com tacão ou sem tacão, com cordões ou sem cordões, e por aí fora, encaminhando-o sempre até à última porta que se abria para a rua.
Depois o amigo perguntava-lhe: Então inscreveste-te? E as botas? E ele respondia ainda atordoado: As botas, não as trouxe! Mas eles têm cá uma organização!
No sábado aconteceu-me o mesmo. De repente fiquei sem Net, TV e Telefone fixo.
Ligo para a MEO e passo de atendedor em atendedor até chegar a quem me iria resolver o problema. Trinta minutos depois de um infindável "ligue e desligue", conclui-se que a avaria é dentro de casa e que terá de lá ir alguém. Dizem que o caso é prioritário, e que será atendido no próprio dia, ou o mais tardar no dia seguinte. Fico tão feliz como o outro com a perspectiva das botas.
Domingo repito os telefonemas, e, sempre delicadamente, pedem-me para aguardar enquanto me dão a primavera do Vivaldi, para depois de longos minutos ao telemóvel, lá vir a voz suave de um Bruno, de uma Carla, ou de uma Patrícia, dizer : “Obrigado por aguardar! A sua reclamação vai ser enviada para o apoio técnico. Posso ajudar em mais alguma coisa?"
Depois o amigo perguntava-lhe: Então inscreveste-te? E as botas? E ele respondia ainda atordoado: As botas, não as trouxe! Mas eles têm cá uma organização!
No sábado aconteceu-me o mesmo. De repente fiquei sem Net, TV e Telefone fixo.
Ligo para a MEO e passo de atendedor em atendedor até chegar a quem me iria resolver o problema. Trinta minutos depois de um infindável "ligue e desligue", conclui-se que a avaria é dentro de casa e que terá de lá ir alguém. Dizem que o caso é prioritário, e que será atendido no próprio dia, ou o mais tardar no dia seguinte. Fico tão feliz como o outro com a perspectiva das botas.
Domingo repito os telefonemas, e, sempre delicadamente, pedem-me para aguardar enquanto me dão a primavera do Vivaldi, para depois de longos minutos ao telemóvel, lá vir a voz suave de um Bruno, de uma Carla, ou de uma Patrícia, dizer : “Obrigado por aguardar! A sua reclamação vai ser enviada para o apoio técnico. Posso ajudar em mais alguma coisa?"
E eu a ferver: QUERO AS MINHAS BOTAS!
domingo, 14 de novembro de 2010
Passagem de turno
- … e a que está na maca A, no corredor, é para ser observada amanhã por Psiquiatria e pela Assistente Social. Foi o filho que a trouxe, desesperado. Disse que tinha de ir para Lisboa, porque tem lá o emprego, e que já fez impossíveis para a ajudar, mas agora … desistiu. Nos dois últimos anos, não há registos de consultas de psiquiatria, mas antes, esteve por duas vezes internada por alcoolismo.
Tem uma história de degradação progressiva. O marido já não quer saber dela, e está a tratar do divórcio. Fuma quatro maços de cigarros por dia, e está viciada em ansiolíticos que compra na farmácia sem receita médica. Hoje tomou uma mão cheia, e ficou como bêbada. Parece que têm conseguido impedir-lhe o acesso ao vinho.
Disse que passou cheques e vendeu o ouro da família para alimentar os vícios, e que há dívidas que não sabem como pagar. Quando consegue sair de casa, anda pela vila a pedir dinheiro ou tabaco, para vergonha do filho, que já nem ter coragem para ir ao café ter com os amigos.
Parece um bicho. Vê que não fuja. A meio da tarde estava no átrio da Urgência com o casaco por cima do pijama a fumar. As análises de rotina estão bem!
Todos os dias, entram no Serviço de Urgência, situações avançadas de toxicodependência, seja ela alcoólica, medicamentosa ou por drogas ilícitas, de gente que lentamente se degradou. Frequentemente não se identifica qualquer “trabalho de rua” das instituições de solidariedade social.
- No outro dia questionei um psiquiatra sobre este problema, e ele perguntou-me, meio zangado, se eu curava o cancro, e eu … calei-me!
- Olha lá, quando eras miúdo, como é que se tratavam os bêbados da tua aldeia?
- Do que me lembro, os rapazes atiravam-lhes pedras, e as mulheres iam-nos buscar às tabernas!
- Então … evoluímos!
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
O Sr. Vinho
-“Dona Fátima, a Sra. conhece-a?
-“Dr.! Eu só a identifiquei, porque ela veio ter comigo, porque senão eu não a reconhecia. Trabalhámos as duas num restaurante junto ao rio, faz para aí uns vinte anos. Ela era uma rapariga muito bonita e trabalhadeira. Arranjava-se bem e tinha uma conversa delicada. É de uma família de gente honrada. Foi ele que a levou para o vinho. Ele era serralheiro, mas já tinha problemas com o álcool quando se conheceram. Nenhuma das famílias concordou com o casamento. Sei que estiveram muito tempo em Espanha, e que agora vivem num quarto pago pela Segurança Social, mas, como lhe disse, nunca pensei vê-la assim com aquela barriga de água e sem dentes. Eles são da minha idade. Devem andar pelos quarenta anos. Dizem que o filho está preso em Espanha!”
-“Obrigado!”
…
-“Dona Helena! A Sra. disse-me que o seu marido continua a beber! Do que é que vocês vivem?”
-“As minhas irmãs ajudam-me! A que está na Alemanha, de vez em quando, manda-me cinquenta ou cem Euros, e as que estão cá também me ajudam. Olhe!, foi uma delas que me trouxe ao Hospital! … O GAF arranjou-nos o quarto e dá-nos roupa e a comida de todos os dias.”
-“E o dinheiro para o vinho, de onde vem?”
-“O meu marido anda por aí a pedir. Umas vezes vai para a igreja, outras passa pelo estabelecimento do irmão, e esse dinheiro é para tabaco e para o vinho!”
-“Mas o vinho é caro!” contraponho.
-“Não Sr. Dr.! No Froiz, um pacote de rosé, que é do que ele bebe, custa 59 cêntimos!”, e depois, já a preparar-se para ir embora: -“Ainda ontem ao fim do dia, eu pedi-lhe para ir pôr o lixo cá fora, e ele estava tão toldado, que fui eu que tive de descer!”
-“Ele está lá fora à sua espera. Importa-se de o chamar!?”
…
-“Sr. é o marido da dona Helena?”
-“Sim!”
-“E você não vê o estado em que ela está por causa do vinho!?. Você quer ficar assim com uma barriga como a dela, a ter que vir ao Hospital tirar líquido, cada quinze dias? Você devia estar a cuidar dela, para ver se a aguenta por aqui um par de anos!”.
-“Mas ela agora não bebe! Eu até já deixei o pacote do vinho em cima da mesa, de propósito, e ela não lhe tocou!”.
-“Mas você, a continuar assim, qualquer dia, está pior que ela! Ainda ontem foi ela que teve de levar o lixo para a rua, que você depois do jantar, nem se mexia!”
-“Como é que sabe?”
-“Foi ela que o disse! Está a ver! Você devia ajudar em coisas como essa, para manter a casa limpa e arrumada!”
-“Mas isso é trabalho da empregada!”
-“Da empregada? Você tem uma empregada?”
-“Não é bem isso! É a senhora que vai lá limpar! …Não é só a mim! … Vai também aos quartos dos outros! … Mas eu ajudo! … Ainda ontem varri as folhas do pátio!”
-“Pense bem! Qualquer dia a Segurança Social não vai conseguir apoiá-lo da mesma maneira que o faz agora, e vocês vão ter dificuldades. Olhe que não faz sentido receber esse apoio e continuar a beber, mesmo comprando o vinho ao preço da água."
-“Dr.! Eu só a identifiquei, porque ela veio ter comigo, porque senão eu não a reconhecia. Trabalhámos as duas num restaurante junto ao rio, faz para aí uns vinte anos. Ela era uma rapariga muito bonita e trabalhadeira. Arranjava-se bem e tinha uma conversa delicada. É de uma família de gente honrada. Foi ele que a levou para o vinho. Ele era serralheiro, mas já tinha problemas com o álcool quando se conheceram. Nenhuma das famílias concordou com o casamento. Sei que estiveram muito tempo em Espanha, e que agora vivem num quarto pago pela Segurança Social, mas, como lhe disse, nunca pensei vê-la assim com aquela barriga de água e sem dentes. Eles são da minha idade. Devem andar pelos quarenta anos. Dizem que o filho está preso em Espanha!”
-“Obrigado!”
…
-“Dona Helena! A Sra. disse-me que o seu marido continua a beber! Do que é que vocês vivem?”
-“As minhas irmãs ajudam-me! A que está na Alemanha, de vez em quando, manda-me cinquenta ou cem Euros, e as que estão cá também me ajudam. Olhe!, foi uma delas que me trouxe ao Hospital! … O GAF arranjou-nos o quarto e dá-nos roupa e a comida de todos os dias.”
-“E o dinheiro para o vinho, de onde vem?”
-“O meu marido anda por aí a pedir. Umas vezes vai para a igreja, outras passa pelo estabelecimento do irmão, e esse dinheiro é para tabaco e para o vinho!”
-“Mas o vinho é caro!” contraponho.
-“Não Sr. Dr.! No Froiz, um pacote de rosé, que é do que ele bebe, custa 59 cêntimos!”, e depois, já a preparar-se para ir embora: -“Ainda ontem ao fim do dia, eu pedi-lhe para ir pôr o lixo cá fora, e ele estava tão toldado, que fui eu que tive de descer!”
-“Ele está lá fora à sua espera. Importa-se de o chamar!?”
…
-“Sr. é o marido da dona Helena?”
-“Sim!”
-“E você não vê o estado em que ela está por causa do vinho!?. Você quer ficar assim com uma barriga como a dela, a ter que vir ao Hospital tirar líquido, cada quinze dias? Você devia estar a cuidar dela, para ver se a aguenta por aqui um par de anos!”.
-“Mas ela agora não bebe! Eu até já deixei o pacote do vinho em cima da mesa, de propósito, e ela não lhe tocou!”.
-“Mas você, a continuar assim, qualquer dia, está pior que ela! Ainda ontem foi ela que teve de levar o lixo para a rua, que você depois do jantar, nem se mexia!”
-“Como é que sabe?”
-“Foi ela que o disse! Está a ver! Você devia ajudar em coisas como essa, para manter a casa limpa e arrumada!”
-“Mas isso é trabalho da empregada!”
-“Da empregada? Você tem uma empregada?”
-“Não é bem isso! É a senhora que vai lá limpar! …Não é só a mim! … Vai também aos quartos dos outros! … Mas eu ajudo! … Ainda ontem varri as folhas do pátio!”
-“Pense bem! Qualquer dia a Segurança Social não vai conseguir apoiá-lo da mesma maneira que o faz agora, e vocês vão ter dificuldades. Olhe que não faz sentido receber esse apoio e continuar a beber, mesmo comprando o vinho ao preço da água."
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Florbela Espanca
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Põe-te fino
De repente sinto o peso dos “psicólogos” no país. Psicólogos de facto, que as Universidades lançaram em revoadas nas últimas décadas, e que frequentemente não são mais que “uma solução à procura de um problema”, e de gente que procura esse espaço para “vender a sua bondade”.
E na sequência deste pensamento, vem-me à memória o Padre Matos.
No meu primeiro ano de Liceu, actual quinto de escolaridade, fui colocado numa turma de rapazes mais velhos, muitos deles repetentes, que constantemente perturbavam a aula e criavam ao mais novos um ambiente favorável à asneira.
No segundo ano, o meu pai mudou-me de escola, onde me confrontei com o padre Matos, professor de Português e Francês.
Eu ainda não tinha assimilado a “obrigatoriedade de aprender”. Entendia a Escola como um sítio onde se “ia”, e onde, de vez em quando, havia “pontos” para que era preciso estudar. O trabalho do dia-a-dia não me estava no programa.
Creio que se fosse agora, integraria o grupo a que os psicólogos chamam com “défice de atenção”.
Mas o padre Matos tinha a solução. À terceira ou quarta aula já me tinha identificado, e nas aulas seguintes o meu trabalho de casa passou a ser sistematicamente revisto e perguntado, com recurso a régua de cinco olhinhos, que não só doía, como humilhava, e nem um mês passado, eu já cantava os verbos intransitivos que se conjugam com o verbo “être” e as palavras que faziam os plurais de modo diferente do que seria lógico.
-Ouve aí, oh nº 9. Põe-te fino!
E eu, … pus-me. … Sem psicólogo!
E na sequência deste pensamento, vem-me à memória o Padre Matos.
No meu primeiro ano de Liceu, actual quinto de escolaridade, fui colocado numa turma de rapazes mais velhos, muitos deles repetentes, que constantemente perturbavam a aula e criavam ao mais novos um ambiente favorável à asneira.
No segundo ano, o meu pai mudou-me de escola, onde me confrontei com o padre Matos, professor de Português e Francês.
Eu ainda não tinha assimilado a “obrigatoriedade de aprender”. Entendia a Escola como um sítio onde se “ia”, e onde, de vez em quando, havia “pontos” para que era preciso estudar. O trabalho do dia-a-dia não me estava no programa.
Creio que se fosse agora, integraria o grupo a que os psicólogos chamam com “défice de atenção”.
Mas o padre Matos tinha a solução. À terceira ou quarta aula já me tinha identificado, e nas aulas seguintes o meu trabalho de casa passou a ser sistematicamente revisto e perguntado, com recurso a régua de cinco olhinhos, que não só doía, como humilhava, e nem um mês passado, eu já cantava os verbos intransitivos que se conjugam com o verbo “être” e as palavras que faziam os plurais de modo diferente do que seria lógico.
-Ouve aí, oh nº 9. Põe-te fino!
E eu, … pus-me. … Sem psicólogo!
Se eu tivesse tido o azar de um "psicólogo", se calhar, iria andar de relatório em relatório, sem meter a cabeça nos livros e aprender a cantar o "aller, arriver, décéder, échoir, éclore, mourrir, naitre, partir, retrouver, sortir, tomber, venir et ses composés" e o "bijou, caillou, chou, genou, hibou, joujou et pou", e o resto das coisas a que depois me obriguei.
Agora passaram a ser usados com o mesmo critério com que se vai de automóvel ao café.
Perdeu-se a noção do equilíbrio, e, mesmo quando (lá de fora) nos dizem “põe-te fino”, só iremos ouvir quando “a menina dos cinco olhinhos” nos acertar em cheio.
Talvez aí caiamos na real, e mandemos às malvas a psicologia barata.
Agora passaram a ser usados com o mesmo critério com que se vai de automóvel ao café.
Perdeu-se a noção do equilíbrio, e, mesmo quando (lá de fora) nos dizem “põe-te fino”, só iremos ouvir quando “a menina dos cinco olhinhos” nos acertar em cheio.
Talvez aí caiamos na real, e mandemos às malvas a psicologia barata.
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
A madeira
-“Dona Catarina, então qual foi o medicamento que o seu médico de família lhe receitou para a hipertensão?”, pergunto, quase no final da consulta.
- “Não sei o nome. Mas a bula está na minha carteira!”, e aponta-a ao marido que a acompanha, enquanto lhe pede: “Oh Carlos, procura aí nessa bolsa do lado, que deve estar por aí!”
O Sr. Carlos tem setenta e cinco anos, cansados de muita vida e dos muitos anos naquele matrimónio, em que progressivamente deixou de achar graça à loucura da companheira. Aceita-a como um destino. Têm-se um ao outro. Não tiveram filhos, e voltaram a Portugal, depois de uma vida inteira de emigração.
Ele mete a mão na saca e tateia demoradamente o interior, espreitando sempre que os dedos tocam qualquer coisa que lhe pareçam papel. Ela impacienta-se. Estica-se na cadeira de rodas, para lha tirar da mão, dizendo: -“Eu vejo mais sem os óculos, que tu com eles postos!”, e depois virada para mim: -“Dr!, quando eu não encontro o que quero, viro a saca do avesso, e ponho tudo fora!”, e desata a tirar da carteira os mais variados objectos, explicando sempre que um mais esquisito lhe salta à mão.
-“Esta linha, é para o caso de eu ter de atar um saco de plástico!”, e sacode-a, para cima da secretária. –“Este bocadinho de madeira, é para o caso de se dizer qualquer coisa que nos possa prejudicar, bater com os nós dos dedos três vezes, depois de dizer: Cruz, Credo, Pé de Pato, Mangalô! Três vezes!”, e olha para mim para justificar, e completa: -“Sabe, nem sempre a gente está num sítio em que tem madeira para bater!”
-“Oh dona Catarina, não acredito que a senhora ande com esse bocadinho de madeira para esse fim!”, pergunto incrédulo, enquanto o marido deita a mão à testa e olha para o lado embaraçado.
-“É Dr! E tem de bater três vezes. Se bater quatro, tem de bater mais duas, para fazer seis, senão não resulta! O Dr. quer? Eu tenho outro lá em casa!”
-“E a Sra. não tem medo de ficar sem ele?”
-“Não! Eu vou já para casa. Moro perto!”
-“Obrigado!”
Ao sexto objecto encontrou a bula.
- “Não sei o nome. Mas a bula está na minha carteira!”, e aponta-a ao marido que a acompanha, enquanto lhe pede: “Oh Carlos, procura aí nessa bolsa do lado, que deve estar por aí!”
O Sr. Carlos tem setenta e cinco anos, cansados de muita vida e dos muitos anos naquele matrimónio, em que progressivamente deixou de achar graça à loucura da companheira. Aceita-a como um destino. Têm-se um ao outro. Não tiveram filhos, e voltaram a Portugal, depois de uma vida inteira de emigração.
Ele mete a mão na saca e tateia demoradamente o interior, espreitando sempre que os dedos tocam qualquer coisa que lhe pareçam papel. Ela impacienta-se. Estica-se na cadeira de rodas, para lha tirar da mão, dizendo: -“Eu vejo mais sem os óculos, que tu com eles postos!”, e depois virada para mim: -“Dr!, quando eu não encontro o que quero, viro a saca do avesso, e ponho tudo fora!”, e desata a tirar da carteira os mais variados objectos, explicando sempre que um mais esquisito lhe salta à mão.
-“Esta linha, é para o caso de eu ter de atar um saco de plástico!”, e sacode-a, para cima da secretária. –“Este bocadinho de madeira, é para o caso de se dizer qualquer coisa que nos possa prejudicar, bater com os nós dos dedos três vezes, depois de dizer: Cruz, Credo, Pé de Pato, Mangalô! Três vezes!”, e olha para mim para justificar, e completa: -“Sabe, nem sempre a gente está num sítio em que tem madeira para bater!”
-“Oh dona Catarina, não acredito que a senhora ande com esse bocadinho de madeira para esse fim!”, pergunto incrédulo, enquanto o marido deita a mão à testa e olha para o lado embaraçado.
-“É Dr! E tem de bater três vezes. Se bater quatro, tem de bater mais duas, para fazer seis, senão não resulta! O Dr. quer? Eu tenho outro lá em casa!”
-“E a Sra. não tem medo de ficar sem ele?”
-“Não! Eu vou já para casa. Moro perto!”
-“Obrigado!”
Ao sexto objecto encontrou a bula.
domingo, 7 de novembro de 2010
Vêem aí os Chineses
sábado, 6 de novembro de 2010
Parcerias Público-Privadas
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Más vidas
-“Mas que tenho eu a ver com essa doente?", pergunto à enfermeira que me põe aquele processo debaixo do nariz.
-“A esta hora já não há Neurologia, e a doente está sem médico e sem folha de terapêutica!”, responde-me, enquanto parte para outra solicitação no meio daquele corredor atafulhado de doentes e familiares.
Abro o processo para ler a informação disponível. Trazida pelo INEM em coma. Encontrada caída no domicílio. Sinais vitais bem. Mais à frente, ... más condições de higiene, ... alcoolismo, e nas análises - Alcoolemia 5.0 g/l (dez vezes superior ao máximo legal para conduzir, ... mas ela não deve andar pelo asfalto). Está cá desde a manhã, numa maca do corredor, com soro. Já deve ter dormido que chegasse. Vou vê-la.
Ainda dorme. A perna direita assoma-lhe por baixo do lençol, suja e com crostas em vias de cicatrização. Na outra ponta da maca o enovelado dos cabelos tapa-lhe o rosto.
- “Dona Glória!” acordo-a. –“Está bem?”
Roda lentamente a face na minha direcção. Tem quarenta anos, mas aparenta mais. Falta-lhe metade dos dentes da frente. Com os olhos semicerrados questiona-me: -“Que foi?”
- “Não foi nada! É só para saber se está bem!”
-“Estou!” Vira-se, senta-se na maca, esfrega os olhos e olha para um lado e para o outro para se assegurar onde está. Depois fixa o dorso da mão esquerda e estranha a agulha por onde o soro corre. Tenta tirá-lo. Impeço-lho.
- "Dona Glória! A senhora já está melhor? Quer ir para casa dormir o resto da noite? É que vamos precisar dessa maca para outros doentes! Está bem? Como é que a senhora vai para casa?"
Demora um pouco a perceber com quem fala e onde está, volta a olhar em redor, passa a mão livre pelo cabelo, e como que conformada, responde:
-"Vou a pé!. Eu moro perto!", e faz um movimento para descer da maca, sem cuidar de que ela tem rodas. Seguro-a.
-" Tenha calma, que a senhora não pode ir assim! Tem alguém da sua família que a venha buscar? É que o telefone fixo do contacto que temos, não atende!”, pergunto enquanto a contenho. Olha de novo para mim, levanta as sobrancelhas a custo, e soletra o número de um telefone móvel.
–"Deixe-se ficar a dormir mais um bocadinho, que eu vou ver se alguém a vem buscar!"
Deita-se, mas, logo de seguida, levanta-se para dizer: -"Quero ir mijar!"
…
-"Está aqui o companheiro da sra. Glória. Mando-o entrar?"
É um homem pequeno, magro, sujo e que cheira a álcool repassado. Veste uma jaqueta verde desbotada, e umas calças de bombazina que já foram vermelhas. O último banho deve ter mais de quinze dias. Hesito na sua competência, mas mesmo assim questiono-o:
-"O Sr. sabe porque é que a Sra. Glória foi trazida ao Serviço de Urgência?"
-"Sentiu mal em casa, e ... desmaiou no quarto de banho!"
-"Mas você deve saber que isso foi por causa do vinho!"
Levanta o olhar, como que a estranhar, e com um simulacro de convicção, afirma: -"Não sabia!, Mas é bom ficar a saber, ... para ela não beber mais!". Depois, como que cansado deste esforço, abre as pernas para se equilibrar e dá uma coçadela nas virilhas por dentro dos bolsos.
-“A esta hora já não há Neurologia, e a doente está sem médico e sem folha de terapêutica!”, responde-me, enquanto parte para outra solicitação no meio daquele corredor atafulhado de doentes e familiares.
Abro o processo para ler a informação disponível. Trazida pelo INEM em coma. Encontrada caída no domicílio. Sinais vitais bem. Mais à frente, ... más condições de higiene, ... alcoolismo, e nas análises - Alcoolemia 5.0 g/l (dez vezes superior ao máximo legal para conduzir, ... mas ela não deve andar pelo asfalto). Está cá desde a manhã, numa maca do corredor, com soro. Já deve ter dormido que chegasse. Vou vê-la.
Ainda dorme. A perna direita assoma-lhe por baixo do lençol, suja e com crostas em vias de cicatrização. Na outra ponta da maca o enovelado dos cabelos tapa-lhe o rosto.
- “Dona Glória!” acordo-a. –“Está bem?”
Roda lentamente a face na minha direcção. Tem quarenta anos, mas aparenta mais. Falta-lhe metade dos dentes da frente. Com os olhos semicerrados questiona-me: -“Que foi?”
- “Não foi nada! É só para saber se está bem!”
-“Estou!” Vira-se, senta-se na maca, esfrega os olhos e olha para um lado e para o outro para se assegurar onde está. Depois fixa o dorso da mão esquerda e estranha a agulha por onde o soro corre. Tenta tirá-lo. Impeço-lho.
- "Dona Glória! A senhora já está melhor? Quer ir para casa dormir o resto da noite? É que vamos precisar dessa maca para outros doentes! Está bem? Como é que a senhora vai para casa?"
Demora um pouco a perceber com quem fala e onde está, volta a olhar em redor, passa a mão livre pelo cabelo, e como que conformada, responde:
-"Vou a pé!. Eu moro perto!", e faz um movimento para descer da maca, sem cuidar de que ela tem rodas. Seguro-a.
-" Tenha calma, que a senhora não pode ir assim! Tem alguém da sua família que a venha buscar? É que o telefone fixo do contacto que temos, não atende!”, pergunto enquanto a contenho. Olha de novo para mim, levanta as sobrancelhas a custo, e soletra o número de um telefone móvel.
–"Deixe-se ficar a dormir mais um bocadinho, que eu vou ver se alguém a vem buscar!"
Deita-se, mas, logo de seguida, levanta-se para dizer: -"Quero ir mijar!"
…
-"Está aqui o companheiro da sra. Glória. Mando-o entrar?"
É um homem pequeno, magro, sujo e que cheira a álcool repassado. Veste uma jaqueta verde desbotada, e umas calças de bombazina que já foram vermelhas. O último banho deve ter mais de quinze dias. Hesito na sua competência, mas mesmo assim questiono-o:
-"O Sr. sabe porque é que a Sra. Glória foi trazida ao Serviço de Urgência?"
-"Sentiu mal em casa, e ... desmaiou no quarto de banho!"
-"Mas você deve saber que isso foi por causa do vinho!"
Levanta o olhar, como que a estranhar, e com um simulacro de convicção, afirma: -"Não sabia!, Mas é bom ficar a saber, ... para ela não beber mais!". Depois, como que cansado deste esforço, abre as pernas para se equilibrar e dá uma coçadela nas virilhas por dentro dos bolsos.
Meço-o de novo. O bafo não engana. Acompanho-o até à porta, sugiro-lhe que venha no dia seguinte para falar com a assistente social, e pergunto:
-"Vocês vivem de quê?"
...
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
Portugal 2011
... Não que não percebêssemos que os partidos já quase só se faziam de gente sem real alternativa ou pinga de cívico interesse.
Tirei isto daqui - Visão Nº 921.
...
e tem sido esta gente que tem influenciado o funcionamento das nossas instituições, dando-lhes as ordens que as têm afundado, e colocado na sua gestão os seus homens de mão, que foram "limpando" quem se lhes opôs.
Será deles que se esperam soluções para as dificuldades próximas que se adivinham?
E o meu amigo H, do Viagra e Prozac escreve:
A grande questão política e social do momento é distinguir os honestos dos desonestos, as pessoas que insistem em ter princípios e honra, do bando de pêgas que sugam o esforço do trabalho dos outros. E, da mesma forma que encontramos gente boa e honesta em todos os partidos, em todos sem excepção encontramos uma vara de gente gananciosa, sempre afoita para se servir a si próprio! E depois é célebre o famoso argumento de que os outros são mais desonestos do que nós!
Estou farto de ouvir moralistas a pregar contenção na despesa pública quando têm duas e mais chorudas reformas por meia dúzia de anos de pouco trabalho, virgens pudicas a assinalar o roubo dos outros, quando estes são igualmente ladrões, ainda que roubem menos dinheiro! A grande questão é uma questão de vergonha, de decência, de princípios e valores. E estes não têm partido nem ideologia!
Estou farto de ouvir moralistas a pregar contenção na despesa pública quando têm duas e mais chorudas reformas por meia dúzia de anos de pouco trabalho, virgens pudicas a assinalar o roubo dos outros, quando estes são igualmente ladrões, ainda que roubem menos dinheiro! A grande questão é uma questão de vergonha, de decência, de princípios e valores. E estes não têm partido nem ideologia!
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