Caro Adalberto:
Ando há semanas às voltas com esta carta de despedida, mas metem-se sempre umas coisas menores pela frente e obrigo-te a esperar.
Fui apoiante das tuas boas intenções,
mas penalizo-te por não teres analisado devidamente os lobbies da saúde e por
não teres estabelecido regras ab inicio que promovessem eficiência.
Em meu entender devias ter suspenso alguns programas informáticos
até que o sistema garantisse fluidez. O actual sistema de
registos dos diários de enfermagem é de difícil consulta médica. Está desenhado para responder a necessidades criminais e não às assistências. Um texto
com três linhas, mais uma tabela de sinais vitais, é o suficiente para a
maioria dos doentes. Obrigar os enfermeiros a preencher quadros em diferentes
páginas, que não são lidos pelos médicos, não é proveitoso. Um registo em papel era
mais rápido e funcionante. Também devias rever algumas das suas funções
indiferenciadas, como o são a maior parte das higienes a que se obrigam,
transferindo-as para auxiliares de acção médica. O que poupavas em informática
e em mão de obra, podias usá-lo para lhes aumentar o vencimento.
Claro que aí tinhas comprado outras guerras.
Quanto aos médicos, os registos dos diários nas enfermarias
deviam ter continuado em papel e só os Relatórios finais (como as Notas de Alta)
deveriam ser informatizados.
Não é possível trabalhar com computadores, quando eles são
lentos, vão abaixo frequentemente e são em número insuficiente para os
profissionais. São horas de trabalho médico desperdiçado. Esperavas até se poder
garantir um PC ou Tablet a cada médico, revias os programas informáticos, e
então a coisa podia ser rentável. Deixaste que os SPMS andassem com o carro à
frente dos bois sem qualquer auditoria, e o tempo que se gasta em registos onera significativamente o sistema.
Mas, acima de tudo, havia de responsabilizar as direcções
pelos gastos e pela produção. Responsabilizar e dar poder. Pedir resultados e
dar condições para corrigir o que estivesse errado. O dinheiro que poupavas em
MCDT, na iatrogenia e no Controle Biométrico dava-te uma folga, que até podias
começar a pagar a formação do pessoal de saúde nos mais altos standards.
Claro que terias de ter força para te opores ao negócio da
saúde. Mas não eram só os "privados que fornecem serviços ao Estado" e a Indústria Farmacêutica
que tinhas de "frenar". Tinhas de negociar com os lobbies dos médicos e dos
enfermeiros para que a sua progressiva diferenciação fosse acompanhada do abandono
de funções menos diferenciadas em favor de outros grupos profissionais. Devias também ter posto em sentido aquela gente que, em Lisboa, decide, compra e implementa sistemas
informáticos que, frequentemente não melhoram em nada a assistência e que dificultam a análise de quem se preocupa com a
qualidade e quantidade do que se faz e não com quem chega tarde ou sai cedo.
Quem vem a seguir ti, se não se dispuser a “puxar pelos galões”, vai manter as responsabilidades difusas, sem que se corrijam as ineficiências e os custos
crescentes da saúde.
Eu, por agora, estou noutra, mas custa-me saber que uma
parte significativa dos meus impostos está a servir para cobrir ineficiências, substituindo uma palavra acertada (que pode ser tudo o necessário para tratar adequadamente um doente) por uma lista interminável de
remédios e de intervenções para esconder a incompetência, a falta de
esperança ou a sustentabilidade dos "privados".
Espero que tenhas agora algum descanso, pois considero que depois de teres sido o "saco de boxe" onde todos foram dar o seu murro para mostrar que também "são", te dá o direito a um bom ano sabático antes de reapareceres de novo.
Fica bem! Bom fim-de-semana e não te esqueças do guarda-chuva!
Abraço.
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