quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Os Judeus e o Sucesso

 


Abraão, do casamento que teve com Sarah, teve 1 filho – Isaac.

Isaac casou com Rebecca e tiveram 2 filhos Jacob e Esaú.

Jacob casou com duas irmãs - Lia e Raquel e teve 12 filhos. 6 de Lia, 2 de Raquel, 2 de Bila e 2 de Zilpa que eram escravas das duas irmãs e que elas entregaram a Jacob para que ele as fecundasse, uma vez que a coisa não estava a funcionar muito bem para o lado delas – (pelo menos é o que diz o Velho Testamento, porque, cá para mim, o Jacob, à boa maneira da época e da região, confundia os quartos onde as mulheres o esperavam). Lia também teve uma filha mas, por razões de género, não teve direito a história.

Raquel só teve os filhos depois de todas as outras. José era o mais velho e Benjamin, o mais novo.

Raquel foi sempre a esposa preferida e essa “inclinação”, apesar de ela ter engravidado tardiamente, extravasou para os seus filhos com ela e José começou a ser fruto de inveja pelos meio-irmãos mais velhos, a ponto de o quererem matar, mas o acaso levou-os a vendê-lo como escravo a uma caravana que passava por perto. O rapazito foi levado para o Egipto e, como era esperto e bonito e foi comprado por um dos ministros do Faraó, de nome Potiphar. Não podia ter melhor sorte e, ainda por cima a esposa do dito, engraçou com o moço e deu-lhe educação e a influência dele foi crescendo naquela casa, ao ponto de lhe pedirem conselhos sobre coisas de governação. José era um tipo fino e as suas soluções mostraram-se úteis, pelo que foi subindo na hierarquia do reino a ponto de chegar a Vice-rei.

Passaram vinte anos e, à boa maneira do emigrante de sucesso, quando os irmãos foram comprar trigo ao Egipto, ele fez-se de “anónimo” para saber do seu irmão Benjamin, que também era preferido do pai, a julgar pelo nome que significa “filho da mão direita”. Ao saber que ele estava bem e que não tinha sofrido maus tratos, José denunciou-se, fez as pazes com eles e convidou toda a família para deixar as terras áridas da Palestina e ir viver para o delta do Nilo, no Egipto, onde lhes deu muitas terras. A casa de Jacob (Deus mudou-lhe o nome para Israel), enriqueceu imenso nos 17 anos seguintes e tornou-se uma comunidade rica e influente por muitas gerações, mantendo sempre as suas práticas religiosas e sociais dentro de um círculo fechado,  obedecendo mais aos seus chefes que às leis egípcias, coisa que os deve ter sinalizado como “perigosos”.

Viveram no Egipto 430 anos, mas só nos últimos 70 é se que sentiram “escravizados”, (isto é, devem ter perdido privilégios) e começaram a pensar em voltar para a Palestina pois, se fossem todos, não sentiriam a falta de ninguém, uma vez que viviam arredados dos egípcios e estes lhe estavam a infernizar a vida.

Moisés, que tinha tido educação egípcia, andava fugido a uma pena de morte por ter morto um feitor. Como tal interessava-lhe uma fuga colectiva para sair dali. Os judeus não eram trabalhadores indiferenciados, muito provavelmente, ocupavam cargos relevantes não só na administração pública como também na sociedade civil, pelo que o Faraó quando tomou conhecimento do “Êxodo”, tentou impedi-lo, mas os seus exércitos seguiram pistas falsas, e os “israelitas” passaram por onde agora é o canal do Suez e, à época, era um deserto igual ao de toda a zona. Quem fugia tinha posses, pelo que não houve especial dificuldade em comprar o “maná”. O problema maior foi capitanear aquela turba (uns milhares ?) nas provações do deserto e Moisés retira-se para escrever, em letras gordas, uma súmula de leis, para serem cumpridas durante o resto da viagem e não só.

Chegados à Terra Prometida – Canaã, encontraram-na povoada pelos cananeus e filisteus e deram início a um conflito que ainda hoje persiste. Estávamos então no século XIII (AEC) Antes da Era Comum.

 Esta introdução é a minha interpretação dos factos relatados no Velho Testamento e tem por base uma minha inquietação para tentar perceber porque é que, há mais de 3.000 anos. os judeus são perseguidos, onde quer que se tenham estabelecido com algum significado. Egipto, Babilónia, Rússia e outros países de Leste, Alemanha e qualquer dia dos EUA.

 

O livro: “The Chosen Few: How Education Shaped Jewish History, 70-1492.” de Maristella Botticini and Zvi Eckstein, esclareceu-me sobre a questão: O que está por detrás das perseguições?

Resposta: É o seu notável sucesso económico a par da sua não integração nas sociedades que os acolhem.

 

 Embora o livro refira que foi a partir do ano 70 que tudo se tornou evidente, eu estou em crer que o processo se iniciou muito antes.

 Segundo os autores, há 2000 anos, num mundo quase totalmente analfabeto, os líderes religiosos judeus da Judeia e Galileia, exigiram que cada indivíduo judeu, criança ou adulto, do sexo masculino, rico ou pobre, agricultor ou mercador, soubesse ler para estudar a Torah. Tal facto impulsionou a educação e o conhecimento universal entre os judeus e séculos mais tarde esta regra religiosa constituiu a escada para a sua prosperidade económica e intelectual.

Se visitássemos o mundo de há 2000 anos, analisando a vida de um judeu e a de um não judeu seria difícil distingui-las pelo modo como trabalhavam, mas se o fizéssemos no período entre 1920 e 1930, como o fez o economista Simon Kuznets, veríamos um padrão completamente diferente: 91 a 99% dos judeus do mundo estavam envolvidos em ocupações urbanas especializadas, enquanto a maior parte da população do mundo (excepção dos EUA) ainda vivia da agricultura.

As crianças e adultos judeus aprenderam a ler para estudar a Torah, mas esta capacidade, permitiu-lhes ler e interpretar outros textos não religiosos o que lhes foi muito útil como artesãos e mercadores que frequentemente necessitam de escrever cartas e contratos e manter os seus livros de contas

Sabemos hoje que se alguém aprende a ler uma língua, é-lhe mais fácil aprender outras, e os judeus, para além do Hebraico, aprenderam as línguas dos diferentes locais onde se estabeleceram. A leitura de outros textos religiosos mais complexos como a Mishna e o Talmud, que consistem em extensos debates entre rabis e sábios, deu-lhes a capacidade para pensar de modo analítico e argumentativo, o que lhes foi muito útil nas actividades comerciais, empresariais e financeiras.

A literacia e a educação aceleraram a sua mobilidade na procura de novas oportunidades de negócio e a formação de uma rede de judeus vivendo em diferentes localizações, conectados através de cartas e contratos pelos diferentes associados e financiadores.

A literacia e a educação são pré-requisitos para se terem códigos legais e tribunais que forcem os contratos. Há séculos que os Judeus organizaram instituições que promovem actividades comerciais e de negócio para que esses contratos sejam cumpridos, onde quer que os judeus estivessem.

 

As lideranças judaicas impuseram a literacia por puros motivos religiosos, para garantir que todo o judeu aprenderia e obedeceria à lei judaica escrita na Torah, mas o efeito lateral dessa prática, foi equipar os judeus com ferramentas como a literacia geral, a capacidade de compreender textos, de raciocínio analítico, mobilidade, capacidade em estabelecer uma rede de influência e instituições que obrigassem ao cumprimento dos contratos, capacidades que os elevaram a ocupações muito diferenciadas como artífices, negócio, empreendimentos, finança, medicina e lei.

 

O judaísmo foi a única religião que, durante séculos, exigiu que as famílias enviassem as crianças para a escola ou para a sinagoga para aprenderem a ler desde os seis ou sete anos de idade.

 

Quando começou a expansão comercial e a urbanização em vastas áreas da Espanha à India, criou-se uma urgente necessidade de profissões onde eram fundamentais esta competências (literacia, educação, mobilidade, conexões em rede e instituições que obriguem ao cumprimento dos contratos) . Os judeus estavam acidentalmente bem equipados para essas funções e aproveitaram a oportunidade. No primeiro milénio estiveram sozinhos  nessa corrida. 


Aos Muçulmanos (Maomé - 571-632 EC) foi exigido ler o Corão, mas os peritos em leitura na história das religiões, afirmam que essa leitura visava unicamente a memorização e não necessariamente a interpretação.

 

Os Protestantes (início da Reforma Protestante – 1517) também exigiram aos seus membros a leitura e estudo da Bíblia e este facto foi determinante, segundo Ernest Gellner, para o seu enorme sucesso económico. 


Os judeus impuseram esta norma 15 séculos antes.

 

Os católicos só muito tarde entenderam a necessidade destas ferramentas. Em Portugal o analfabetismo em 1870 era de 80% nas mulheres e de 70% nos homens. Em 1970 era de 30% nas mulheres e 20% nos homens e em 2010 era de ~5% para os 2 grupos.

 

quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

A erosão dos Estados

A história do Estado-Nação nasceu depois da “Guerra dos 30 anos”, que teve o seu epicentro no território da actual Alemanha, em que católicos e protestantes se defrontaram sem misericórdia (8 milhões de mortos –  7% da população da Europa na época). Desse inferno nasceu, em 1648, a paz de Vestefália que deu origem à actual Ordem Internacional, regida por Estados. Até então a Europa era um “vale-tudo” medieval, onde quem tinha dinheiro desencadeava uma guerra, e toda a gente o fazia - reis, famílias aristocráticas, cidades e até Papas contratavam mercenários para cumprir as suas ordens, por mais mesquinhas que fossem.

A “Ordem Vestefaliana” converteu os Estados em soberanos e baniu os mercenários e aqueles que os contratavam. Os antigos centros de poder, como a Igreja, não tiverem outra opção senão inclinar-se perante os governantes dos Estados. A característica mais importante desta ordem é a de que só os Estados são soberanos e tudo o mais está-lhes subordinado. Só aos Estados é autorizado possuir forças armadas e travar guerra. Todas as outras formas de guerra foram consideradas ilegítimas. Esta “Ordem Vestefaliana” estendeu-se a todo o mundo através da colonização europeia e hoje interiorizámo-la como intemporal e universal, apesar de ter menos de 400 anos.

Mas a ordem vestefaliana está moribunda. Os Estados estão a regredir por toda a parte. O Índice dos Estados Frágeis, uma classificação anual de 178 países que avalia a fraqueza de um Estado utilizando métodos de ciências sociais, advertiu que, em 2017, 70% dos países eram frágeis, isto é " têm dificuldades em exercer soberania nos seus territórios."

Muitas pessoas pensam que os Estados falhados são a excepção na cena internacional, mas são a regra. Uns aguentam-se melhor, outros pior. Alguns falham completamente como a Somália e o Afeganistão. A erosão dos Estados encoraja o aparecimento de novos tipos de potências. O vazio de autoridade deixado pelos Estados em recuo é ocupado por insurgentes, califados, governos de grandes empresas, narco-estados, reinos de senhores da guerra, suseranos mercenários e áreas inabitáveis. Estamos a regressar ao “statuo quo” de desordem que existiu antes de 1648. O mundo não se desmoronará na anarquia, mas arderá em combustão lenta, como aconteceu durante milénios

A guerra no Médio Oriente poderia ser mais fácil de compreender se retirássemos os Estados da análise. Os verdadeiros beligerantes são os centros populacionais sunitas e xiitas que transcendem as fronteiras nacionais. Os xiitas são liderados pelos aiatolas do Irão e o seu território abrange populações xiitas em áreas do Líbano, Síria, Iraque, Iémen e Bahrein – o “Crescente Xiita. Do outro lado existe uma confederação sunita liderada pela família real saudita, que inclui estados do Golfo, Jordânia, Norte de África e Paquistão. Grupos inteiros estão envolvidos nesta guerra, ignorando as políticas governamentais. Alguns países como o Líbano e o Iraque, têm populações sunitas e xiitas de dimensões consideráveis e muitas vezes lutam umas contra outras, marginalizando os governos.

O genocídio do Ruanda, que provocou 800.000 mortes em 90 dias, não foi uma guerra entre Estados. Os beligerantes eram dois grupos étnicos, os Hutus e os Tutsis. Os países envolvidos eram apenas Estados de nome – Ruanda, Burundi, Uganda e República Democrática do Congo.

O México é um exemplo de uma guerra sem Estados. Os cartéis da droga não são bandos de rua. São superpotências regionais. O seu PIB é muito superior ao de muitos países. Quando entram em guerra, o governo mantém-se à margem, como um actor secundário. O México foi o segundo conflito mais mortífero em todo o mundo em 2016 – 23.000 mortos, atrás da Síria – 50.000 e à frente do Iraque – 17.000 e do Afeganistão – 16.000.

Sean McFate - 

E eu acrescento: As políticas de cada país não serão mais definidas por eleições, mas pelas forças internas e externas que se movimentam para condicionar os governos que forem eleitos, e pela agilidade destes em compatibilizar estes diferentes poderes que nem sempre são explícitos.



quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Frase do Dia

 

“Se não sabes para onde vais, qualquer estrada te leva até lá!” disse o gato de Cheshire a Alice.

In “Alice no País das Maravilhas” de Lewis Carroll

domingo, 11 de dezembro de 2022

Mercenários

 

Agora que acabou o Mundial, a preocupação volta-se inteiramente para a guerra na Ucrânia e o como ela nos vai continuar a afectar. Ouço as notícias e os comentadores na TV e nas Redes Sociais e fico com a impressão de estarem a “fazer a cabeça” da população para que ela aceite as repercussões no seu dia a dia, sem questionar muito os porquês, porque a guerra custa muito dinheiro e há que o ir buscar onde quer que ele esteja. É o armamento e a “logística” que são caros e é a malta que lá anda a guerrear que também fica cara.

Ora foi para tirar algumas dúvidas que comprei o livro deste senhor que é professor de Estratégia na Universidade de Defesa Nacional de Georgetown, a principal escola de guerra do Departamento de Defesa dos USA, entre outras coisas.

O livro fala de guerras passadas e conjectura como serão os novos conflitos, com base no que já hoje se está a passar no mundo. 

Chamou-me particular atenção a sua “lógica” em relação aos mercenários que, segundo ele, são a segunda profissão mais antiga do mundo, pois foram largamente usados pelos grandes “conquistadores” celebrados pela humanidade, de Roma, da Grécia, pelos Otomanos e por aí fora até à Asia. ... Até o Vaticano tem a sua Guarda Suíça.

Segundo o autor é mais barato contratar mercenários, quando se precisa de combater, do que ter um exército em permanência. 

Os mercenários começaram a perder importância há cerca de quatrocentos anos, quando os estados e os seus exércitos nacionais foram gradualmente monopolizando o mercado da força de combate, remetendo os soldados de aluguer para uma situação de ilegalidade por volta de 1850. Mas a realidade do século XXI trouxe-os de volta e em força. As guerras da Chechénia, do Iraque e do Afeganistão ressuscitou-os das cinzas, já que mais de metade do pessoal militar a lutar pelos russos e pelos EUA era composto por contratados. Na sua esteira surgiram as Empresas Militares Privadas que se transformaram em multinacionais cotadas em Bolsa, com operações que se estendem por todo o globo.

Estamos habituados a falar do poder que reside nos diferentes Estados-nação, mas esquecemo-nos de que a globalização trouxe outros poderes que lhes são mais o menos independentes como os Fundos Financeiros, as Multinacionais, os super ricos, os cartéis da droga ... entre outros.

Estas Empresas Militares Privadas, como a russa Wagner ou a americana Blackwater, para falar das mais conhecidas, podem ser contratadas por esses poderes “fácticos” para garantirem a proteção dos seus interesses em qualquer zona do globo com instabilidade política. É o que fazem as multinacionais de Seguros no transporte marítimo para atravessarem o Golfo da Guiné ou no Golfo de Áden, as petrolíferas nas explorações da Libéria e países como a Arábia Saudita, o Qatar e os Emirados Árabes Unidos, que não possuem forças militares agressivas, vêm nos mercenários uma solução muito económica, principalmente quando constituídas por veteranos das guerras da droga, oriundos da América Latina. 

Essas Empresas Militares Privadas contratam em todo o mundo e prestam serviços não só na frente de batalha, mas também na sombra, “organizando” movimentos “populares”, insurreições armadas, golpes de Estado, ou fornecendo informação. 

Desde que o contratador pague, o serviço poderá ser prestado, embora muitos mercenários recusem serviços que ponham em risco as suas “fidelidades” políticas e sociais.

O autor do livro prevê que no futuro as megaempresas e o número de países que contratarão mercenários irá aumentar e, até a ONU poderá vir a utilizar a força privada para aumentar as suas anémicas missões de paz. Em breve, toda a gente alugará exércitos privados, transformando os conflitos numa mercadoria.

Os criminosos organizados também se poderão tornar superpotências. Os oligarcas e os cartéis da droga já dependem de milícias e de bandos para a força musculada, mas poderão vir a alugar um poder de fogo com força industrial, incluindo helicópteros de ataque e regimentos militares privados, para conquistar Estados e transformá-los em fantoches.

E não se pense que o Direito Internacional, a ONU ou qualquer Estado poderoso terá vontade ou recursos para acabar com eles. O que vai mudar são as actuais práticas de guerra, tal como as conhecemos, enquadradas numa "insurreição global contra o Ocidente". 

NOTA: Há uma diferença legal entre Mercenários e Contratados. Contratados são cidadãos do país ou estrangeiros com residência no país. Mercenários são soldados sem qualquer relação com os conflitos para além do seu interesse monetário. 

sábado, 10 de dezembro de 2022

Artes de marinheiro




A navegar por águas negras, são as bóias do meu amigo Carlos Ribeiro que me vão salvando. 
Lápis de cor aguarelável, Caran d'Ache, sobre papel negro Mi-Teintes da Canson 
 

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Frase do dia

 


Nada é impossível para o homem que não tem de executar a tarefa

sábado, 26 de novembro de 2022

Aviso


Se, por acaso, alguém se cruzar com este paisano em qualquer espaço público, não se assuste! Não é nenhum perigoso sem abrigo. Sou eu a tentar um  "look" de artista plástico. Juro que tomo banho todos os dias!
O desenho está uma "porcaria", embora não seja muito diferente da realidade. A culpa é do artista que não soube escolher o papel e utilizou um papel liso, isto é: "sem dente", onde o carvão não fixa. 

segunda-feira, 21 de novembro de 2022

A minha visão sobre a guerra na Ucrânia

 


Antes de mais, quero deixar claro que pouco ou nada percebo de Geopolítica, o que não me impede de teorizar sobre o que se passa na Ucrânia, já que diariamente sou bombardeado com notícias sobre o que lá se passa, mesmo sabendo que elas são uma parte da verdade.

Quando iniciei algum entendimento político do Mundo em que vivia, havia duas Superpotências: os EUA e a URSS. Falava-se da China aquando dos milhares de vítimas das cheias do rio Amarelo e do Mao Tsé Tung, da India vinham histórias de conflitos religiosos e de uma ou outra catástrofe e não se falava da Europa, mas sim dos países que a formam. Os russos eram os “papões” e os “amaricanos” os salvadores do mundo.

Os tempos foram mudando e a China começou a aparecer, primeiro como grande fábrica do mundo e posteriormente como potência económica e militar e os países da Europa que durante séculos se digladiaram, começaram a perceber que só unidos podiam ter voz no panorama mundial e esboçaram esse entendimento no Euro e na União Europeia.

Ora o fortalecimento dessa União Europeia, não agradou militarmente à Rússia nem à bolsa dos conservadores americanos temerosos que uma nova força económica viesse pôr em causa negócios onde, desde a II Guerra Mundial, são hegemónicos, pelo que, por motivos diferentes, a Rússia de Putin e os EUA de Trump, se conjugaram para que o Brexit se efectivasse.

Recentemente, quer a China quer a Rússia, começaram a falar numa “Nova Ordem Internacional” que basicamente visa a influência militar dos EUA que está por detrás da sua preponderância económica em vastas áreas do globo.

Ora os países da ex-URSS são território importante para que a União Europeia tenha “dimensão de potência” e possa concorrer nas várias frentes da tal “Nova Ordem”, em "igualdade" com os EUA, China, Rússia e Índia, e a Rússia, para se afirmar como potência global, necessita dos portos de águas quentes que estão no Mar Negro, já que é a via marítima a mais barata para o transporte de bens entre continentes. 

Os EUA apoiam a UE para que a Rússia não volte a ter a força que já teve e tornar improvável que um eventual bloco China / Rússia  possa englobar uma UE demasiado fraca.  

O resto é conversa.

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

À espera do comboio



Lápis de cor aguarelável - Caran d'Ache, em papel Tiziano, cor Brina

 

segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Carta aberta a Cristiano Ronaldo

 



Caro Ronaldo

Espero que esta carta te vá encontrar de boa saúde, que nós andamos, como sempre, à espera de melhores dias.

Cá pela terra vamos sabendo quase diariamente notícias tuas, ou não fosses tu uma referência deste bocado de terra à beira mar plantado. Eu, em particular, tenho tido tempo livre para te ver jogar em directo, na esperança de te ver voltar a ser quem eras dantes mas, desculpa dizer-to tão frontalmente, nem de longe nem de perto o fazes. Por jogo, tens um ou dois gestos que considero “razoáveis”, mas ficas-te por aí, pese embora as tuas manifestações contra a “má sorte”.

Agora voltas à ribalta por más razões, a fazer-me lembrar o Putin, convencido de teres força suficiente para ganhares uma guerra contra Erik ten Hag, o teu actual treinador. O Putin olhou do mesmo modo para o Zelensky, esquecendo-se do que está por detrás. No caso dele o povo Ucraniano e quase todo o “Ocidente”, no teu caso o Manchester United, a Inglaterra e não só.

Podias ter telefonado que eu dizia-te para estar quieto e aceitares que já estás abaixo da média e que o melhor era arranjares a desculpa de uma lesão qualquer para arrumar as botas. Não te esqueças que no Futebol reina a máxima do “You are as good as your last performance”, e essa de vires para o Mundial à espera que Deus te ajude a marcar golos para reverter toda essa trapalhada em que te meteste, não me parece boa ideia.

O que fizeste compromete-te definitivamente. Os grandes clubes nunca mais te irão contratar e as TVs desportivas nem para comentador te vão convidar. Na melhor das hipóteses voltas para o Sporting, como um filho pródigo e esqueces o futebol internacional.

Portugal deve-te muito, mas isso não te dá direito a “bitaites” fora da caixa. O país fez de ti um "modelo" de alguém que sobe pelo esforço, o que limita muito as tuas opções pessoais. Devias sabê-lo sem necessidade de to dizerem constantemente e saber perder é também uma coisa que se esperava de ti. Fernando Santos sentiu-se "obrigado" a convocar-te para o Mundial, pelo que o melhor é não nos desiludires mais e adoptares um “low profile” dentro e fora do campo. Senta-te, analisa bem o que fizeste, deixa esse ar arrogante de menino mimado que se faz de vítima por tudo e por nada e, se não conseguires, toma uns ansiolíticos que vais ver que melhoras.

Olha que meio mundo está a olhar para os teus deslizes e que não perdoa a quem alto sobe. Espero que esteja tudo bem com os teus e que a dona Dolores não leve isso a peito, que ela não tem saúde para grandes decepções. 

Fica bem. Abraço!



domingo, 13 de novembro de 2022

A garra


Olá bom dia! Tenho 70 anos e fui hoje fazer  a vacina do covid, em regime de casa aberta.

Nem =hora e meia demorou todo o processo. Estava sol e vento muito frio, de modo que apanhei uma "ponta de ar"...

Ia preparada para tomar apontamentos das conversas dos meus companheiros, mas... nada. Todos tranquilos e em silêncio. Na fila um ou outro curioso esticava o pescoço e, semicerrando os olhos, percorria a fila em todas as direcções..., mas não comentava. Havia gente bem vestida e gente com a roupinha coçada, mas não dava para saber se eram ricos ou pobres só pelas etiquetas do vestuário. 

Alguns mais incapacitados e tímidos, pediam desculpa para sair da fila e iam-se sentar mais à frente nas cadeiras laterais, vigiando o vácuo que deixavam, para não perderem a vez. Os cabelos eram brancos, cinzentos e acaju e uma mosca pousava no eczema da cabeça do velho que me precedia e vinha lamber a minha mão.

Que dia chato...

Isto não estava certo...

Olhei melhor e compreendi que aquele silêncio doentio não se devia à introspecção própria do acto vacinal, nem ao recolhimento de um templo, pois um quartel da tropa por mais imponente que seja, não inspira qualquer meditação!.

Todos os presentes exibiam na sua mão esquerda, dedos em garra para segurar o telemóvel, fazendo avançar as páginas com o indicador direito. E foi essa mão assim torcida que me fez vir à memória os seguintes factos:

Nas décadas de 70-80 do século passado, a epidemia da toxicodependência e as infecções associadas, quando o regresso da guerra e a descolonização foram acompanhados pela introdução da heroína no nosso meio, pôs-me perante uma nova realidade. 

A adição era garantida e os  jovens cumpriam o ritual de aquecer a droga numa colher com sumo de limão, aspirar para uma seringa que depois seguravam entre os dentes, enquanto garrotavam o braço. Antes de se injectarem, lambiam a agulha como se de um beijo se tratasse. Procuravam  reavivar a sensação da primeira dose que os levara a patamares nunca antes sentidos, mas essa sensação não mais se repetia, acabavam a injectar-se apenas para se conseguirem sentir "normais", passando todo o tempo  entre o torpor da droga e as tentativas de arranjar dinheiro para encher os bolsos do fornecedor. 

O que  viam ao espelho em nada correspondia à realidade. O envelhecimento, os dentes podres, as olheiras a pele escura e sem brilho...

Ao fim de algum tempo a injectar, tornavam-se mestres na descoberta do mais pequeno vaso para se picarem: pescoço, cabeça, pénis, virilhas, dedos..., e se o próprio não lhe chegava, valia-lhes a solidariedade do companheiro.

Uma das complicações que víamos, entre tantas outras, era a garra cubital em que o 4 e 5 dedos se apresentavam em flexão e os metacarpos em extensão, por lesão do nervo cubital ao nível do cotovelo. Sendo um aleijão, alguns faziam da sua exposição um modo de inspirar piedade... 

Estes tempos foram substituídos por outras adições, igualmente nefastas, mas com outros contornos... 

Ao ver toda aquela gente, no Centro de Vacinação, com a mão em forma de garra cubital, totalmente absortos e alheados da vida à sua volta, ainda me interroguei sobre o que aconteceria se o governo sugerisse que tinham que andar com telemóvel e instalar uma aplicação tipo Stayaway Covid.... 

Conclusão: Cheguei a casa com 39.7° C de temperatura.

História de H. G. 

quarta-feira, 9 de novembro de 2022

O anjo e o Mal


Pastel sobre papel. Segunda tentativa para um "Original". 

quarta-feira, 2 de novembro de 2022

Dia dos Mortos


Porque hoje é Dia dos Mortos e porque, pelo menos no México, as almas estão autorizadas a visitar os vivos. aqui fica o desenho de um dos nove Nazgul!

Pastel seco Branco Chinese White, sobre papel Tiziano negro 160g/m2.

 

terça-feira, 1 de novembro de 2022

Viver no mundo, sem nele viver!

 


Um discípulo do rei filósofo Chanakya perguntou-lhe o que é que ele queria dizer ao afirmar que “uma pessoa pode viver no mundo, sem nele viver”, e o filósofo mandou-o transportar um cântaro cheio de água até ao bordo, pelo meio de uma multidão em festa, sem entornar uma única gota, sob pena de morte, pelo que ao regressar o discípulo foi incapaz de descrever as festividades do dia, tendo passado por elas como um cego e com olhos apenas para a bilha que levava à cabeça.

In Versículos Satânicos de Salman Rushdie

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Barco

Baseado numa Fotografia de Graciosa Lima, uma mulher com um olhar que me surpreende.
Houve um tempo em que, sem medir a força que lhe vinha de dentro, a futurei a atirar a toalha ao chão. Este desenho – grafite sobre papel Canson 130g/m2, é também uma homenagem.






 

sábado, 22 de outubro de 2022

Maria la portuguesa - Silvia Perez Cruz

 
Em 5 de Janeiro de 1985, Juan Flores, um estofador de Ayamonte, que também se dedicava ao contrabando, deslocou-se no seu barco ao sapal de Castro Marim, perto da foz do Guadiana, para comprar marisco para vender em Espanha. A transação foi interrompida por uma patrulha da Guarda Fiscal e, por razões mal explicadas, um dos guardas, o cabo José Nunes, disparou à queima-roupa contra Juan Flores, que teve morte imediata. 
 O caso causou grande indignação na população de Ayamonte. 
O corpo foi levado para a morgue de Vila Real de Santo António e aqui começa a trama de “Maria La portuguesa”. Durante os quatro dias em que o cadáver ali permaneceu, foi velado por uma misteriosa mulher que o acompanhou, em lugar de destaque, no funeral a que assistiram milhares de pessoas. 

“Diz-se” que o que aconteceu “na verdade”, foi um assassinato passional. Nunes, cego por um amor não correspondido por Maria, uma bela jovem que vivia uma paixão idílica com Juan, decide terminar com a vida do seu rival. 

Carlos Cano (1946.2000), um cantautor espanhol, compôs e enviou a Amália que a cantou em 1986, quando a voz já lhe fugia. Esta versão da Silvia Perez Cruz é a minha preferida.

terça-feira, 18 de outubro de 2022

O meu segundo carvão

Confesso que o que eu queria desenhar era um velho com grandes barbas. Até andei na rua à procura, de máquina fotográfica em punho. Só encontrei um, bêbado como uma dorna, mas faltou-me a coragem para o interpelar. 
Na falta de barbas brancas, optei por cabelos louros e quem melhor que este icon dos anos 90?

 

 

domingo, 16 de outubro de 2022

Family Rules

 



 Numa parede de um Café no Porto

terça-feira, 11 de outubro de 2022

Luís Pipa


Pastel seco sobre papel Canson branco 130g/m2.

 

segunda-feira, 3 de outubro de 2022

As Primeiras Coisas

 Bruno Vieira Amaral nasceu no Barreiro, em 1978. Neste livro, distinguido com vários prémios, faz um regresso às origens para completar memórias de um passado distante.

O autor, licenciado em História Moderna e Contemporânea, veste-se de etnólogo e revisita, no bairro onde nasceu, o que ficou do “diz que disse”,  décadas depois. Os factos e o imaginário são frequentemente descritos usando calão grosseiro, numa aparente transcrição quase “ipsis verbis” do que lhe foi sendo contado.

Um livro que descreve o ambiente de um bairro social “da margem sul” onde pontificam pretos, retornados, ciganos e não só! 


domingo, 2 de outubro de 2022

Riverside


 É a minha primeira paisagem. Escolhi a margem de um rio, a pensar que se fazia sem esforço. Errei.

Como diria o Barbosa "Não é fácil! Parece fácil, mas não é fácil!

Não está uma obra de arte, mas percebe-se o que é. 

Pastel seco sobre papel Canson branco 130g/m2.

Desenho fundamentado numa foto do dr. Carlos Ribeiro. 

terça-feira, 27 de setembro de 2022

Artes de pescador

 

Mais um desenho a partir de fotografia,  também pertença do dr. Carlos Ribeiro, médico que há uns 4 a 5 anos me surpreendeu com este seu hobby. 
  
Pastel sobre papel Canson /130g/m2.

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Anoitecer na Portucel


 Pastel seco sobre papel Tiziano negro 160g/m2, baseado em fotografia do dr Carlos Ribeiro.

Pensei que era fácil. Ignorância de principiante! Fica aqui o registo para memória futura. 

terça-feira, 20 de setembro de 2022

segunda-feira, 12 de setembro de 2022

Solvitur ambulando


Resolve-se andando. A frase latina “Solvitur ambulando” é atribuída a Santo Agostinho, e significa “que é resolvido pelo andar”

O poder do "andar" é muito importante. O caminhar é um óptimo remédio para qualquer trabalho mental, principalmente se se tem o cuidado de anotar, num pequeno caderno, os bons pensamentos e ideias que vão surgindo nos percursos, quando todo o tempo é nosso para nos ouvirmos.

Caminhar é grande cura para muitos males, sobretudo se a caminhada é longa e solitária, pois a solidão é o contraste à vida social e a vida necessita de contrastes. A solidão dá-nos o tempo para pensar de modo diferente e em coisas que até aí não ocupavam o nosso espaço mental.

Toda a gente devia fazer grandes caminhadas a pensar na vida. Talvez, por isso, passam tantos peregrinos à minha porta.

 

quinta-feira, 25 de agosto de 2022

Primeira encomenda

Foi-me pedido o desenho do velho Joe da família Lencastre. Ei-lo! 
E, se bem me lembro,  os Lencastre são descendentes dos nobres  Lancaster associados à coroa de Inglaterra e também à de Portugal! 
 

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Cuca


 Papel kraft 110g. Pastel Conté à Paris, que estava na gaveta há mais de 20 anos. 

sábado, 20 de agosto de 2022

Trovão



Pastel negro e branco sobre Papel kraft. 110g  

quinta-feira, 18 de agosto de 2022

Olhando o futuro.


 Papel kraft 110g/m2 lápis de carvão,  pastel branco e verde. 

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

Os Convencidos da Vida, por Alexandre O'Neil



Todos os dias os encontro. Evito-os. Às vezes sou obrigado a escutá-los, a dialogar com eles. Já não me confrangem. Contam-me vitórias. Querem vencer, querem, convencidos, convencer. Vençam lá, à vontade. Sobretudo, vençam sem me chatear.

Mas também os aturo por escrito. No livro, no jornal. Romancistas, poetas, ensaístas, críticos (de cinema, meu Deus, de cinema!). Será que voltaram os polígrafos? Voltaram, pois, e em força.

Convencidos da vida há-os, afinal, por toda a parte, em todos (e por todos) os meios. Eles estão convictos da sua excelência, da excelência das suas obras e manobras (as obras justificam as manobras), de que podem ser, se ainda não são, os melhores, os mais em vista.

Praticam, uns com os outros, nada de genuinamente indecente: apenas um espelhismo lisonjeador. Além de espectadores, o convencido precisa de irmãos-em-convencimento. Isolado, através de quem poderia continuar a convencer-se, a propagar-se?

(...) No corre-que-corre, o convencido da vida não é um vaidoso à toa. Ele é o vaidoso que quer extrair da sua vaidade, que nunca é gratuita, todo o rendimento possível. Nos negócios, na política, no jornalismo, nas letras, nas artes. É tão capaz de aceitar uma condecoração como de rejeitá-la. Depende do que, na circunstância, ele julgar que lhe será mais útil.

Para quem o sabe observar, para quem tem a pachorra de lhe seguir a trajectória, o convencido da vida farta-se de cometer «gaffes». Não importa: o caminho é em frente e para cima. A pior das «gaffes», além daquelas, apenas formais, que decorrem da sua ignorância de certos sinais ou etiquetas de casta, de classe, e que o inculcam como um arrivista, um «parvenu», a pior das «gaffes» é o convencido da vida julgar-se mais hábil manobrador do que qualquer outro.

Daí que não seja tão raro como isso ver um convencido da vida fazer plof e descer, liquidado, para as profundas. Se tiver raça, pôr-se-á, imediatamente, a «refaire surface». Cá chegado, ei-lo a retomar, metamorfoseado ou não, o seu propósito de se convencer da vida - da sua, claro - para de novo ser, com toda a plenitude, o convencido da vida que, afinal... sempre foi.


Alexandre O'Neil 1924-1986), in "Uma Coisa em Forma de Assim"

sábado, 13 de agosto de 2022

Desenhos 1


Pastel (chinese white) sobre papel negro (A4 -70gr/m2) para testar esta possibilidade do desenho.


 

quinta-feira, 4 de agosto de 2022

"in memoriam" de meu pai


Foi hoje o funeral de meu pai. Familiares e amigos juntaram-se para prestar uma homenagem sentida a um homem de saber profundo e rigoroso, de uma lealdade e integridade admiráveis. Um mestre, não só pela sua obra, mas também pelo exemplo com que impregnou alunos, colegas, amigos e todos os que com ele privaram.


O trabalho que o absorveu quase por completo, não fez dele um pai exemplar, mas foi um avô de mão cheia e um professor que deixou marca na Universidade do Porto, e foi com gosto que vi entrar na sala um professor da FEUP com um pequeno mapa (em vez das habituais flores), para pousar sobre as suas mãos, depois de nos explicar que aquilo era a anomalia gravimétrica de Neves-Corvo que ele definira e que servira para que uma companhia francesa (o BRGM) sondasse aquele local e ficasse com os louros da descoberta.  


Deixo aqui alguns dos testemunhos mais importantes:

O meu querido avô Albertino partiu vítima de vida longa, plena e feliz. Partiu aos 102 sem pressa, como viveu, acompanhado pela minha avó, seu amor de 81 anos, e pela família que criou e adorou e fez crescer. O meu avô foi um homem de outro mundo. Extraordinário. Combinou em si mesmo a doçura e o rigor, a curiosidade e a paixão pelas coisas banais, o riso fácil e tolo e a ponderação nos momentos de decisão. 'Our brain is like our muscles, if we don't use it it shrinks and dies' era o seu lema. Foi engenheiro de minas e professor devoto e dedicado. Estudou e investigou e questionou-se durante toda a vida, sempre curioso e interessado. Mas a mim, embora me orgulhe do seu percurso profissional, a mim, o que me deixa é o estado de absoluta paixão pelo presente - a forma de viver continuamente a ser assoberbado pelos dias - comia sempre uma pescada chilena congelada que era fenomenal acompanhada por um vinho de pacote que era estupendo servido por um empregado simpatiquíssimo num restaurante sopimpa e em todas as idas ao café falava com alguém que era bestial ou recebia um email de bisneto que era um filósofo ou o desenho de outro que era um génio da pintura e via-se no brilho dos olhos que todos os dias sentia que o hoje era o tempo certo para se viver. O meu avô nunca envelheceu, nunca foi velho. Ou talvez tenha-o sido demasiado cedo na sua vida, quando perdeu a mãe aos 7 anos. Talvez tenha sido velho nessa altura por obstinação, para poder salvar-se dessa desgraça maior mas preservou em si a criança que era toda a vida. O gozo com que admirava o futuro, os mais novos, as evoluções da ciência e as tecnologias era o reflexo de quem vive a vida em estado de maravilha. O meu avô viveu maravilhado. Riu como mais ninguém neste mundo e apesar de ter vivido estes quase 102 anos apenas com uma única anedota, a sua anedota, contagiou o seu mundo de riso. Era a sua forma generosa de ver o mundo, com os seus melhores olhos, sempre cheios de futuro e brilho. Os dele, fomos da sua boca todos estupendos, extraordinários e magníficos, desde a nascença. O meu avô fez flexões comigo às costas e dançou ballet com a minha prima e desenhou 20 Heidi seguidas para a minha irmã e a todos nos incutiu a curiosidade como só alguém realmente gosta de aprender consegue fazer. Outra coisa que aprendemos com ele, e digo aprendemos porque sei que falo não só por mim mas também pelas minhas irmãs e pelos meus primos, foi que devemos fazer, acima de tudo, o correcto, mais do que o bom. Não foi um hedonista, o meu avô, foi um metódico, um homem da ciência e acreditava que o bom para uns é o mal de outros e que o correcto, por outro lado, não gera caos. O correcto segue regras, tem barreiras que são mais importantes do que a nossa satisfação imediata. Nunca o vi a resolver um problema à pressa - nunca o vi ter pressa, na verdade. Todos os problemas mereciam o seu tempo, o tempo de meditação, de deixar o problema se apresentar e pousar e tempo de o resolver. O meu avô é de um tempo em que havia tempo, mas não é só isso. Era pela paz de espirito. Fazer as coisas bem feitas - a letra bonita ou o mudar o casquilho ou ter uma conversa difícil ou ensinar bem ensinado - fazer as coisas com intenção, com atenção, sem aldrabar e sem saltar passos, dá paz de espírito e é melhor do que a barriga cheia de chocolates. A nós, a sua família, para além do seu amor gigante, da sua admiração incondicional, das inúmeras histórias e do contínuo incentivo deu-nos o grande prazer de partilhar tudo isto com ele - o seu riso, a sua curiosidade, a sua maravilha e o seu entusiasmo durante tantos longos e felizes anos. Foi um prazer gigante. Obrigada, meu avô, por essa fonte inesgotável de energia, solar e radiante, com que encheste de graça o mundo em que tocaste. Obrigada por esses olhos cheios de maravilha, esse gosto por estar vivo aqui e agora e por esse brilho de esperança com que sempre olhaste para o nosso futuro. Obrigada, meu avô, por essa gargalhada incrível e infinita, essa boa onda electromagnética com que nos impregnaste com cada abraço, cada riso, cada história, cada telefonema, cada foto, cada email. Estarás sempre connosco.
Helena

Olá avô.
Fico triste e desapontado comigo mesmo por ter sido necessário este susto para me lembrar do quanto aprecias as minhas cartas; mas que melhor remédio para a tristeza que não uma carta ao meu bisavô?
Espero que fiques feliz ao saber que o sonho da arquitetura ainda está bem vivo e que já só me falta um ano para me candidatar à faculdade. Espero entrar no Porto, pois além de ser uma cidade arquitetonicamente lindíssima e bem planeada, é onde tenho mais família. Não sei se da última vez que estivemos juntos ainda praticava voleibol, mas agora já não. Esta carta está a ser redigida por um federado em Kickboxing; um desporto de combate. A palavra Kickboxing vem do inglês "kick" (pontapé) e "boxing" (combate com as mãos). Levo muita porrada, mas essencialmente forma o carácter.
Ando altamente entusiasmado com a guitarra e até faço planos para ir um dia, no verão, ao Porto, tocar na rua para ganhar uns cobres. Com o clarinete nem tanto, mas talvez lhe venha a pegar de novo, para teu prazer e de todos os que já me pediram para lá voltar.
No geral, tenho sido uma pessoa mais feliz e concretizada e, aos poucos, sinto que vou encontrando um propósito. Talvez não o convencional e lamechas "sentido da vida" porque a vida é demasiado arbitrária para ter um sentido. Cada vez mais, com a ajuda das pessoas de que me rodeio, os meus amigos, a minha querida namorada e a minha família, sinto que vou fazendo o que me faz feliz e a descobrir coisas novas que me fazem feliz.
Fazer as coisas que nos fazem felizes é que é um bom segredo para viver uma vida boa. Não é? Deves saber mais disso do que eu! 
Prometo que vou crescer e me vou tornar num homem de quem terias orgulho. Essencialmente um homem bom para os outros.
O teu bisneto João, com já quase 17 anos feitos.
08/06/2022

Olá avô;

Vais partir em breve e não te queria deixar ir sem algumas palavras.
Obrigado por tudo, por seres um ser humano às direitas e por todos os momentos à mesa de Carreço de riso e de aprendizagem que nos proporcionaste. Obrigado pelos abraços, pelas histórias e pelas piadas secas.
Sempre que vir alguém que secretamente chuta com os pés as migalhas que deixou cair durante a refeição para debaixo de lugar da pessoa ao lado, vou pensar em ti.
Prometo que, de onde quer que me estejas a ver vais ficar orgulhoso com quem eu me vou tornar.

O teu bisnetão Joãozão
25/07/2022

Ao Avô Albertino

Sempre me fez muita confusão aquelas pessoas já bem crescidas que quando se casam ou se juntam, passam de repente a chamar ao sogro pai e à sogra mãe.

Os sogros, e especialmente as sogras, são para ser muito bem tratados (não quero que sobre isso fiquem dúvidas…) mas para mim são chamados pelo nome ou, vá lá, por uma qualquer alcunha carinhosa, mas pai e mãe… isso é algo reservado para os nossos, não para os dos outros. Esse raciocínio aplica-se também às outras categorias de familiares. As irmãs da minha mulher, não são minhas irmãs, são minhas cunhadas, mesmo sendo felizmente minhas amigas.

E no entanto, cada caso é um caso, ou como diria o Albertino Engenheiro, quisque causa differt.

Para mim começou só por ser o avô da minha namorada. Depois, pouco a pouco, polus per polus, foi sendo mais. Foi o famoso engenheiro de minas que deixava palitos partidos (que eu apanhava) pelo chão da casa da Constituição. Era o renomado professor universitário que gritava “strike, strike” quando era surpreendido nú a sair da casa de banho. Era aquele riso maravilhoso e contagiante, as piadas secas e os constantes ditos em latim. Era o fato e a gravata impecáveis no início das refeições, e as nódoas na camisa e as migalhas no chão no fim de cada uma delas. Era o amor e a amizade da sua parceira de sempre, Antonieta, a sine qua non, e as cotoveladas e os pontapés debaixo da mesa que ela lhe ia dando nas inconveniências. Era o reformado de 80, depois 90 e até com 100 anos que fazia flexões de braços e a ginástica sueca. Era o distinto Senhor Engenheiro impecável a comer a sua pescada número 3 no restaurante, e o nudista atrevido ao sol nas janelas da casa da Ordem. Era o cuecão romeno a ensinar inglês aos ingleses e a grande mariscada prometida e ia pagar, “desta vez não, mas da próxima sim.” Era o ex-chefe de engenheiros, que apesar das muitas pedras e de alguns carneiros que lhe foram saindo ao caminho, foi muito útil ao país, que fazia citações numa língua morta e que sabia muita coisa inútil. Era o conservador e tradicional, que se inscreveu no “Future kids” aos 80 anos para poder utilizar um PC e iniciar um “blog” aos 90.

Um tipo de facto excepcional, merecedor de tratamento específico, um caso ad hoc.

Foi filho, irmão, marido e pai, mas nasceu mesmo foi para ser avô. Avô dos netos e avô dos bisnetos, sempre meigo, com aqueles olhos a brilhar num sorriso de principiante com que olhava para cada um deles, como se cada um fosse único, como se cada um fosse sempre o primeiro e nunca apenas mais um ou mais uma.

Era alguém cuja vocação para avô era de tal forma grande, de tal forma enorme, que até o conseguiu ser para mim, que não sou Gomes mas tenho a sorte de pertencer à companhia.

André

6/8/2022

//*
São várias as gerações de alunos de Prospecção Mineira que recordam com muito apreço os ensinamentos do Eng. Rocha Gomes, que, seguramente, terá sido um dos meus melhores professores. Tinha o condão especial de nos contagiar com o fascínio que nutria pelas matérias que ensinava, quer fossem da área mais restrita da geofísica, nas suas diversas vertentes, quer das ciências geológicas, em geral, ou mesmo na simples transmissão de conhecimentos práticos, adquiridos ao longo da sua vida profissional, de extrema utilidade para quem se prepara para iniciar uma carreira na geologia. Ninguém nos ensinou como ele, porque ensinar não se resume à mera transmissão de conhecimentos pintados numa sebenta: o Eng. Rocha Gomes ia mais longe. O respeito e a amizade que o Eng. Rocha Gomes tinha para com todos os seus alunos levou-o a ser um verdadeiro Professor: aquele que nos prepara para o exercício de uma Profissão. Ninguém nos preparou tão bem, como ele o fez. Há algo mais que guardaremos sempre connosco e as palavras não chegam para exprimir. Sentidas condolências à família e a todos nós, amigos e antigos alunos. Até sempre, Professor Rocha Gomes

Paulo José Bravo Silva (Geólogo)


É com a maior consternação que soube pela Família do falecimento do Engenheiro Albertino Adélio Rocha Gomes, insigne Engenheiro de Minas que teve as maiores responsabilidades na Prospeção Mineira em Portugal, durante décadas, descobridor do jazigo de classe mundial de Neves Corvo, entre outras dezenas de jazigos mineiros, Docente Convidado da Universidade do Porto na disciplina de Prospeção Mineira, e figura indelével na formação científica, profissional e ética de gerações de jovens Geólogos e Engenheiros de Minas.
A sua carreira é impressionante, única, irrepetível, a todos os títulos excecional. A ele o País deve ter-se mantido um país mineiro depois do boom da 2ª WW.
A ele devo eu muito do que sei e do que sou. Estou sumamente orgulhoso de ter sido seu discípulo, como muitos outros, tanto mais que sei que a estima era mútua. Tenho episódios únicos das minhas muitas vivências com o Eng. Rocha Gomes que poucos conhecerão, mas só direi para já que fui o seu "pior aluno": frequentei as suas duas disciplinas semestrais anualizadas de último ano de (5º-pré Bolonha), das mais prestigiadas do curso, por três vezes... uma delas no meu 2º ano do Curso de Geologia da FCUP...
Fique em Paz, Mestre!
Manuel Abrunhosa (Geólogo)


FALECIMENTO DO ENG. ALBERTINO ADÉLIO ROCHA GOMES
alarmData de Publicação: 04 agosto, 2022
Categoria: Notícias Nacionais

O LNEG comunica o falecimento do Eng. Albertino Adélio Rocha Gomes que efetuou a maior parte da sua atividade profissional no Serviço de Fomento Mineiro, entre 1940 e 1990. Foi também docente universitário na Universidade do Porto.

Salientam-se entre os muitos trabalhos que desenvolveu, o seu esforço na dinamização de um serviço estatal dedicado à prospeção mineral em vastas áreas do território nacional. Nesta missão, merece destaque a coordenação das equipas sediadas no Alentejo competências operacionais hoje concentradas no Pólo do LNEG em Aljustrel.

Sob sua orientação foram feitas várias campanhas geofísicas e geoquímicas seguidas de sondagens, as quais marcaram o panorama da prospeção mineira durante décadas, pelo seu caracter inovador e pluridisciplinar.

A partir destes trabalhos vieram a ser descobertos, de forma direta ou indireta, vários jazigos de sulfuretos maciços na Faixa Piritosa Ibérica como Estação e Moinho-Cerro do Carrasco (Aljustrel) e Neves-Corvo (em exploração pela empresa SOMINCOR desde 1989). Na Zona de Ossa-Morena foram identificadas estruturas mineralizadas como Portel e Balsa (Zn, Pb, Cu) e Vale de Pães (magnetite). Outros trabalhos incluíram o mapeamento das minas de Aparis (Cu, Barrancos), Preguiça e Vila Ruiva (Zn-Pb, Sobral da Adiça).

Os inúmeros levantamentos coordenados pelo Eng. Rocha Gomes fazem parte dos arquivos e espólio cartográfico do LNEG ainda hoje uma referência nas linhas de investigação dedicadas à inventariação e caracterização de recursos minerais. Este banco de dados encontra-se acessível no Geoportal do LNEG.

Nota de Pesar pelo falecimento do Engenheiro Albertino Rocha GomesAgosto 3, 2022 

O Engenheiro Albertino Rocha Gomes é reconhecido como um profissional excecional e uma figura incontornável da Prospeção Mineira

Foi com grande consternação que a APG recebeu a notícia do falecimento do Engenheiro Albertino Rocha Gomes, Engenheiro de minas e professor devoto, brilhante e dedicado de inúmeros alunos que o guardam carinhosamente nas suas memórias.

O Engenheiro Albertino Rocha Gomes é reconhecido como um profissional excecional, rigoroso e perseverante, figura incontornável da Prospeção Mineira e na formação científica, profissional e ética de gerações de jovens Geólogos e Engenheiros de Minas.

Integrou a equipa que descobriu o jazigo de Neves-Corvo, entre outras dezenas de depósitos minerais. Desenvolveu a sua atividade profissional no Serviço de Fomento Mineiro, foi Docente Convidado do Departamento de Geologia da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, lecionando a disciplina de Prospeção Mineira, e Docente no Departamento de Engenharia de Minas da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto. Já aposentado regeu, na Universidade do Minho, a disciplina de Prospeção Mineira do Curso de Mestrado em Ensino de Biologia e Geologia.

No seu Blog “Vivências Mineiras”, que mantinha com regularidade, deixou-nos o seu contributo para a história da investigação mineira em Portugal, realizada pelos Serviços Estatais, no período entre 1940 e 1990.

Recordámo-lo neste programa da RTP onde foi entrevistado e onde antigos alunos deixaram o seu carinhoso testemunho (Parte 1, 2:36min, 27:49min; Parte 2, 27:38min). Teve uma vida longa (faria 102 anos na próxima semana), preenchida e dizem os seus, feliz!

A APG expressa à família e amigos as mais sentidas condolências e a sua solidariedade neste momento difícil