- "Oh pai, anda depressa que o Dinky apanhou um passarinho no jardim! Vem depressa!" , e aí vou eu a correr atrás do cão que foge a dar ao rabo de felicidade. - "Dinky! DINKY! AQUI! ... Aqui!", para lhe arrancar um melro flácido da dentadura, perante a expectativa atenta de uma filha de doze anos. - “Oh pai! Tu és médico. Faz qualquer coisa!”, suplica, a medir-me as capacidades, e a obrigar-me a uma solução imediata para pôr cobro àquela aflição.
- “Vamos fazer-lhe uma massagem cardíaca e respiração boca a bico, durante um bocadinho!”, proponho, para que a minha credibilidade não caia. Ela assiste expectante, de olhos bem abertos a todos os meus movimentos. - “Então? pai!”, pergunta ao ver a imobilidade do pássaro. - “Parece melhor!” minto, depois de três bufadelas, a sentir-lhe o mau hálito, enquanto com o polegar lhe comprimo o abdómen, numa técnica improvisada de massagem cardíaca, e, num assomo de lucidez solicito-lhe: – “Vai buscar um bocadinho de água, para lhe passar na cabeça”.
Num ápice desaparece a correr em direcção à cozinha, aos gritos: - “Oh mãeeeeee! Arranja um copo de água para o pai! Depreeeeeeessaaaaaaaa!”
- “Uff!”, digo para mim, enquanto cuspo para o chão o sabor a melro morto, e o atiro para a bouça do vizinho.
Eis que chega, munida de uma tigela de água, que a custo mantém cheia. Pára, vê-me a olhar para fora de casa, e pergunta:.
- “O passarinho, pai? Onde está?”
- “Voou! ... Quando soprei pela quarta vez, começou a esbracejar e fugiu-me da mão! Vês ali à frente naquelas silvas? Vês?”- “Uff!”, digo para mim, enquanto cuspo para o chão o sabor a melro morto, e o atiro para a bouça do vizinho.
Eis que chega, munida de uma tigela de água, que a custo mantém cheia. Pára, vê-me a olhar para fora de casa, e pergunta:.
- “O passarinho, pai? Onde está?”
Não viu, mas ficou a pensar na sorte que é ter um pai médico.
1 comentário:
Excelente e enternecedor. Ora aqui está aquilo que eu realmente considero um acto de amor. Mesmo com uma mentira piedosa à mistura, valeu mesmo a pena. Porreiro.
O mais próximo "disto" que eu tive foi quando o meu pai atropelou por "piedade" um cão meio morto há horas. Foi há mais de 35 anos mas juro que ainda hoje não posso ver um animal a menos de 250 metros do meu carro... hiperventilo e estou sujeita a ter ou provocar um acidente grave.
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