sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Carta a António Ferreira



Caro António Ferreira:


Antes de mais, quero cumprimentar-te. És uma raridade, neste nosso Portugal.
Falaste claro, sabendo que irias instabilizar "intocáveis", lançando o tema da ineficiência nas nossas instituições, e falaste do estado a que chegámos, em que os espertos se safam no meio desse "baralho". Não devias ter particularizado os cirurgiões, já que muitos outros, cumprindo ou não o seu horário de trabalho, pouco ou nada acrescentam e até causam disfunção.  
Eu concordo contigo quando falas de quem anda a mamar no Estado inventando soluções para problemas inexistentes ou de quem anda a "fazer de conta" em reuniões sem actas para encher horário.
Há um excesso de "esquemas" no país, pelo que muitos temem que uma qualquer alteração os possa pôr em causa. E, nos tempos que correm, não é para menos, já que poucos acreditam na boa vontade e na legalidade das decisões de quem tem o passado manchado de oportunismos e hoje detém o poder. É que o problema é transversal a toda a nossa sociedade e não específico da Saúde. 

A Ordem dos Médicos já veio a terreiro, como se estivesse isenta, nesta confusão criada pelas Corporações, Partidos, Opus Dei, Maçonaria e outras "forças ocultas" que esgrimem “argumentos” no "Sistema Nacional de Saúde", mas ainda falta muita gente opinar, em bicos de pés, sobre o que conhece ou desconhece.
Para te expores nesse programa, deves estar bem escorado. Mas, mesmo assim prepara-te, porque já te devem andar a planear todo o tipo de rasteiras, para que um dia te dê vontade de mandar tudo às malvas para te dedicares às lagartas do jardim. Ouve o que te digo. Se agora cedes, tramam-te. Escrevem a história "al revés", como dizem os galegos, e até os amigos te abandonam. Agora é andar para a frente, sem merdas. Vais ter de provar que há malandragem a aproveitar a falta de liderança e de fiscalização para fazer a vidinha na maior desfaçatez, desde as oficinas às administrações, que essa gente tem nome, e que os cirurgiões foram só o mote. Podias também falar dos "contratos individuais de trabalho" leoninos feitos à medida dos amigos, se tiveres tempo, espero.

No próximo dia 7 de Janeiro voltas ao programa. Já marquei lugar, pois quero seguir de perto a tua evolução e a dos que ameaças.
Entretanto tiro o chapéu à tua passagem, e faço figas para que tenhas sucesso na moralização do sistema.

Recebe os meus votos de Bom Natal e de Feliz Ano Novo!
Até breve.
Fernando

domingo, 16 de dezembro de 2012

Natal


O presépio. O pai, a mãe e um menino. Três paredes ao alto e um telhado de colmo. Uma família  minimizada. Agora, mais ainda, sem o calor dos animais. Não há avós, tios, irmãos, amigos ou vizinhos. Uma família estranha numa cidade hostil, sem qualquer comodidade. O pai, um velho. A mãe, uma adolescente.
De acordo com a história, o pai não o é de sangue e aceita aquela jovem, para a proteger de uma sociedade onde a sexualidade é vigiada e o adultério punido com lapidação. A viagem de burro de Nazaré a Belém - 50Km de ida e volta, com uma grávida de termo, aparenta mais intenção de levar para longe aquela maternidade sem relacionamento conhecido, que cumprimento de obrigação com censo romano.

No mundo de hoje, centrado no sucesso e na satisfação dos instintos mais básicos, o Presépio, cada vez mais nuclear, adapta-se à nova função e junta-se à festa com o Pai Natal, o Pinheirinho, as Iluminações e as Prendinhas, mais a Lareira, o Bacalhau, as Rabanadas, o Bolo-Rei, os Cuscureis e os Bolinhos de jerimu.
E é melhor assim, porque nesse dia a família fica maior e sorri. Depois cada macaco volta de novo para o seu galho, as crianças para os Infantários e os velhos para os Lares.
O menino irá crescer e fazer-se à vida, esquecerá o pai, precocemente ultrapassado, e manterá a lembrança da mãe nas aflições, já que agora não se usa  o "Aqui d'el Rei!" de outros tempos.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Carta Aberta ao Ministro da Saúde


Caro Paulo:

Ando há meses para te escrever, mas, umas vezes por isto, outras por aquilo, acabo sempre por te deixar para as calendas.

Tu sabes que eu até acho graça a esse teu ar de esfinge assimétrica que só fala depois de todos se calarem, por saber a vantagem que é gerir uma pipa de massa onde muitos vão comer, mas não acredito que te apercebas do que move alguns dos pareceres que te chegam à secretária, principalmente agora, quando se fala em cortar quatro mil milhões de euros na despesa do Estado que inclui alterações no regime da ADSE.

Já deves saber que nas Clínicas e Hospitais Particulares se empolam os de meios auxiliares de diagnóstico, quando o pagante é o Estado, seja ele ADSE, ADMG, ADME, Serviços Sociais do Ministério da Justiça ou da CGD, porque ele não fiscaliza, mas não te vejo capaz de actuar sobre essa malta, porque quem te aconselha come ou espera comer à mesa com eles. O mais certo, é ainda vires a sacrificar quem nada tem a ver com essa corrupção e manteres essas águas turvas no "Sistema Nacional de Saúde”, que queres "sustentável".

Não te esqueças de fiscalizar. Fala com o CDS que ele já andou às voltas com a fraude com o RSI. Só tens de aplicar medidas semelhantes a quem não tem contenção nos exames auxiliares de diagnóstico.

Ontem contaram-me que, num Hospital Particular, depois de quatro consultas, um Electrocardiograma, um Ecocardiograma, uma TAC às Coronárias e até um Cateterismo, disseram a quem se queixava de “cansaço” que não tinha doença cardíaca! A ADSE vai pagar sem questionar e a parte da doente fica difícil de engolir. É que em muitos Hospitais Privados e Clínicas, quando topam “subsistemas” atiram-lhes em cima com o maior número possível de exames auxiliares de diagnóstico para se rentabilizarem. Ora, se não se fazem auditorias clínicas responsáveis (e não daquelas em que se preenchem muitos papéis e não se conclui nada) a saúde ainda fica mais cara, e mais ainda na mão de quem já andou a saquear o Estado anos a fio. Não esqueças que o português típico gosta de fazer muitos exames e ignora o que é eficiência em medicina

Bem. A carta já vai longa. Tu és fino e não queres morrer novo. Vê o que decides, mas não te esqueças que eu descontei para a ADSE e que sempre paguei os meus impostos. É que qualquer dia adoeço e não vai ser agora que vou fazer um seguro de saúde. Fico à espera!

Manda sempre.

Fernando

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Yimou Zhang

O Filme é de 1991 e passa-se na China de 1920. O Realizador é Yimou Zhang.

Há outros filmes do mesmo autor disponíveis no Youtube. Por exemplo “Milho Vermelho”, mas a não perder é "Road Home" - em português "O Caminho para Casa".

Agora que estamos a ser comprados pelos chineses, vale a pena conhecer alguma coisa do seu mundo, principalmente pela mão deste realizador.

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A Coroa


Queixava-se de uma dor de dentes generalizada.

Trataram-lhe um dente cariado, mas cedo voltou para se queixar do outro lado. Foi feita nova revisão e receitaram-lhe analgésicos. Não teve melhoria. Na quarta consulta propuseram-lhe desvitalizar um, já tratado, que poderia ser a causa de todo aquele mal-estar.

Aí, começaram as perguntas e, como se temesse um mau-olhado confessou-se. Disse que tinha sido coveiro e que, numa das covas, encontrou um dente de ouro, que só conseguiu arrancar  depois de desfazer o crânio com uma marreta. Que depois tentou vendê-lo numa ourivesaria, sem sucesso. 
Disse também que a mulher o levou ao protésico, para o incluir na sua placa, e que ele recusou, e que desde então o tem guardado na mesinha de cabeceira.
Há dias lembrou-se dele, e associou-o àquele mal-estar:

- Sra. Dra.! Esta dor ... será enguiço?

História de J.R.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Simplificar

Este desenho demorou-me 10 segundos a fazer. A intenção foi representar rapidamente um coelho, sem intuito de produzir obra de arte. Este coelho foi “roubado” ao Dr. Mota Torres, pediatra da minha infância, que o fazia para me conquistar. Usei-o em circunstâncias iguais.
Fruto da repetição, sai-me agora com extrema facilidade.

Também faço burros, elefantes, gatos, cães, galinhas, crocodilos, golfinhos, girafas e até pessoas, porque a mão se foi lentamente afeiçoando a eles, nos períodos enfadonhos dos dias.

Gosto de me sentir capaz de desenhar de memória ou à vista o essencial dos objectos do dia-a-dia, que na maior parte das vezes é o seu contorno.

Considero que representar qualquer coisa complexa por meia dúzia de traços é uma necessidade do homem civilizado. Os traços podem não ser de desenho, mas de escrita, mas a finalidade é a mesma - definir com clareza uma situação.

A complexidade crescente do nosso dia-a-dia, exige dos nossos licenciados um esforço de simplificação, sejam eles professores, juízes, enfermeiros, psicólogos, ou de qualquer área onde o escrever faça parte da actividade.

Aquelas imensas pastas que enchem as secretárias dos nossos tribunais, repartições públicas e escolas, tresandam a ineficiência e a incapacidade, a par de algum propósito (não confesso) em criar dificuldades para vender facilidades.

Os Tribunais andam entupidos por uma lógica que não responde às necessidades de um país moderno.
Os professores atafulham-se em "fichas"  que, para além de atentarem contra a privacidade dos alunos e suas famílias, amontoam dados, sobre os quais raramente se actua, sufocando a actividade docente  com burocracia.
Os registos informáticos nos Hospitais do SNS, agrupam dados de um tal modo, que a sua consulta se torna “impossível” em tempo útil, separando os diferentes grupos profissionais.
Nas repartições públicas frequentemente exige-se mais forma que conteúdo.
Portugal nos últimos vinte anos perdeu muito do seu sector produtivo (agricultura, pescas, indústrias extractivas e transformadoras), e centrou a sua população no comércio e em serviços. Sem simplificar processos, perdeu eficiência e facilitou a corrupção.

Como consequência, estamos a pedir dinheiro à Troika para subsistirmos.
Se não formos capazes de ganhar eficiência, amanhã virão cérebros da China para nos dizer como fazer!

domingo, 2 de dezembro de 2012

sábado, 1 de dezembro de 2012

Últimos Registos

A lucidez que se esvai. A tentativa de vencer a angústia e voltar a ser quem se foi, resistindo teimosamente à doença. O registo possível dos últimos pensamentos.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Elogio de Reforma


É muito bom a gente reformar-se em idade jovem, com expectativas de um laréu de 25 anos, sem bengalas nem artroses nos artelhos que nos tolham o andar. Melhor ainda é ter poiso gratuito em Paris de França, voos “low cost” directos para casa da filhinha, a benesse de aí ouvir os noticiários sem os entender e poder confiar um pouco em quem governa.
Mas adiante.
Hoje estamos aqui para homenagear uma profissional de mão cheia. Uma secretária que se iniciou há muitos anos e que fez um pouco de tudo. Arrumou papéis de todos os tamanhos em longas prateleiras cheias de pastas bafientas, fez eletrocardiogramas e organizou-os nas suas pequenas pastas para rápidos e proventosos relatórios, e até trabalhou com "computadores", numa estonteante progressão (um verdadeiro choque tecnológico), que só entende quem esteve por dentro, e que acabou na Net a consultar este Blog.

 Saliento, no entanto, que, apesar de toda esta evolução científica, se manteve aquela menina simples que deixa no parapeito da janela uns bombons (ou rebuçados) para os passantes mais descarados, respeitando o ancestral hábito de nunca colher toda a fruta de uma árvore do caminho, para assim saciar eventual viajante esfomeado, e aquela benevolência para se sintonizar com o infortúnio, por vezes em prolongadas sessões de espontânea psicoterapia.

 Agora todo este enredo se vai.

Calha, e põem em seu lugar, uma jovenzita ainda na casa dos vinte, 90-60-90, de longas pernas e olhar luminoso, para desviar as atenções de quem para aqui vem com a mente fresca para o trabalho, com risco de rapidamente resvalar para pensamentos confusos e pecaminosos ou, … muito pelo contrário, colocam um “nerd” frustrado, a inspirar o olhar maternal do pessoal feminino, para, de igual modo, impedir o fluxo normal da ciência que corre pelas nossas enfermarias.

 Mas a vida é mesmo assim. Há que mudar para que tudo fique na mesma. Vão-se os mais velhos. Vêem os novos.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

No taxi

Eu comecei a fumar para parecer um homem, e deixei de fumar para não parecer uma mulher!

domingo, 25 de novembro de 2012

Salman Rushdie

Muito do que importa na nossa vida acontece na nossa ausência.
In "Os filhos da meia-noite"

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Teolinda Gersão

Teolinda Gersão
Gente crescida dentro da literatura portuguesa. Veio ter comigo pela mão do Clube de Leitura.
Neste romance assume o papel de um inquieto artista plástico da nossa Lisboa contemporânea, a quem a "sorte' protegeu (até na adversidade), para narrar os seus amores e desamores.
Senti que por largos momentos não "entrou na cabeça" de um homem. Mas é um bom exercício para tentar perceber o amor no feminino.
Bem escrito. Prende até à última página.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

A matemática





34 anos, solteiro. Desempregado. Fez a 4ª classe. Trabalhou na construção civil. Está acompanhado pela irmã. Tem uma filha de 8 anos com quem vive em casa dos pais. Entre 2004 e 2006 andou em consultas de psiquiatria. Tem diagnóstico de síndrome de dependência alcoólica. Iniciou os consumos na adolescência e agravou após a separação, há sete anos.
Vem enviado por ideação suicida e aumento dos hábitos alcoólicos e de tabaco. Segundo a irmã o quadro ter-se-á agravado desde Outubro, aquando do início do curso de formação realizado pelo fundo de desemprego. Bebe vinho verde tinto. Fuma 40 cigarros dia.

O pai tem "o sistema nervoso". A mãe toma muitos calmantes. Uma tia fez várias tentativas de suicídio.
Sente-se preso, ansioso, com agitação interna. Quer fazer uma desintoxicação "pela sua filha". Nega problemas judiciais ou com qualquer pessoa.
Personalidade pautada por grande impulsividade. Está orientado no tempo e espaço, com humor eutímico. Sem alterações da sensopercepção ou do pensamento, sem aparente ideação suicida. Alguns sinais de impregnação etílica.
Sugere-se internamento. Não aceita, porque "não é ambiente para ele".
Levanta-se. Pede medicamentos para os nervos. Ajeita o cabelo.
- "Sr. Silva! Então agora que até lhe pagam para aprender, para poder ter um emprego melhor, você mete-se a beber mais!?"
Sacode as calças, ajeita o casaco, dirige-se para a porta. Volta, indeciso. Sopra, como a descomprimir uma pressão da alma que o obriga àquele crivo para ter dinheiro ao fim do mês.
- "Sr. Dr.! ... Aquilo é muita matemática!"

domingo, 11 de novembro de 2012

Angela e os Anjos


Há qualquer coisa de místico no pensamento do português comum, que o põe à espera de que, no último minuto, a sorte mude e passe da derrota à vitória. Talvez aquela frase repetidamente ouvida nas igrejas, lhes tenha ficado na cabeça como um eco que nunca se extingue: “Senhor, eu não sou digno que entreis em minha alma tão pecadora, mas dizei uma só palavra … e serei salvo!”.

Primeiro faz as falcatruas ou “deixa andar” e depois, se a coisa dá para o torto, fica à espera da tal  palavra milagrosa que lhe muda o destino, como o “bom ladrão”, no minuto final.
Quando é chamado à política mantém o registo. Não entende que "os países não têm amigos, têm interesses", que para se imporem têm de ser “temidos” e que a sua força transparece das capacidades do seu povo e das suas lideranças.

Temos de ser capazes de eleger quem não esteja comprometido com o pior que temos e esforçarmo-nos em promover uma mentalidade de função pública que não se reja pelos "valores do mercado”. Ora, a nossa história recente não é essa. Muitos dos nossos dirigentes utilizaram o Estado para enriquecer ou como trampolim para o “mercado” e muita da sua "política" transformou organismos do Estado em empresas onde a “produção” de bens e serviços é medida pelo número e não pela necessidade e qualidade, num “sistema” que lembra quem valoriza o vinho pela graduação alcoólica ou o automóvel pela “cavalagem” do motor.

Não temos qualidade para valorizar a qualidade. A nossa massa crítica ainda pensa o muito como o bom, o que facilita o populismo que enxameia os órgãos do Estado.

Há que atender “às árvores e à floresta” e deixar a conversa da preocupação com a “grande política”, que encobre a incapacidade de resolver os problemas ao nível do cidadão onde o compadrio corroe os valores por que nos devíamos reger, para nos deixar à espera que, no último minuto, uma qualquer Senhora de Fátima nos venha salvar.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

Contactos

Palavras para quê? É uma foto do écran de um computador. Um registo da identificação, no meio do  nome, da morada, da data e local de nascimento, de todos os números com que nos mimoseiam do BI ao da Identificação Fiscal e que fazem de nós um cidadão de bolso inteiro.
Bem ali no meio surge este "contaqueto" para nos lembrar o pouco que investimos na língua portuguesa!

domingo, 4 de novembro de 2012

Emigração



Quando um jovem licenciado emigra, o país fica mais pobre. São anos de investimento em educação, saúde e integração social, que se perdem num abrir e fechar de olhos. É como se estivéssemos a construir Mercedes-Benz e os déssemos de mão beijada, por não termos estradas para eles andarem. Só um país muito rico é que se pode dar a estes luxos.
Vamos ficar com os velhos, os analfabetos, os incompetentes, os "mongas", os "sostras" e com os "cagões" que ninguém quer e meia dúzia que crê que Portugal é Europa. Amanhã iremos importar magrebinos e outras gentes que ainda vivem no século XIX para aqui fazerem as primeiras gerações, antes de poderem ser exportáveis com as vacinações, os hábitos ocidentais e algum saber em dia. Sempre foi assim. Assim continuará a ser.
Vivemos governados por quem legitima um poder que ninguém sabe quem é, numa União Europeia comprometida com o regabofe que os nossos políticos promoveram.
Sugam-nos o dinheiro em impostos, depois retiram-nos a propriedade e por fim os nossos jovens, deixando-nos cada vez mais incapazes.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Arte Africana

Gravar em Madeira é uma arte, mas também um passatempo, um modo de deixar uma marca que lembre um facto, uma ideia, um valor. Em criança guardei, durante anos, uma fiada de pequenas cestas feitas de caroços de cerejas, registo da paciência do canivete de um pastor.
Agora, poucos fazem arte com madeira, mas nas casas e conventos, por esse Portugal afora, dormem peças de Shonas e Macondes, da África sub saahariana, trazidas por “retornados” e frades das Missões, sem identificação dos seus artistas e da importância da sua arte.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Nkisi Nkondi



Os Bakongos são um grupo étnico banto, que  vive no sudoeste do Zaire e Norte de Angola. Em algumas das suas aldeias um “religioso” com funções de curandeiro e perito legal, cuidava das necessidades físicas e espirituais dos aldeões com a assistência de uma imagem poderosa – o nkisi nkondi.

Estas esculturas eram usadas para uma grande variedade de fins. Para proteger a aldeia, para provar culpa ou inocência, para curar doentes, para pôr fim a catástrofes, para vingança e para resolver disputas legais.

Geralmente esculpidos com forma humana, eram objectos sagrados que continham um espírito poderoso. Este poder sobrenatural derivava de substâncias medicinais na cavidade escavada na cabeça ou no estômago da figura, que atraíam o espírito, que por sua vez actuava de acordo com os desejos do seu proprietário.

Quando um problema era resolvido era colocado um novo objecto pontiagudo no Nkisi Nkondi.

domingo, 28 de outubro de 2012

Arte Dogon

O Mali tem ~13 milhões de habitantes e metade vive com menos de 1€ por dia. Do século XIV ao XVII, Timbuktu foi um centro de cultura da África Ocidental.

No planalto central, nas escarpas das montanhas Homburi, perto de Timbuktu, vive a tribo dos Dogon, que há mais de mil anos, fugiu do Egipto e aí procurou segurança, por recusar colectivamente a conversão ao Islão.
São animistas e a sua arte, que de algum modo lembra a arte egípcia, influenciou fortemente a arte contemporânea europeia.
Agora, vêm-se de novo ocupados por radicais islâmicos.

sábado, 27 de outubro de 2012

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Sangue



Queremos sangue. É o que me parece ouvir "na rua", para justificar este esforço que se está a pedir a quem trabalha por conta de outrem.

Já ninguém acredita que os sacrifícios a que o obrigam, altere o estado de coisas que nos levou aqui (favores políticos, promoção da incompetência, populismo), sem antes terem rolado as cabeças dos responsáveis. Ninguém acredita nas capacidades/vontades das polícias e dos tribunais na luta contra quem não olha a meios para atingir os fins, enquanto no dia a dia persistirem os folhetins da Casa Pia, do Vale de Azevedo, do Isaltino, do Dias Loureiro e outros, que abrem os telejornais e engrossam as contas de meia dúzia de advogados.

O país quer ver gente punida. Não propriamente morta ou presa, mas espoliada do que conseguiu ilegalmente, mesmo quando sente que em circunstâncias idênticas faria igual. Só que não aceita novos cortes diários no rendimento, e ver essa gente pavonear-se com a maior desfaçatez em luxos e eventos públicos .

Sempre foi assim. Os generais que perderam as grandes batalhas acabaram degolados ou fizeram hara-kiri. Neste pequeno Portugal, os que nos levaram a esta desgraça mantêm-se a dar as novas ordens, aliando-se a quem se comporta como inimigo deste país derrotado.

O dinheiro

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A fera

Dr! Venha à Sala de Agudos. Chegou uma intoxicação medicamentosa!
Veio numa ambulância, com dois socorristas a contê-lo. Dizem que tomou uma embalagem de antidepressivos há cerca de hora e meia.
Está agitado e não permite contacto verbal. Há muitas mãos a evitar que se atire da maca abaixo. Surgem amarras para os braços e para as pernas. Uma outra para o tronco. Debate-se e grita, mostrando as múltiplas cáries, aqui e além já só raízes negras. A toxicodependência tornou-o quase imune aos sedativos.
 A jovem namorada contrariou-o, e despertou um diabo nele. Quer tirá-lo da droga “pelo amor”. A mãe, ao lado, reforça o que, alguém mais avisado, lhe explica. Que a recuperação de uma toxicodependência exige tempo, saber e recursos, e que o amor é pouco útil quando todo o resto falta. Caem lágrimas. Dizem que se agride quando a vida não lhe corre ao jeito, e que há anos que a família, com grande dificuldade, lhe disponibiliza recursos para que acabe o 12º ano, no ensino recorrente.
Ficará internado compulsivamente, mais para minorar um insucesso educativo, que para lhe tratar uma doença.

domingo, 21 de outubro de 2012

quarta-feira, 17 de outubro de 2012

Sabedoria popular

O meu carpinteiro, “freelancer”, pouco conhecido do fisco, que vai daqui para ali, pôr soalhos, armários, portas e janelas e afinar o que houver de madeira numa casa, que compra onde quer, aquém e além fronteira, que leva e traz e manda entregar, num “bricolage” que resolve, é um sábio a entender a disponibilidade das tábuas e dos clientes.
A Agenda de 2008 que guarda na Ford Transit, lembra-lhe o tempo de trabalho e o material, que soma sem coluna para IVA.
"São cento e sessenta e três Euros e cinquenta cêntimos! ... Se possível em dinheiro, que eu já atingi o limite para este ano! - Dr! Isto está mau! Há muitos à espera que lhes paguem para poder pagar aos outros. É que “um caloteiro faz muitos!”

E eu fico certo que, com a caterva de aumentos e impostos que nos prometem, esses muitos aumentam e arrastam muitos mais.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

sábado, 13 de outubro de 2012

Publicidade


Este blog não é um espaço de publicidade, mas este anúncio não é para humanos. É para a bicharada que partilha o ar e muitos dos genes connosco. Para aqueles que nos animam, socializando-se com amizade e respeito e nos dão uma nova dimensão.


É para vós que há veterinários que, quando têm competência, honestidade e envolvimento, disponibilizam ciência que promove saúde e permite decidir acertadamente na doença, .

O Centro Hospitalar Veterinário já abriu. É lá que está o Dr. André Pereira. Procurem-no!

quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Orçamento 2013


Caro Vitor Gaspar

Tenho andado a pensar em ti há mais de três semanas. Gostava de te ajudar, pois sinto que a tua cabeça já não dá para mais, e hoje em conversa, reparei que não te lembraste do ar e da luz do sol. Podias propor uma taxa sobre eles, já que estes elementos até causam catástrofes a que o governo tem de acorrer. Com a tipologia de argumentação que tens usado, era-te fácil impor uma taxa de 1 a 2% sobre o vencimento ilíquido dos trabalhadores por conta de outrem, para secas, inundações, desabamentos, ciclones, eu sei lá ... aquilo que te aprouvesse!
Falavas ao Carlos Abreu Amorim, que ele não recusava ir à SIC argumentar a teu favor. Eu ontem ouvi-o e fiquei esclarecido. Aquilo é que é um senhor que sabe como se recupera a economia para que possamos pagar o que devemos! Devias chamá-lo mais para perto de ti, mesmo já estando rodeado de quem é da opinião de que devíamos vender os anéis e os dedos. Eu, ao menos, taxava todos. Apanhava turistas, à entrada na fronteira ... e pimba! imposto sobre o ar que aqui se respira, cheio de iodo do nosso mar, e mais um outro sobre o nosso sol, cheio de vitaminas. Pega, embrulha, e dá cá a massa, que a gente também gosta de andar de BMW, com o cuzinho tremido e o braço de fora. Falavas também aos autarcas. Dizias que parte era para eles, como fizeste com o IMI, e ias vê-los gulosos a projectar rotundas ou pavilhões multiusos para deixarem o nome numa placa.

Continua a cortar e a sacar, que a malta é mansa e ainda há muitos a pensar que andar de costas ao alto, com subsídios e economia paralela, lhes dá mais saúde que um emprego onde a toda a hora caem novos impostos, certos de que tu vais ignorar as suas movimentações bancárias. Até lá vais-te aguentando.

Mas se um dia te der para convencer os teus amigos da Troika que há que implementar políticas de desenvolvimento económico, garantindo que os partidos deixam de ser centrais de emprego e que os tribunais passam a funcionar em questões de corrupção e compadrio político, não te acanhes, fala comigo, que tens aqui um amigo. Mas se só gostaste daquela minha ideia, dá cumprimentos ao Álvaro e ao Passos, e passa bem, que resolver problemas aumentado impostos a quem não pode fugir, até se faz sem tirar licenciatura na Lusófona.
Fico à espera.

Fernando

P.S.: Diz ao Portas que impinja os submarinos no mesmo pacote dos F16 aos romenos. Ele que os convença de que os passeios turísticos no Danúbio por baixo de água são um "must" e que aquilo distribuído por 21 milhões não é dinheiro.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

José Gomes Ferreira




Eu nem sei o que pensar!



Tudo o que diz respeito à bandeira nacional tem um simbolismo e hasteá-la ao contrário não foge à regra. Em tempos, durante as grandes guerras, as bandeiras hasteadas ao contrário eram sinal de que o local estava dominado pelo inimigo, enviando um pedido de socorro. Trata-se de um sinal reconhecido ao nível internacional.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Ah! O Brasil.

-Então, dona Carolina! Vamos à balança pesar?
-Oh, kêridá?! ... Páreci ki tem di sê!! ... E no cáminho, … vamos vê os cáchorrinho!
-Dona Carolina, olhe ali em frente! ... O seu médico!
-AH! ... Essi áí ... é ... um cáchoRRÃOOoooo!

sábado, 29 de setembro de 2012

O Sapo

-Oh meu amigo! Ao tempo que não te via. Então mudaste sem dizer nada? Olha, que até pensei que tinhas emigrado ou ido desta para melhor, com as rãs, depois da Junta de Freguesia andar a pôr herbicida nos caminhos e inquinar a água que corre para o meu tanque. Desde a primavera que não as ouço coaxar. E sempre eram uma companhia. Tu não falas. Bufas. És bicho da noite e eu já não estou para noitadas. Por isso andamos cada um para seu lado. Não fosse hoje ter de resolver esse buraco no caminho, não te encontrava. Da última vez que nos vimos, moravas mais para cima. Nessa altura até estive para te pôr um nº na porta, para não me tentar a lá meter uma racha e algum cimento.

Hoje vais ter de mudar de residência. Não podes continuar aí. Não é propriamente um despejo, já que a dois passos não te faltam óptimas residências. O aluguer fica por minha conta, desde que me comas as lesmas e os caracóis.
Não te aproximes das laranjeiras por causa da calda bordalesa e um ou outro insecticida que eu lhes ponho, que tu, apesar de teres pele de sapo, és muito sensível e fraco dos pulmões.

Mas agora reparo. Estás mais gordo e austero. Até fazes lembrar o Mário Lino. Por acaso, não serás esse príncipe da política?
Desculpa a pergunta: Conheces a Ministra Paula Teixeira da Cruz? Aquela que disse que "acabou o tempo" em que havia  "impunidade", comentando as buscas feitas pela PJ às residências dos ex-ministros do PS? 
Se calhar estás com um feitiço! Olha aí! Se disseres "jámé", eu dou-te o beijo. Mas ficas aqui a trabalhar no jardim. Não te deixo voltar à CGD. OK?
 

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Desperdício


Ex. mos Srs. do CONSELHO NACIONAL DE ÉTICA PARA AS CIÊNCIAS DA VIDA
Eu entendo que o Governo queira por ordem nos desmandos de alguns médicos, grandes prescritores de terapêuticas caras, que frequentemente fazem mais mal que bem ou que não têm significativa vantagem sobre outras bem mais baratas, num século em que a prática médica é influenciada pelas “novidades” e ninguém quer ficar para trás (mesmo quando a evidência do benefício não está completamente definida).

Mas o problema não deve ser resolvido por decreto. O problema deve ser resolvido criando organização. Isto é: as decisões mais complexas ou que envolvam gastos significativos devem ser tomadas caso a caso e envolver múltiplos profissionais, sob orientação de uma direcção responsabilizável e tecnicamente competente, e não por alguém nomeado para satisfazer as necessidades pessoais de um qualquer autocrata que num determinado momento foi empossado politicamente num lugar de gestão.

Como se diz no parecer 64/CNECV/2012 - PARECER SOBRE UM MODELO DE DELIBERAÇÃO PARA FINANCIAMENTO DO CUSTO DOS MEDICAMENTOS “A questão não está na contenção de custos em si mesma, sempre inevitável por maiores que sejam os recursos, mas na responsabilidade racional da escolha de prioridades e na eficácia da luta contra a ineficiência e desperdício na área da saúde”

O problema não é a SIDA, a Artrite Reumatóide e o Cancro. O problema é o desperdício. E o desperdício tem de ter quem lute contra ele. É função do Governo pugnar pela promoção da competência e eficiência e não pela promoção dos "Yes man" com tendências corporativas.

Assim não vamos lá!

domingo, 16 de setembro de 2012

sábado, 15 de setembro de 2012

O meu bisavô Florêncio



Nascimento - 29/07/1850

Florêncio, filho de Manoel Francisco Medroa e Luciana da Piedade, naturais desta vila, neto paterno de João Francisco Medroa, natural da Aldeia do Mato, Priorado do Crato, e de Rosa Maria, natural de Martinchel, materno de Manoel Martins da Silva, natural de Cardigos e de Luciana da Piedade, natural desta vila, nasceu do primeiro matrimónio de ambos, aos vinte e nove dias do mês de Julho de mil e oitocentos e cinquenta e tendo sido por necessidade baptizado em casa pela parteira Mónica dos Mártires, veio à Igreja, no dia sete de Novembro do mesmo ano, onde eu, Vigário, lhes fiz os Exorcismos e lhe pus os Santos Óleos.
Foi padrinho Florêncio António. Por madrinha invocarão Nossa Senhora.
Foram testemunhas presentes que comigo assinarão, o Padre Simão Ferreira d’Araújo e Manoel Vicente Constância.

Era ut supra

O Vigário José Luís Pereira da Silva, Doutor Manoel Vicente, P.e Simão Ferreira Araújo.


1º Casamento com Florinda Maria que falece a 15/08/1881

2º Casamento com a minha Bisavó, Joaquina da Conceição a 15/11/1887

Casamento de Florêncio da Silva Gomes com Joaquina da Conceição

Aos quinze dias de Novembro do ano de mil e oitocentos e oitenta e sete, nesta paroquial igreja de São Julião da vila e concelho de Constância, diocese de Portalegre, na minha presença, compareceram os nubentes Florêncio da Silva Gomes viúvo, e Maria da Conceição os quais sei serem os próprios, com todos os papéis do estado correntes e sem impedimento algum para o matrimónio, ele de idade de trinta e sete anos, viúvo, comerciante, natural desta freguesia, filho legítimo de Manoel Francisco Gomes e de Lucinda da Piedade e ela de idade de vinte e nove anos, solteira, de serviço doméstico, natural da freguesia de Nossa Senhora da Assunção, de Proença-a- Nova, deste Bispado, filha legítima de Domingos Lopes e de Rita Rosa, os quais nubentes se receberão por marido e mulher e os uni em matrimónio, procedendo em todo este acto conforme o rito da Santa Madre Igreja Católica, Apostólica Romana, e lhes dei a bênção nupcial.
Foram testemunhas presentes, que sei serem os próprios, João Augusto Frade, casado, comerciante, e Ildefonso Lobato, sapateiro, casado, ambos residentes nesta vila.
E para constar, lavrei em duplicado este assento, que depois de lido e conferido perante os conjugues e testemunhas o assino com um deles e uma testemunha, não o fazendo as outras por não saberem escrever.

Era ut supra

Florêncio da Silva Gomes
João Augusto Frade
O Pároco – João Theodoro Alves Meira.


Óbito - 11/11/1916

Às vinte e uma horas do dia onze do mês de Novembro do ano de mil novecentos e dezasseis, numa casa da Rua Degraus da Cadeia, da freguesia de São Julião, deste concelho, faleceu de pneumonia um indivíduo do sexo masculino de nome Florêncio da Silva Gomes, de sessenta e sete anos de idade, de profissão comerciante, natural da freguesia de São Julião, deste concelho, domiciliado na rua acima referida, filho legítimo de Manoel Francisco Gomes, natural da dita freguesia e São Julião e de Luciana da Piedade, já falecidos.
O falecido era viúvo de Joaquina da Conceição Lopes, natural de Proença-a-Nova, e falecida no dia quinze de Julho de 1914.
O falecido não deixou descendentes menores, bens não deixou e não deixou testamento, e o seu cadáver vai ser sepultado no cemitério desta vila de Constância.
A declaração de óbito foi feita por Isidoro da Silva Gomes, casado, secretário interino da Administração do Concelho, residente nesta vila, filho do falecido.
Depois deste registo ser lido e conferido com o seu extracto, vai ser assinado por mim João Soares Esteves, funcionário da Repartição do Registo Civil do concelho de Constância, servindo, na falta do Oficial do mesmo Registo.
A importância dos emolumentos é de trinta centavos e no extracto vão colados os selos devidos no valor de cinco centavos.

Constância e Repartição do Registo Civil aos doze de Novembro de mil novecentos e dezasseis.

Isidoro da Silva Gomes
João Soares Esteves

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

João Cavalo

O mistério da vida, o “crescei e multiplicai-vos”, ultrapassa todo o conhecimento científico que pouco explica desta luta pela vida eterna que é a reprodução.

Nos seres sexuados, a escolha dos parceiros tem pouco de aleatório e há tantas subtilezas, que se tornam imperiosidades, que é impossível qualquer sistematização científica.

No homem, os métodos anticoncepcionais modernos, ao permitirem separar com eficiência a actividade reprodutora de todas as outras onde o sexo tem funções, evitou muitos dos dramas que pontuaram as gerações anteriores, onde as múltiplas gestações e a patologia associada, aumentava significativamente a morbilidade e mortalidade das jovens.

Desde tempos imemoriais que os homens se matam em guerras e nunca houve um superavit de mulheres que justificasse a poligamia como solução, pois antes da descoberta da anti-sepsia e dos antibióticos, uma gravidez era um risco a que se acresciam os naturais desesperos com uma mortalidade infantil assustadora (21% em 1910). A gravidez indesejada dentro do casamento era já de si um grande problema, mas ser mãe solteira era ter de arcar com o opróbrio social, por ter posto o coração acima da razão e sacrificado o futuro ao calor de um momento.

A pílula (~1960) veio permitir que metade da população pudesse alterar o seu comportamento social, libertando as mulheres de restrições com que antes se tentava dar alguma garantia à paternidade.

As histórias dos nossos avós estão repletas de casos de abandono, abortos clandestinos, infanticídios e mortes associadas à gravidez quer pela patologia inerente a ela quer pelos dramas sociais que despertava. Histórias que se repetem, com menor frequência mas igual intensidade e que ainda marcam o nosso dia-a-dia.

O meu avô Gomes registou algumas das que lhe chegaram da tradição ou por conhecimento pessoal do quotidiano da vila de Constância, nos inícios do século XX.

Hoje reconto uma dessas suas histórias, com a ousadia de lhe alterar a forma, interpretando-a de acordo com o meu sentir.

João Cavalo…


O verão lembrara-se de levar nas suas asas para paragens mais altas e distantes as águas do Tejo e deixara no seu leito uma carapaça areenta, dardejante de mica. Recortavam-no apenas uns regatos onde os barcos imobilizados, cochilavam há três meses as suas carcaças vazias, e os barqueiros andavam de nariz no ar a ver a direcção das nuvens, fartos de rogar pragas ao tempo e à vida, saturados de tirar cotão dos bolsos e de ver o nariz franzido do tendeiro.
Mas nesse primeiro de Novembro um fuzilar de relâmpagos rasgara o negrume, quais girandolas de foguetes em dia da procissão da padroeira e, num instante, um reboliço agitou as ruas da pacata vila e o campo de concentração onde os barcos jaziam insulados.
- Que chovam raios e coriscos! – blasfemou o João da Barca, esticando os músculos faciais.
- Caramba! Até parece a noite da festa da Boa Viagem! Que venha chuva por uma pá velha! – respondeu o Zingalho, esfregando as mãos e fazendo tremelicar a barbicha branca à passa-piolho.

As tripulações formigavam entre as casas dos arrais e os barcos, arqueadas sob o peso dos oleados, fateixas, remos e varas, faziam retinir nas calçadas as correntes de ferro, como se uma leva de grilhetas fosse a caminho das galés.
O arrais Jacinto Ferreira foi o primeiro a chegar à embarcação. Atirou com o saco da roupa para o convés, e estacou boquiaberto, de olhos arregalados sobre o embrulho pousado em cima da proa.
-Então querem lá ver a pouca vergonha!? – rouquejou, enquanto tomava a serapilheira nos antebraços e lhe dava um leve balanço, ao ver o enjeitado nu, embrulhado num farrapo.

A Tuleta, velha, que passava no meio das outras lavadeiras, aproximou- se e interrogou o céu, de mãos postas: -Mas quem seria a marvada?!, e a Luísa Godinho, pousou os lábios ressequidos na grande mancha roxa que aflorava, como um girassol, no peito do recém-nascido, e murmurou docemente: - Se Deus te assinalou, algum defeito te achou!”

O falatório começou e o conta-gotas da calúnia pingou aqui e além, mas o frete viera de longe e a atestá-lo lá estavam bem visíveis as ferraduras do animal que o conduziu. Ninguém iria ali dar de beber daquela água lodosa, onde desaguava um esgoto.
Mas triste de quem der um ai, sem achar eco em ninguém. Quis o destino que a criança vingasse sugando as tetas famintas de uma pobre mulher. Aparecera na vida para ser cobaia da rapaziada do pião, bode expiatório de pecados alheios e todos o deixavam a coçar a grenha encarniçada, quando o pontapeavam ou lhe arranhavam a cara sardenta. Alcunharam-no de João Cavalo.
Não fui eu, foi o João Cavalo! Era o finca-pé de qualquer pícaro, apanhado quase em flagrante, perante um vidro partido ou coisa desse teor. E o filho das tristes ervas, hoje ou amanhã, ia receber os sopapos, sem saber a quem agradecer os benefícios.


Aos dez anos foi moço de leme do arrais Joaquim Russo, que o fez dançar as escovinhas com as cordas do leme e lhe pôs asas nos pés para a vida de moinante. Hoje à gandaia do rio, amanhã a servente de pedreiro, pastor de cabras ou moço de cavalariça, assim foi andando até lhe penderem das faces, como dois cachos de uvas, as suissas alaranjadas.

Todos os seus companheiros de infância recebiam das gerações mais novas o tratamento de senhor. Só ele era o João. João Cavalo, para aqui e para acolá. Um humilhante tu na boca de velhos e fedelhos, a causarem-lhe arrepios dolorosos. Reagia algumas vezes, mas riam-se-lhe nas barbas.


Um dia, o bonifrates do funileiro, recém-chegado à aldeia, com os seus pedantescos cabelos frisados e a boquilha de palmo, tratou-o depreciativamente por tu. O recalque não podia ser maior quando lhe saiu da boca a frase que lhe alteraria o futuro:
- Em que barca passou você comigo, seu papo-seco das panelas?
Palavra puxa palavra e em três tempos choveram tantas pedras, que a latoaria ficou transformada numa barraca de pim-pam-pum e a cabeça do artista num Santo Cristo.

Convencido de ter assassinado o latoeiro, meteu à deriva por montes e vales, sentindo chocalhar o coração ao ouvir o crocitar dum corvo, o triste pio de um mocho ou ao ver escorregar uma sombra, pensando sentir o mestre Cristóvão, ferreiro, o regedor, que não era bom de se assoar. Dois dias depois apareceu por um bambúrrio no monte do Paivó, no âmago da charneca. Ali só cigano poderia dar notícias dele. Diziam as más-línguas que em tempos remotos, ali houvera uma estalagem, valhacouto de quadrilhas do pinhal do Escarópim, e que, no sítio onde agora era o curral das cabras, saíam lumes pelas frestas, que mais não eram que as almas dos enterrados naquele solo depois de roubados e assassinados. Aquele monte fora um baldio sem nome, mas quando se começou a rosnar que a actual proprietária, uma sexagenária ainda fanchonaça, era fruto incestuoso do próprio pai, toda a gente começou a chamar-lhe o monte do Pai-Avô.

Já lá iam quatro anos que João ali caíra como sopa no mel. O abegão da casa, nascido e criado ali, estava um cangalho, cartacego e trôpego. O Sr. João, depois de guardador de porcos, ocupara-lhe o lugar, mas não ficou por aí. O Rodela, marido da velha, ex-guarda municipal, fanfarrão e zaringador de pau, apanhara uma tal coça na feira de Montargal que fora desta para melhor. E quem melhor para o substituir senão o Sr. João? Serviçal como ele nunca a lavradora tivera. Era pau para toda a obra e muito principalmente para fazer caldeirada à fragateira, bem apimentada, que aquecia e regalava a patroa. Estava como peixe na água e casar com ela, apesar da diferença de idades, foi a coisa mais natural.
Os dias corriam no meio de trabalhos e canseiras, com o Sr. João de patrão, até aquela maldita vaca, recentemente adquirida, deixar a cria e correr impetuosamente para lhe espezinhar o peito e furar os intestinos, ao vê-lo entrar no estábulo.
Aos gritos acorreram o abegão e velha senhora e, quando nos primeiros socorros, foi necessário rapar a floresta de cabelos ruivos que lhe barrava o peito e surgiu aquela mancha roxa, a lavradora ficou imóvel. Trocou um olhar com o abegão, que também não descravava os olhos da flor de girassol, e interrogou:
- Mas tu não atiraste com o menino ao rio?
E, enquanto as pálpebras do Sr. João Cavalo entremostravam os últimos sons da vida que se lhe filtravam em direcção ao céu, o abegão confessou:
- Não tive coragem para tanto! Deixei-o sobre a proa de um barco. Há um mês, por coisas que me contou, fiquei convencido de que era ele mesmo. É as ventas pintadas do Rodela, o mesmo cabelo ruivo, a mesma cara sardenta, o mesmo nariz de batata e até um pouco gago como pai!

domingo, 9 de setembro de 2012

Noé Dinis









Quem ontem me tivesse seguido os passos, ver-me-ia em Famalicão numa visita a obras do arquitecto Noé Dinis naquela cidade: o Parque da Cidade e o Edifício das Lameiras.
O Parque, que irá ser inaugurado a 28 de Setembro, é uma obra com 320 mil metros quadrados de área verde com um conjunto de equipamentos culturais de lazer.
O Edifício das Lameiras é um quarteirão de 290 habitações sociais, 30 lojas comerciais - um “Espaço Social, Desportivo e Cultural”. A sua construção iniciou-se em 1978, e começou a ser habitado em 1983. A Associação de Moradores formada em 1984, mudou-lhe a imagem e criou creche, jardim-de-infância, ATL, centro de dia, apoio domiciliário e lar de idosos. Uma aldeia dentro da cidade para as cerca de 1600 pessoas que ali moram.
Noé explica as dificuldades. Coisas da arquitectura que passam ao lado da maior parte de nós. A gestão das inúmeras variáveis para que as obras cumpram as funções e permitam a evolução dos seus utilizadores.
No restauro da minha casa preservou os fantasmas e ensinou outro modo de viver. Ali, lutou por aproximar as pessoas, facilitando-lhes a vida e a saúde, sem elitismos e num respeito profundo pelo que podem e devem ser os espaços públicos.
Vale a visita.