Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
sexta-feira, 31 de julho de 2009
Pessoa
Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
quinta-feira, 30 de julho de 2009
O Elefante Branco
Ainda por cima, o cortesão teria de lhe dar abrigo magnificente, alimentá-lo opulentamente e ter ao seu serviço dispendiosos cornacas que o deviam tratar como um animal de luxo.
quarta-feira, 29 de julho de 2009
Tentativa de Suicídio
-“Fui eu que tomei uns comprimidos para me matar!”
-“Para te matares?”, questiona-a incrédulo, –“Tu, com o comboio a passar de meia em meia hora à porta de tua casa, foste gastar dinheiro em comprimidos?”.
terça-feira, 28 de julho de 2009
Uma Horta
Regá-la diariamente, enquanto se programa o trabalho de amanhã.
Estar atento a toda a bicharada que se aproveita do nosso trabalho, desde as lagartas nas couves, às toupeiras nas cenouras, e antecipar adubos e tratamentos.
Mais o cavar, o sachar, o estacar, o atar, o apanhar e o limpar.
...
E saber que há supermercados … para as ineficiências!
segunda-feira, 27 de julho de 2009
Fazer tijolo
"A sua origem vem, segundo se diz, do velho cemitério mouro que existiu para as bandas de Olarias, Bombarda e Forno do Tijolo em Lisboa. O almacáver, isto é, o cemitério mourisco, alastrava-se numa grande extensão por toda a encosta, lavado de ar e coberto de arvoredo.
Após o terramoto de 1755, quando começou a edificação da cidade, todo o barro era pouco para as construções e daí o aproveitar-se todo o que aparecesse. O cemitério árabe foi tão amplamente explorado que, de mistura com a excelente terra argilosa, iam também ossadas para fazer tijolo". in " A vida misteriosa da palavras" de Gomes Monteiro e Costa Leão
domingo, 26 de julho de 2009
Coros para educar
What sweeter music can we bring
than a carol for to sing
the birth of this our heavnly king.
Awake the voice, awake the string.
Dark and dull night fly hence away
and give the honor to this day
that sees december turn'd to may.
That sees december turn'd to may.
Why does the chilling winters morn
smile like a field beset with corn?
or smell like a meadow newly shourn.
Thus on the sudden come and see.
The cause why things thus fragrent be.
Tis' he is born who's quickening
birth gives life and lustre public mirth
to heaven and the under earth.
We see him come and know him ours
who with his sunshine and his show'rs
turns all the patient ground to flowers.
Turns all the patient ground to flowers.
The darling of the world is comeand
fit it is we find a room to welcome him.
to welcome him.
The nobler part of all the house here is the heart
Which we will give him and bequeath,
this hol-ly and this ivy wreath.
To do him honor who's our king
and Lord of all this reveling
Espanta-me o profissionalismo destes miúdos.
John Rutter - Compositor e maestro, nasceu em Londres em 1945. Coro do King's College Cambridge - 2008
sábado, 25 de julho de 2009
Medicina Baseada na Indolência
Estudava mais roteiros turísticos que a sua arte, pois eram a História, a comida e as tertúlias que lhe davam razão ao estar.
Vivia numa auto-imposta pré-reforma, e praticava uma Medicina Baseada na Indolência.
sexta-feira, 24 de julho de 2009
A Banda da Salvada
A cena passa-se em Beja e numa aldeia das suas imediações – Salvada, na primeira metade do século XX.
Há um senhor que é informado que o mestre da Banda de Música da Salvada anda “enrolado” com a sua esposa. Não sabe quem ele é, e decide ir àquela aldeia assistir ao ensaio da Banda, para aí o poder identificar e “tirar de esforço”.
A frase ficou, e eu uso-a quando vejo qualquer equipe funcionar sem respeito pelas hierarquias e pelas funções.
quinta-feira, 23 de julho de 2009
Construção Civil
quarta-feira, 22 de julho de 2009
No Tribunal.
-Queres ver que fomos chamados todos outra vez?
-É garantido! Ali está C e ali D!
-Estes gajos não sabem trabalhar. Tratam-nos como se andássemos todos de costas ao alto!
O Processo é de 2003, entre audiências e adiamentos, esta é a sétima vez que aqui vimos, para dizer o que já dissemos, umas vezes no Juízo Cível, outras no Criminal.
-É o que acontece quando os malucos andam à solta! Quem paga é quem tem juízo!
-Não é bem assim! Maluca só há uma, e essa já morreu! Os outros andam a safar-se!
Recapitulemos:
A Sra. Balbina era esquizofrénica de longa data. Vivia sozinha e recusara qualquer tratamento. Um dia foi encontrada inanimada por vizinhos e levada para o Hospital em coma diabético. Recuperou e, por continuar a recusar viver com a família, foi-lhe assegurado apoio domiciliário com uma sua antiga aluna. Manteve a recusa da medicação e entrou no SU do Hospital várias outras vezes com graves descompensações da doença.
Da última vez, teve alta já com grande degradação. Estava acamada, tinha escaras e mal respondia à voz. Morreu dias depois.
Mas … antes de morrer, pôs a impressão digital num documento que alterava o seu testamento em favor da cuidadora.
E aqui, é que está o problema.
A doente tem diagnóstico clínico de esquizofrenia e, mesmo que o não tivesse, todo o seu comportamento nos últimos 10 anos o apoia.
A tentar safar-se:
1: A Cuidadora que pensa que alguém que sabe escrever, que está na plena posse das suas faculdades mentais e sem qualquer défice motor identificado, autentica um documento com uma impressão digital.
2: O Notário que dá cobertura a uma cena destas.
3: O Tribunal, que vai vivendo com estas questiúnculas, e evita assim lidar com casos complexos.
E os quatro médicos chamados a depor, mais as 15 testemunhas, a assistir à divisão do bolo da herança.
terça-feira, 21 de julho de 2009
Loucos à solta - O fim dos Manicómios
O termo Manicómio surge no século XIX para designar mais especificamente o Hospital Psiquiátrico, já com a função de dar um atendimento médico sistemático e especializado.
Philippe Pinel (1745-1826), influenciado pelos ideais da Revolução Francesa inicia a abordagem da questão dos "loucos" como um assunto médico-científico, sem contudo mudar a prática dos tratamentos que se mantiveram fundamentados no conceito de que um "choque" que fizesse o doente passar por uma sensação intensa, o poderia tirar do seu estado de alienação. Eram correntes as práticas de sangria, de isolamento em quartos escuros, de banhos de água fria, além dos aparelhos que faziam com que o paciente rodopiasse em macas ou cadeiras durante horas para que perdesse a consciência.
Com Freud (1856 – 1939) e a psicanálise, com os Psicofármacos (de 1950 em diante) e o desenvolvimento dos recursos de diagnóstico, dá-se o esvaziamento progressivo dos macro-hospitais psiquiátricos – os Manicómios.
Em meados do século XX surgem movimentos que apontam críticas ao atendimento dispensado nos Hospitais Psiquiátricos, acusando-os de promoverem isolamento, reclusão, abandono, estigmatização e tratamentos inadequados, elementos propiciadores de um percurso institucional cronificante, e propõem um atendimento que garanta a sua dignidade, enquanto cidadãos.
Usa-se uma nova linguagem: “atender às necessidades do cidadão portador de um sofrimento psíquico, num tratamento mais humanizado, mais socializante, mais solidário e mais eficaz, visando as suas relações familiares, de trabalho e também assistenciais, de forma a melhor inseri-lo no seu meio, oportunizando mais espaços de socialização e de recuperação das suas potencialidades, reabrindo a sua comunicação na família e no seu ambiente social, trazendo a ele um sentido mais significativo de existência".
domingo, 19 de julho de 2009
Eu sei a mulher que tenho!
- Sr. Firmino! As suas análises, não estão bem! Aqui há indícios de que você continua a beber!
- Sr. Dr., é só uma taça de longe em longe! Só se foi de uma cerveja gelada que eu bebi no domingo anterior às análises!
Não tinha jeito. Numa fraqueza condescendera em ir ao médico. Com pouco mais de 40 anos, era a mulher que lhe fazia tudo, desde o trabalho da casa ao negócio do Café, enquanto ele passeava de mesa em mesa ou fazia pequenos recados.
- “Oh Sr. Firmino, você nem se entretém com o trabalho! Assim a sua mulher não aguenta!”
- “Aguenta sim Sr. Dr.! Eu sei a mulher que tenho!”
- “Aguenta agora! Olhe que ela não é de ferro. Um dia cansa-se, e vocês ficam sem o sustento!”
-“Oh Sr. Dr. Não cansa nada! Eu sei a mulher que tenho!”
- “Mas olhe que se não cansa, farta-se de si e deixa-o!”
- “Não deixa nada Sr. Dr.! Eu sei a mulher que tenho!”
E ela com os olhos baixos, sem conseguir enfrentar aqueles 40 Kg de homem.
sexta-feira, 17 de julho de 2009
Panis Angelicus
St. Philips Boys' Choir, Norbury, UK. Gravado em Julho de 1987. Solistas Jaymi Bandtock e Sam Harper.
Texto em Latim de Tomás de Aquino (1227-1274), e música de Cesar Franck (1822-1880)
Panis angelicus fit panis hominum;
Dat panis coelicus figuris terminum:
O res mirabilis!
Manducat Dominum
Pauper, pauper, servus et humilis.
Pauper, pauper, servus et humilis.
Pão dos anjos que se torna o pão da humanidade!
Pão do céu que é o fim de todos os desejos.
Oh, coisa maravilhosa!
Este corpo de Deus irá alimentar
Até os servos mais pobres e humildes!
Para mim o Pão do Céu é o Conhecimento Estruturado. É ele que irá salvar os pobres e os simples dos abusos e prepotências.
Mas para isso, é necessário que as novas Catedrais sejam as Escolas e os Bispos os Professores.
quinta-feira, 16 de julho de 2009
Esquizofrenia Residual
- “É estigmatizante para mim, ... Sr. Dr.! ... Ficar aqui ... não se faz, ... é coarctar a liberdade das pessoas, ... Sr. Dr.!
E eu a escrever os tópicos dos seus 15 anos de esquizofrenia e alcoolismo, ditados pela sua mãe, enquanto ele, inquieto, arrastava os pés pelo consultório:
-“Ficar aqui, ... à beira dos tolos, ... Sr. Dr.?! Deixe-me ir embora! ... É que ainda por cima, ... esqueci-me do tabaco, ... Sr. Dr.!”
...
-“Então a Sra. foi visitá-lo a casa, e encontrou-o em coma?, e ele a interromper, enfastiado e pastoso: - Oh mãe! ... Em coma? Mãe?! ... Eu só bebi duas taças, Mãe!
Vive só, tem uma pensão de invalidez. Estudou Direito. Nos 3 últimos anos veio 40 vezes ao Serviço de Urgência, muitas delas trazido pela Policia por desacatos.
quarta-feira, 15 de julho de 2009
Uma Mania
terça-feira, 14 de julho de 2009
Made in China
Lie Jie, nasceu na China em 1981.
Iniciou a aprendizagem de guitarra clássica aos 11 anos.
Este vídeo é de 1995, quando ela tinha 15 anos.
segunda-feira, 13 de julho de 2009
Trás-os-Montes 1977
domingo, 12 de julho de 2009
Consulta HIV/SIDA
Há que ser discreto, subtil e paciente para garantir um razoável atendimento e estar disponível para se medir com a doença e com uma eventual disfunção social, neste jogo onde a vida se joga.
Os meios auxiliares de diagnóstico e o tratamento específico são muito caros, e os utentes raramente se apercebem disso!
-"Sra. Dra! Esta Consulta é especial? Tem doentes tão estranhos! Não quero voltar cá!", dizia a Dona Rosa, no momento em que o Paulo Jorge assomava à porta, sem bater, para perguntar:
…
-"Sr. Luís! Os medicamentos são para tomar! Deste jeito o Sr. não melhora! Estamos para aqui a dar-lhe os medicamentos de graça, que são bem caros, e o Sr. não os toma! A continuar assim, deixamos de lhe dar os medicamentos!"
sábado, 11 de julho de 2009
Conversa de Sábado
Fala de 1964 como se fosse hoje, com a minúcia dos minutos e das respostas quando questionou o inquestionável – a Igreja.
O Seminário dera-lhe corpo a uma vocação onde a solidariedade era a alma. Por opção, foi padre numa paróquia dos arredores de uma grande cidade e ao discurso juntou a prática e organizou vontades. Fora dos poderes instituídos, promoveu a construção de habitações para os pobres e, numa atitude dissonante, recusou o pagamento dos rituais.
Aos 30 anos decide ingressar na Universidade. Pergunta "se 15 anos de Seminário lhe dão equivalência a curso superior", e espanta-se por o equipararem ao 2º ano do Liceu.
Em 2 anos, termina o 7º ano (actual 12º) para concorrer a Medicina. “Que não pode! Onde é que se viu um padre médico? Há incompatibilidades!”. Rebusca na legislação canónica e encontra uma alínea que o poderá permitir – a anuência do Ordinário do lugar (o Bispo). Confronta-o, já em plena crise de valores, e obtém o seu acordo, mas a polícia política está já no seu caminho. Resigna e foge para Paris.
Aí dorme nas saídas de ar do Metropolitano, e trabalha ilegal a descarregar carcaças de animais num Mercado. “Bom tempo! Ganhava por carcaça, e alimentava-se de baguettes e leite. Tanto que eu gostava daquelas baguettes francesas!”
Mais tarde, irá transportar móveis, para se formar, com nota elevada, pela Universidade de Paris.
Depois teve um percurso universitário, que se prolongou para Portugal com o 25 de Abril.
Mas o que me surpreende, é o modo como ainda se refere ao tempo perdido no Seminário, aos conceitos que lhe incutiram sobre a mulher e o seu corpo, e ao seu espanto de saber de professores seus, homens de uma dignidade e postura exemplares, se manterem fiéis a Roma e aos seus dogmas.
E eu a ouvir na mesa do Café ao lado, antes dele chegar, que se pode mudar de mulher e de partido, mas de Clube é que nunca!
quarta-feira, 8 de julho de 2009
O Spider-man
De repente fez-se luz! Ele tem um Spider-man qualquer dentro da cabeça e, se for forçado, caminhará para a tragédia.
Como ele, assumiu o anonimato e “a defesa dos pobres e desprotegidos” numa “luta sem tréguas contra o mal”.
A imaturidade afectiva e as fantasias de poder são comuns em crianças com défice de contactos interpessoais, fora do círculo restrito familiar, a quem as mães tendem a satisfazer todos os desejos.
Quando persistem na idade adulta, levam-me a suspeitar de Perturbação de Personalidade.
terça-feira, 7 de julho de 2009
Morango do Nordeste
A composição dos pernambucanos Walter de Afogados e Fernando Alves, fez sucesso, no Brasil, no ano 2000 e por cá muito mais tarde.
A letra apresenta frases desconexas, que se trauteiam só por conterem palavras comuns neste tipo de música.
Estava tão tristonho quando ela apareceu
Seu olhos que fascinam logo estremeceu
Os meus amigos falam que eu sou demais
Mas é somente ela que me satisfaz
É somente ela que me satisfaz
É somente ela que me satisfaz
Você só colheu o que você plantou
Por isso que eles falam que eu sou sonhador
E digo o que ela significa p’ra mim
Ela é um morango aqui no nordeste
Tu sabes não existe sou cabra da peste
Apesar de colher as batatas da terra
Com essa mulher eu vou até p’ra guerra , (vou)
Aai, é amor, Aai é amor, É amor
Aai, é amor, Aiaiai é amor, É amor
Será que faz sentido, não ter sentido? Será assim o amor? Um tufão de ideias soltas?
segunda-feira, 6 de julho de 2009
Kami
Entraste de rompante e agora debates-te com o problema. É que isto de ser jovem e ter direitos, não é tão natural como tu pensas.
Aqui todos temos o espaço que fomos construindo ao longo dos anos, e as tuas nove semanas não te permitem entender o que é o direito ao sossego.
Não chegaste para ser dona disto, nem tens a mãezinha a controlar os teus desmandos exploratórios. Aqui há regras! Tens que fazer a Integração, aprender o que está nos Manuais e assistir às Reuniões para te aperceberes como isto funciona.
Primeiro há que respeitar os outros e não vir a correr feita louca enfiar os dentes em tudo o que mexe. Segundo, o Troll chateia-se com o teu excesso de juventude, e nem as tuas manhas femininas às primeiras ladradelas o comovem.
Queres um conselho? Vai de mansinho e lambe-lhe o focinho ou enrosca-te nele quando o topares deitado. Aprende-lhe o ritmo antes de lhe impores o teu, até porque vais ter de te esmerar para conquistar o gato que tem um feitio do pior que há por aí.
Ficas Kami, porque apareceste como um terramoto a desestabilizar a paz deste espaço.
Kami (mitologia japonesa): “sob a Terra – de planícies juncosas – jazia um Karm (um ser sobrenatural) que tinha a forma de um barbo e que, ao mover-se, fazia estremecer a terra, até que o Magno Deus da ilha de Cervos enfiou a lâmina da sua espada na terra e lhe atravessou a cabeça. Quando o Kami se agita, o Magno Deus agarra o punho e o Karm volta à quietude”
domingo, 5 de julho de 2009
Teatro do Absurdo: “O médico doente”
Dr. Chefe – chefe de Equipe
A peça deve ser representada sem entreacto. Entre as cenas, o ruído do corredor deve intensificar-se, salientando-se, à vez, um tipo de conversa - um convite de um profissional para um encontro, o de um familiar a combinar um negócio, … raramente uma informação sobre a saúde de algum doente.
Antes de cada cena, respeitam-se 30 segundos de silêncio, em que os actores param, marcando assim o hiato de tempo.
Durante a representação o corredor deve estar cheio de macas, e com um constante vai vem de pessoas e profissionais, muitos deles falando ao telemóvel ou a clicar mensagens.
No corredor caminham em direcções opostas o Dr. Chefe e o maqueiro, que se encontram.
Maqueiro (discretamente, indicando uma jovem senhora chorosa, que está sentada com uma criança ao colo): Dr. Chefe, aquela senhora quer falar com o Chefe de Equipa. Pode atendê-la?
Dr. Chefe: Então que se passa?
A Sra. Vítima, sai sorrateiramente pela porta, enquanto o pano desce.
sábado, 4 de julho de 2009
sexta-feira, 3 de julho de 2009
Eu de Psiquiatra
-"Oh Sr. Avelino, então você anda a ver bichos?", pergunto, enquanto lhe disponibilizo a cadeira. Ele senta-se titubeante, com os dedos em pinça sobre o dorso da outra mão como a retirar linhas por lá pousadas, olha para mim, para se certificar da minha atenção, e diz:
-"Olhe aqui, … a cara de uma criança! e aqui … uma minhoca! Isto aqui não é nenhuma veia!” afirma com quem pergunta. -"Mas não tem problema, que eu vou-os tirando, e ... até me entretenho!", e levanta a cabeça para me presentear com um sorriso pastoso.
Ao lado, a mulher cansada de tanto repetir as mesmas coisas, ainda o tenta trazer à realidade:
-"Oh homem não digas isso, que tu há duas noites que não dormes por causa dos bichos que dizias que nasciam das paredes.
-"E estavam!", diz a marcar a posição. -"Eu vi-os!”, e para me lembrar das contrariedades a que um homem está sujeito, vira-se para mim de mãos abertas e eleva os ombros: -“Está a ver! É assim que nascem as paranóias!"
Hoje não existe psiquiatra na equipe de urgência que chefio. Sou eu que tenho de decidir quem fica para amanhã, quem vai transferido para observação urgente pela especialidade e quem pode voltar noutro dia.
Hoje vão ser onze. Este é o quinto. O maior problema dos homens é o álcool, o das mulheres "as depressões".
Negoceio soluções, já que muitos dos casos não constituem urgências.
Esta mulher, está determinada a por termo àquele desmando: -"Oh Doutor! Até tive de sair de casa e ir dormir para a roulotte, porque ele estava sempre a chamar, porque eu também tinha que os ver!”
Para tentar perceber o grau de disfunção, arrisco mais uma pergunta.
-"Então, se a Sra. foi para a roulotte, como é que sabe que ele não dormiu nada durante a noite?
E a pobre senhora a condescender, mais aquele pormenor:
-"É que ele apareceu lá, nem passava meia hora. Foi de cuecas pela rua, com o gato numa mão e um vaso da vizinha na outra, assim pela rua às 3 horas da manhã, os 100 metros entre a casa e o local onde a roulotte está estacionada".
-"E ficou lá a dormir consigo?"
-"Não, porque quando lá chegou também lá viu os bichos e quis voltar para casa".
Agora, viro-me para ele, para lhe entender a mente:
-“Olhe lá, e para que é que você levou o gato e o vaso?”
-“O gato era para que os bichos não lhe fizessem mal e o vaso era para afastar os bichos”.
-“Ah! e depois?”, e retomo a conversa com aquela senhora magra e bem vestida, que destoa ao lado dele, e que delicadamente me responde, sem restrições.
-“Depois Sr. Dr., na ida para casa, começou a dizer que via uns rapazes escondidos atrás das árvores, a rir-se dele. Mas não estava lá ninguém!”
E ele a interromper prontamente:
-“Estavam, estavam! Só que eles põem folhas em cima para se disfarçarem e ficam quietos como estátuas, para a gente pensar que eles fazem parte da árvore. São uns rapazolas! Fazem aquilo só para brincar. Mas estavam lá. Que é que tu estás para aí a dizer!”, emendava, enquanto ela retomava o discurso:
-“E depois Sr. Dr., pu-lo em casa e voltei para a roulotte e ele chamou a Polícia pelo 112, a dizer que estava a ser assaltado e, quando esta lá chegou, ele tinha uma pistola e uma faca da cozinha na mão e ficou a dizer-lhes que tinha prendido ali três moços que o tinham assaltado.”
-“Oh sr. Avelino! Você tinha-os preso?”, pergunto-lhe com o meu melhor ar de incrédulo.
-“Sim! Um era preto, tudo rapazes novos, deitaram ácido por baixo da porta e tiraram o canhão da fechadura. Levaram os 130 Euros que eu tinha no saco de plástico.”
-“Mas se você os apanhou, como é que o roubaram?”
-“É que um ficou cá em baixo, e eles atiraram-lhe o dinheiro! A Polícia levou-os, mas depois mandaram-nos embora e eles voltaram para roubar outra vez.”
Aí a senhora intervém de novo, a tentar salvar-lhe os bons princípios:
-“Não roubaram nada, nem havia moços nenhuns, Sr. Dr.. A pistola não tinha carregador! Ele tinha-a encontrado à beira da roulotte e estava para lá. Mas a polícia levou-lha!”
…
-“Sr. Avelino, você vai ter de ficar cá connosco!"
À procura de um rasgo de lucidez, endireita-se. -“Nem pensar! Eu esta noite tenho de ir vender para a beira da discoteca os cachorros e as bebidas. Hoje não fico!”, e tenta tirar a agulha do braço, enquanto a mulher o contém:
-“Oh homem, tu tens de ficar. Eu trato do negócio!”
O Sr. Avelino, com um meio sorriso condescendente repreende-a: -“Olha lá! Como é que tu levas a roulotte? Tu não tens licença. A licença está em meu nome!”
E ela, sem paciência para mais argumentos, a olhar-me com aqueles olhos de muitos anos de mau viver:
-“Oh Dr., ele não pode ir assim. Há dois dias que não tenho descanso!”
Assumo como meu todo aquele desespero, levado até ao limite da tolerância:
-“Sr. Avelino! Vamos combinar! Você toma uma injecção para limpar essa garrafa de whisky que bebe todos os dias, e depois vai embora! Está bem?”.
-“Está!”
...
Abençoadas benzodiazepinas de acção rápida!
quinta-feira, 2 de julho de 2009
Uma esmolinha por amor de Deus
Ioana Gandrabur nasceu na Roménia e emigrou para o Canadá aos 16 anos. É cega de nascença.