Santiago
por Castela! São Jorge por Portugal!, era assim que eu entendia o início das batalhas que, nos
primórdios da nacionalidade, nos opunha às investidas dos espanhóis, sem nunca
entender o porquê de o terem elegido patrono das nossas Forças Armadas.
Verdade seja
dita que só há bem poucos anos me deu para ler alguma coisa sobre a hagiografia
(descrição da vida e prática de virtudes heroicas) dos santos e beatos das
igrejas cristãs e, como seria de esperar, deparei-me com um sem-número de
confabulações que caracterizam a construção dos mitos.
Neste espaço já
escrevi sobre Santa Luzia, Santo Onofre, Santo Antão, S. Roque, S. Fiacre, S. Brás e mais
uns quantos que, por uma razão ou outra, se meteram no meu caminho e me
despertaram a curiosidade. Desta vez foi o São Jorge, pela mão de Edward
Gibbon, que é reconhecido como o pai da historiografia moderna, no seu livro de
1776, The History of the Decline and Fall of the Roman Empire.
Aquilo que tradicionalmente se diz do santo está envolto numa bruma lendária, de
veracidade mais que duvidosa, a ponto do Papa Paulo VI o ter retirado do
calendário litúrgico. Gibbon era historiador e escreveu baseado em documentos e
não na tradição, e surpreendeu-me a discrepância da vida real do "santo", face ao que
depois dela contaram.
Resumo das
páginas 511, 512, 513:
“Jorge,
cognominado o Capadócio (na actual Turquia), devido à origem dos pais e ao local
da sua educação, era filho de um pisoeiro. Elevou-se a partir deste nascimento
obscuro e servil por via dos talentos de um parasita; e os protectores, a quem
lisonjeava assiduamente, arranjaram a este indigno valido uma comissão
lucrativa, ou um contrato, para abastecer o exército de carne de porco salgada.
Tinha um emprego mesquinho e tornou-se infame. Acumulou riqueza lançando mão
dos mais baixos meios de fraude e da corrupção; mas as suas malversões eram tão
notórias, que Jorge se viu forçado a fugir às buscas da justiça. Depois desta
peripécia em que parece ter salvo a fortuna à custa da honra, adoptou, com
sinceridade ou hipocrisia, a profissão do arianismo. Mercê do seu amor
verdadeiro ou fingido às letras, reuniu uma valiosa biblioteca de História,
retórica, filosofia e teologia, e a escolha da facção cristã dominante, elevou Jorge da
Capadócia ao lugar de Bispo de Alexandria no Egipto.
A entrada do novo arcebispo foi a de um conquistador bárbaro, e cada momento do seu reinado ficou manchado pela crueldade e a avareza. Os católicos de Alexandria e do Egipto acharam-se abandonados a um tirano …que alardeava a pompa e a insolência da sua alta posição, continuando a mostrar os vícios da sua baixa e servil extração. Os mercadores de Alexandria viram-se empobrecidos pelo monopólio injusto e quase universal que ele conseguiu do nitro, do sal, do papel, dos funerais, etc.; … Os alexandrinos jamais puderam esquecer ou perdoar o imposto que ele sugeriu sobre todas as casas da cidade, sob o obsoleto pretexto de que o régio fundador da cidade, transmitira aos seus sucessores, os Ptolomeus e os Césares, a propriedade perpétua do solo.
…
Sob o reinado do imperador Constâncio, foi expulso pela raiva, ou antes, pela justiça do povo; e só com uma violenta luta se conseguiu restaurar a autoridade dos poderes civis e militares do Estado. … Jorge e dois dos seus obsequiosos ministro, foram vergonhosamente conduzidos acorrentados para a prisão pública. Ao cabo de vinte e quatro dias, a prisão foi assaltada pela fúria da multidão supersticiosa, impaciente com a morosidade dos procedimentos judiciais. Os inimigos dos deuses e dos homens expiraram no meio de cruéis insultos; os corpos sem vida do arcebispo e dos seus companheiros foram transportados em triunfo pelas ruas, no dorso de um camelo e a passividade da facção atanasiana pareceu a toda a gente um notável exemplo de paciência evangélica. Os restos deste miseráveis criminosos acabaram por ser atirados ao mar. A morte louvável do arcebispo apagou a memória da sua vida. O rival de Atanásio era estimado e venerado pelos arianos, e a aparente conversão destes sectários introduziu o culto dele no seio da Igreja Católica. O odioso estrangeiro, depois de se adulterarem todas as circunstâncias de tempo e de lugar, assumiu a máscara de um mártir, de um santo e de um herói cristão; e o infame Jorge da Capadócia foi transformado no famoso São Jorge de Inglaterra, o patrono das armas, da cavalaria e da Jarreteira.”
Foram os
cruzados, que ajudaram a conquistar Lisboa aos mouros, a razão do nome de Castelo
de S. Jorge, em Lisboa. Dom Nuno Álvares
Pereira, Condestável do
Reino, considerou-o responsável pela vitória portuguesa na batalha de Aljubarrota e mandou erguer a Ermida de São Jorge em Porto de Mós, a testemunhar esse facto. O
Rei Dom João I de Portugal que também era devoto do Santo, substituiu Santiago Maior por São Jorge como padroeiro de Portugal e o
Jorge de Capadócia, deve-se estar a rir, … no Inferno!
Jorges da Capadócia, com protagonismo religioso, a viver naquela época, pode haver muitos, mas credibilidade cega, superstição infundada e fraude deliberada são marca constante em toda a história religiosa