sábado, 26 de fevereiro de 2022

Aerograma


Por falar em Natal!

Alguém se lembra das mensagens de Natal enviadas pelos soldados que combatiam nas ex-colónias e passavam na RTP, à hora do jantar? Se bem me recordo, começavam em Novembro e prolongavam-se bem para além do Natal e Ano Novo. As famílias entristecidas prostravam-se desarmadas à frente do televisor à espera de ver o seu filho, neto, irmão ou noivo por breves instantes na televisão a preto e branco. Os jovens rapazes (sim, eram só rapazes!) que haviam sido retirados das suas famílias e dos seus lugares, muitos deles analfabetos, apareciam à vez, de camuflado, camisa aberta e boné desalinhado na cabeça, a desejar Boas Festas à família, enumerando pais, avós, irmãos, tios, sobrinhos, noiva, namorada ou mulher, de modo mecânico, repetitivo em fórmula convencional em que os desejos de Próspero Ano Novo era frequentemente enrolado na língua, pela dificuldade deste estranho vocábulo.

Prosperidade era assunto a que eram alheios, tanto mais numa terra estranha onde combatiam sem saber quem ou porquê. Estranho era também estarem estes rapazes, em ambiente de guerra, a desejar Bom Natal... Também nos aconteceu esperar pela mensagem do único de nós que foi para a guerra em Moçambique. Não há Natal que não recorde o semblante sério com que se nos dirigiu, com votos de Bom Natal em oito palavras. Ficámos comovidos e impotentes... Como teríamos desejado que não fosse assim! Algumas das mensagens, quando escutadas, já tinham sido precedidas pelo terrível notícia que ninguém queria ouvir quando um seu ente querido parte para a guerra.... Que sofrimento!

A guerra colonial ainda não foi exorcizada entre nós. Ainda há muita dor por resolver.
Hoje, ao mexer nas gavetas encontrei um aerograma. Era assim que se chamavam umas folhas pré-formatadas em papel amarelo ou verde, isentas de selo, em que se fazia a comunicação com os militares. Um dia este aerograma apareceu na caixa do correio dirigido "à primeira jovem que encontrar na Rua da Constituição". Era o pedido modesto de um rapaz soldado para ter uma madrinha de guerra. Para mim, com 17 anos, era estranho este pedido, mas de alguma forma senti-me na obrigação de responder, não me recordo como, talvez de modo infantil... Na volta do correio (como então se dizia) chegou novo aerograma... Esse não guardei. Recordo apenas que pedia uma fotografia minha de preferência de corpo inteiro e em fato de banho... Assustada não respondi. Se realmente estes últimos Natais têm sido difíceis, não deixemos de pensar que já houve piores e continua a haver dor e sofrimento e que podemos disfrutar do que temos, enquanto temos.

História de M. H. S. G.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

O que eu vou lendo

 

Os perdedores, como os autodidatas, têm sempre conhecimentos mais vastos que os vencedores: se queres ser vencedor tens de saber uma coisa só e não perder tempo a sabê-las todas, o prazer da erudição está reservado aos perdedores. Quantas mais coisas uma pessoa sabe, mais as coisas não lhe correram como deveriam.

“Não se faça de ingénuo. Estamos a falar de finança, não de comércio. Primeiro compras, depois tratarás de que o dinheiro para pagar te chegue.”

 In “Número Zero” de Umberto Eco

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022

Joshua Lee Turner


Este tipo toca que se farta, canta como um canário e faz "pendant" com muita gente. É um gosto vê-lo e ouvi-lo.
Obrigado por te disponibilizares no Youtube! 

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022

Ciência

 

Eu acredito na Ciência. É uma fé com reservas, que nada tem de religioso. A Ciência é um clube internacional amigável, onde a maioria dos seus membros alimenta a esperança de um futuro melhor. Mas os cientistas são gente como nós, capazes dos maiores vícios e das maiores virtudes e, na sua curiosidade, podem não resistir a questões “éticas” e abrirem portas para o inferno.

Quando olhamos para o futuro numa escala de tempo de cem anos, que é o limite da nossa esperança de vida, devemos definir as causas a que se devem dirigir as nossas lealdades. As lealdades com a família, tribo e instituição estão profundamente enraizadas na nossa natureza e transcendem as nossas vidas individuais. Sem essas causas maiores que nós próprios, não seríamos humanos.

Cem anos é também o limite técnico para a previsibilidade. Qualquer tecnologia, como o carvão, o vapor, a electricidade, o microChip, o ADN recombinante ..., fica dominante, no máximo, durante cem anos, até ser eclipsada pelas suas sucessoras, que não se podem prever, pois basear-se-ão em descobertas ainda não efectuadas.

Há duas espécies de revoluções científicas. As provocadas por novos instrumentos e as que derivam de novos conceitos. O efeito de uma revolução de base conceptual consiste em explicar velhas coisas de novas maneiras (Copérnico, Newton, Darwin, Maxwell, Freud, Max Plank e Einstein). O de uma revolução baseada nos instrumentos é descobrir novas coisas que têm de ser explicadas (Termómetro, Microscópio, Luneta astronómica, Barómetro, …, a Máquina de fiar, Máquina a vapor,… Microscópio electrónico, Computador e Bancos de memória, …)

Mas o "saber" é perigoso, como aprenderam Adão e Eva ao provarem o fruto proibido da árvore do conhecimento. Os deuses não querem que o Homem algum dia se lhes equipare e fazem com que as suas descobertas lhe acarretem cada vez maiores riscos, coisa nem sempre entendida por alguns governantes, pois, na política, arriscar uma má decisão é melhor que ser indeciso, enquanto que na Ciência se ganha respeitabilidade quando se diz “mais vale seguro que arrependido!”

E, no Mundo, quem decide o que se faz e o que não se faz, não são os cientistas!

O problema fundamental para a sociedade humana no século XXI, é o desajustamento entre a tecnologia e as necessidades básicas dos pobres – habitação, saúde, educação. A separação entre tecnologia e necessidades é grande e está a aumentar. Se a tecnologia continua no seu curso actual, ignorando as necessidades dos pobres e inundando os ricos de benefícios, mais tarde ou mais cedo, os pobres revoltar-se-ão contra a tirania da tecnologia e optarão remédios irracionais e violentos. No futuro, como no passado, é provável que a revolta dos pobres empobreça igualmente ricos e pobres.

In “Mundos imaginados” de Freeman Dyson