sábado, 28 de abril de 2012

Augado




















“Mácabêeeeluu!” Era assim que me recebia o Cachopo “grande”, enquanto me passava a mão pela cabeça, como a despentear-me. Era ele o chefe. Irmão do Cachopo “pequeno”, meu companheiro de rua, ladino no futebol e exímio na arte de fazer cara de macaco.

Era um carinho e um sinal, para que se soubesse que ele me defenderia, por ser eu o mais pequeno.
Com o tempo, aquele gesto que eu recebia com agrado, chamou-me à atenção para o meu cabelo espetado e duro, impossível de despentear, diferente do da miudagem que já usava risca ao lado.
Um dia devo ter expressado o tormento desta diferença, pois lembro-me de me ter sido dada a explicação:

-Tens o cabelo espetado e andas sem apetite, porque estás “augado”!

Este diagnóstico tinha fundamento numa suspeita. A de eu ter ficado com "cisma" por me ter sido negada uma qualquer guloseima que desejara intensamente.
O caso deve ter sido discutido no fórum familiar e na casa das vizinhas, que depois do insucesso de dois frascos de vitaminas, propuseram um tratamento de uma amiga da minha avó. O problema resolvia-se comendo um bolo atrás da porta, e dando o sobrante a um cão.

O bolo tardava e passou a assunto divertido à hora da refeição, sem a devida nota de seriedade face à minha justa expectativa, o que não entrava na minha cabeça de sete anos. Mas eu que descansasse, que o bolo havia de vir, e a resposta para a demora estava nos rituais que deveriam ser cumpridos para que tratamento resultasse. Ele devia ser confeccionado com azeite e sete farinhas de milho e centeio, pedidas a outros tantos vizinhos, cozido em forno de pão, enquanto à porta dele se repetia uma reza, que mais tarde soube ser: “Em louvor de São Bento, vai o augado pelo forno dentro”

Por fim, lá veio o tão afamado bolo, que comi zelosamente de acordo com os preceitos. Mas talvez outros não tivessem posto o mesmo empenho, pois só aos 18 anos, e muito à força de Brill Cream, consegui colocar do lado esquerdo da cabeça o esboço da tão desejada risca.

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Fala do homem nascido


Venho da terra assombrada,
do ventre de minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.

Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.

Trago boca para comer
e olhos para desejar.
Com licença, quero passar,
tenho pressa de viver.

Com licença! Com licença!
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.

Minha barca aparelhada
solta o pano rumo ao norte;
meu desejo é passaporte
para a fronteira fechada.

Não há ventos que não prestem
nem marés que não convenham,
nem forças que me molestem,
correntes que me detenham.

Quero eu e a Natureza,
que a Natureza sou eu,
e as forças da Natureza
nunca ninguém as venceu.

Com licença! Com licença!
Que a barca se fez ao mar.
Não há poder que me vença.
Mesmo morto hei-de passar.

Com licença! Com licença!
Com rumo à estrela polar.

António Gedeão (1958)

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Mia Couto


23 de Abril - O Dia Mundial do Livro.
Para não ficar de fora, deixo aqui um que me fez e faz pensar.

Eu acredito que toda a ficção se fundamenta numa realidade que se conhece.
Mia Couto conta-nos um “outro viver”, tão distinto daquele a que estamos habituados, que nos obriga a parar repetidamente para entendermos a poesia dos conceitos e a realidade a que conduzem.
Ponho aqui este enquanto aguardo o próximo, que deve sair ainda esta semana.



Dia 4 de Maio, às 21.30 horas, na Sala Couto Viana da Biblioteca Municipal, vamos estar À conversa com... Mia Couto, a propósito do lançamento em Viana do Castelo do seu mais recente livro intitulado "A confissão da leoa".

domingo, 22 de abril de 2012

Polícia de Trânsito



Como o tempo muda!
Há bem poucos anos as multas infligidas pelas Brigadas de Trânsito, eram “aceitáveis”. Se alguém era “apanhado” sem cinto de segurança ou ao telemóvel, fazia um choradinho e, era muito provável que conseguisse derreter o coração de qualquer polícia.
Era assim desde tempos imemoriais.
Às vezes, quando o prevaricador era figura com alguma notoriedade, a coisa até podia tomar foros de caricato, como foi o caso do Sr. Dr. … "apanhado" por uma “pistola-radar”, numa velocidade muito acima do limite para aquele troço de estrada.
Segundo o próprio, viu determinação no modo como o polícia saíu para o centro da via, com a “pistola” numa mão e a fazer sinal de paragem com a outra, e uma notável flexibilidade quando ao reconhecê-lo, rapidamente transformou esse movimento numa “sorridente continência”, que acompanhou a passagem do seu elegante Mercedes CL500.
...
Há dias, um grupo de três raparigas, que iam a uma "formação" ao Porto, teve um acidente, que as deixou com escoriações ligeiras e um carro para a sucata. Ainda atarantadas viram chegar a Polícia de Trânsito, e, em vez do desejado conforto, o oficial passou-lhes, tecnicamente, uma multa de 250 Euros, por o carro ter ultrapassado, em 1 mês, a Inspecção Periódica Obrigatória.
Novos tempos!

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Agonias



Em casa dos meus sogros havia sempre um cão, para dar sinal, pois a ocasião faz o ladrão e nem sempre se fecham as portas quando se vai à horta.
Conheci três. Todos pequenos, diferentes, sem raça e de voz bem afinada. Um desapareceu num calor de sangue atrás de um cio, outro esganou-se num arame, e o último, que era arraçado de Pinscher e se dava pelo nome de “Poli”, morreu de “doença prolongada”.
Era um cão feliz, que me mimosiava com semi-mortais encarpados, de autodidacta, só porque lhe dei colo quando cachorro desamparado. Depois sossegava e mantinha-se atento para qualquer saída, já que em casa, nunca entrava, por não ter sapatos para descalçar.
O “Poli” viveu uma normal vida de cão. Comida a horas, uma festa na cabeça à chegada e à saída, uma coleira presa à casota quando os donos se ausentavam.

Um dia, numa das visitas de fim-de-semana, não apareceu. Um tumor tirara-lhe a alegria. No dia anterior ainda o viram, arredio, mas há semanas que não tocava na comida.
Chamei-o, enquanto dava uma volta pelo terreno. Não respondeu. Encontrei-o, por fim, bem longe, no fundo do quintal, enfiado por baixo de uma sebe.

Ajoelhei-me junto a ele. Virou a cabeça, movimentou ligeiramente a cauda, e voltou à posição inicial, como a dizer: “Obrigado pela visita! Agora deixa-me em paz!” E foi o que fiz, depois de lhe passar desajeitadamente a mão pelo lombo pouco acessível.
Morreu no dia seguinte.

Hoje voltou-me à memória, ao ver, no Serviço de Urgência, o Sr. Lima, também ele "vítima de doença prolongada", e que a esposa trouxe, contra sua vontade, por ter a fralda seca "há mais de doze horas", depois de múltiplas espiadelas.

O Poli teve mais sorte. Morreu de acordo com a sua opção. Sem soros, sondas, análises, posicionamentos, ruídos estranhos e vigilâncias, para que tudo ficasse registado e por mais umas horas de agonia.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Herman & JPP



PERTENCER À ELITE POLÍTICO-ECONÓMICA

Fazer parte da classe certa, do grupo certo, da família certa, dos comensais certos, dos círculos certos, é muito mais do que uma mais-valia, é uma certeza de sucesso. A democratização da elite político-económica, que se esboçou desde o 25 de Abril, acabou. A elite encolheu para uma posição fetal, e está num período tão cheio de possibilidades, que sabe serem quase únicas, que não brinca em serviço. Bem pelo contrário, acantonou-se a arregimentou-se como nunca desde o 25 de Abril. Ficou ferida pela crise, mas sabe que pode dar o salto até há bem pouco tempo inimaginável. Reduziu, também como nunca, a independência e autonomia do poder político, manda no PSD e no PS, usa o CDS quando convém, e fecha e blinda o sistema de “inevitabilidades” para todos menos para eles. Esteve com Sócrates pelas oportunidades, está com Passos Coelho pelas “inevitabilidades”. Só estas lhes permitem moldar o estado como há muito desejavam. E estão a fazê-lo. Tem riscos, e muitos, mas a história destas elites é tanto feita de cegueira, como de “hábitos naturais de mando”.
JPP in Abrupto
"Quem nasceu para lagartixa nunca chega a jacaré!"

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Governo



Descubra as 7 diferenças.

Roubado daqui!

SOLUÇÃO:
1-Na foto de cima ainda há água.
2-O microfone da figura central ainda mantém a erecção na foto de baixo.
3-Caíram as pintas à gravata na figura da direita em baixo.
4-Surgiram emblemas nas lapelas das figuras de baixo.
5-O cabelo da figura central, em cima vai da direita para esquerda e na de baixo da esquerda para a direita.
6-A figura da esquerda em baixo está moribunda e a de cima já está morta.
7-A figura central, em cima segura os guizos das outras duas, em baixo só segura os da esquerda.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Sucesso em Medicina


NOTA: Esta conferência exige algum conhecimento de inglês, mesmo pondo as legendas em português - (aa) na barra inferior-, pois a tradução é efectuada pelo som da voz.

É a segunda vez que Atul Gawende vem aqui. Na primeira chamei atenção para os seus livros, que aconselho a todos os que lidam com doentes, principalmente aos jovens médicos, mas também a quem com algum senso, queira saber dos sucessos e insucessos desta arte/ciência que é ser médico.

Nesta palestra, chama a atenção para que, com a complexidade do conhecimento actualmente disponível, o sucesso depende do grupo e não do individualismo.
Mas não disse nada sobre as capacidades exigidas a quem lidera o grupo.

sábado, 14 de abril de 2012

Victor Hugo



O turismo rural, tem destas coisas. A casa está posta, há fogão, frigorífico, televisão, e tudo o resto de uma habitação vivida.
Abrem-se as portas, dá-se uma volta para identificar o espaço e passam-se os olhos pelas prateleiras. Há DVDs e livros, que por uma razão ou outra, os donos disponibilizam, mais algum ali deixado, por turista ocasional, habitualmente em língua estrangeira.
Com estadia curta, olho para os fininhos, já que o que levo, não quero deixar por troca. Pego nele, e calculo três horas de leitura.
Este livro inclui duas novelas de Victor Hugo: “O último dia de um condenado” (1829), e “Claude Gueux” (1834). São histórias que acabam na guilhotina. A primeira na forma de um monólogo interior, das suas últimas semanas. Na segunda, Victor Hugo faz de advogado de defesa, para questionar o sistema educacional e social francês da época e a pena de morte.

O que me tocou: a descrição do jubilo da multidão perante uma execução no “O último dia de um condenado”, e o parágrafo que transcrevo de “Claude Gueux”:
Na prisão onde Claude Gueux estava detido, havia um director das oficinas, espécie de funcionário próprio das prisões, que tem conjuntamente de carcereiro e de negociante, que faz ao mesmo tempo uma encomenda ao operário e uma ameaça ao prisioneiro, que põe a ferramenta nas mãos e as correntes nos pés. Aquele era uma variedade da espécie, um homem seco, tirânico, fiel às suas ideias, bom companheiro, bom príncipe, jovial mesmo e troçando com graça; mais duro que firme; não discorrendo com ninguém, nem mesmo consigo próprio; bom pai, bom marido sem dúvida, o que é dever e não virtude; numa palavra, não era verdadeiramente cruel, apenas mau. Era um destes homens que não têm nada de vibrante nem de elástico, que são compostos de moléculas inertes, que não ressoam ao choque de nenhuma ideia, ao contacto de nenhum sentimento, que têm cóleras geladas, ódios melancólicos, ímpetos sem emoção, que acendem sem aquecer, cuja capacidade calórica é nula, e que dir-se-ia feitos de madeira; deitam chama por uma ponta e são frios na outra. A linha principal, a linha diagonal do carácter deste homem, era a tenacidade. Orgulhava-se de ser tenaz, e comparava-se a Napoleão. Trata-se apenas de uma ilusão de óptica. Há muitas pessoas que se deixam enganar facilmente com isso e que, a certa distância, tomam a tenacidade por vontade, e uma candeia por uma estrela. Daí que este homem, quando ajustava o que ele chamava a sua vontade a uma coisa absurda, ia de cabeça sempre em frente, na mira da coisa absurda. A teimosia sem inteligência é a tolice na ponta da estupidez e servindo-lhe de acréscimo. Isto leva longe. Em geral, quando uma catástrofe privada ou pública se abate sobre nós, se examinarmos, a partir dos escombros que jazem por terra, de que maneira é que ela se arquitectou, encontramo-la quase sempre cegamente construída por um homem medíocre e obstinado, que tinha fé em si mesmo e que se admirava a si mesmo. Há por esse mundo muitas destas fatalidades teimosas que se julgam providências.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Penha Garcia




Penha Garcia tem 748 habitantes (2011) + 2, a Ana e a Margarida, que vieram de Lisboa para dar seguimento à tradição e tomar a seu cargo o Forno Comunitário.
Uma era assistente num consultório dentário, a outra tem um mestrado em “estatuária urbana”. Vieram há três meses para este fim do mundo, na esperança de que o turismo lhes dê mais que as promessas da grande cidade. Aprenderam as receitas e das 05:00h às 19:00h, ali estão elas, a dar pão e doces tradicionais aos que por ali sobem para visitar as particularidades da terra e os seus trilhos, onde pontuam estevas, carqueja, giestas, rosmaninho e os moinhos-azenhas restaurados ao longo do rio Ponsul.
Até à abertura das fronteiras, o contrabando era o ganha-pão de muitas das famílias. Para Espanha levava-se o café Cubano, que Rui Nabeiro se encarregava colocar nas imediações, para ser levado a cavalo, preso por cordas para, para serem rapidamente cortadas, caso surgissem os guardas. Para cá trazia-se bombasina e colorau. Com a abertura das fronteiras, a maior parte ingressou na Guarda Republicana.
Mas o potencial de Penha Garcia, está no que tem de diferente. E isso passa pela valorização dos seus fósseis – as Trilobites, tão pobremente exploradas, quando comparado com o que acontece aqui bem perto – em Marrocos, como David Atenborough tão bem nos mostra neste filme.

... Houvesse jovens que, como a Ana e a Margarida, saíssem dos grandes centros e se dispusessem "a partir pedra" por terras como estas.

... e já agora podiam dar início a um movimento para retirar da aldeia, o Tanque - M47 Patton - fabricado em 1951, nos EUA, e que participou, em Lisboa, no 25 de Abril de 1974.

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Foios



Foios. Três km além, a fronteira. A intenção era fazer o caminho do contrabando até Navasfrias.
Antes do início ouvimos o presidente da Junta de Freguesia, homem interessado, que nos orienta e nos fala do fraco futuro daquelas terras, sem agricultura, pastorícia ou contrabando que lhes valha.
As batatas e a castanha é-lhes comprada a preços irrisórios, o gado para o abaterem, têm de o levar ao matadouro à Guarda. Pagamentos e mais pagamentos, e nem usando estratagemas para se comer em casa, compensa. É que o gado agora anda identificado como as pessoas.
Até os cogumelos que por aqui nascem são colhidos e processados pelos espanhóis, que nos vendem de seguida.
- Adeus Sr. José Manuel Campos. E para almoçar, à vinda?
- No caminho para o Sabugal, em Quadrazais há um viveiro de trutas com um lago, rodeado por uma zona verde de descanso e lá em cima um restaurante – TrutalCôa. A ementa baseia-se na truta, mas há outros pratos.
- Obrigado! Boa sorte!
Ida e volta 6Km. A chuva deixou-nos pela nascente do rio Côa.



Almoço. Truta frita com arroz de feijão, cortada transversalmente, e temperada com um molho excelente, e para 2º prato “truta no forno”. Serviço rápido. Preço em conta. Simpatia *****.

Os ovos das trutas e a ração vêm Espanha. A saúde do viveiro é garantida por Ciudad Rodrigo.
Tiveram problemas com as lontras, que comiam mais de metade do peixe. Foi feita uma protecção a toda a volta para elas não entrarem. Agora são as garças. Mas essas são em menor número.

A gente come e não pensa nisto!. Boa sorte!.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Paisagens transgénicas



Férias. Hoje foi Guimarães 2012, Capital Europeia da Cultura, numa visita “eternamente adiada” e sem programa definido. Dar uma volta pelas ruas, pelo castelo, almoçar e entrar no que estivesse disponível. Sem horas.
Olha aqui: O Centro Cultural Vila Flor. Tem uma Exposição: “Missão fotográfica: Paisagem transgénica”, deixa lá ver o que é. É uma proposta de reflexão sobre o modo como vamos organizando o nosso espaço individual e colectivo.

Usa fotografias reais e outras “ficcionadas”, como a que abre este post.
Mas, não havia esta necessidade. Porque só é necessário ter olhos e as soluções transgénicas, surgem em todo o lado. Algumas até patrocinadas

terça-feira, 10 de abril de 2012

O taxista



Era um fulano cordato, o mais normal que se possa imaginar. Quem o não conhecesse, não lhe imaginava o passado.
Gostava de dizer que se fizera homem por si próprio! Saíra de casa aos cinco anos, andara ao Deus dará, estivera preso por furto e por causa da droga, mas deixara de consumir, e conseguira, por fim, levar uma vida normal.
Andava pelos quarenta anos. Tinha HIV e hepatite C. Era cumpridor nos tratamentos e tinha as doenças controladas.
Quando o conheci tinha um Táxi e vivia com desafogo. Às vezes trazia a mulher, que era dona de uma peixaria. Os dois sentados ali em frente, pareciam um mostruário de ourivesaria, com grossas pulseiras de ouro e os dedos cheios de anéis com brilhantes. Tinham todo o ar de um casal feliz.
Deviam conhecer todo o submundo da ladroagem e da droga.
Quando ele simpatizava com o médico, depois de se despedir e sair do consultório, batia de novo à porta, como se tivesse esquecido de qualquer coisa e, num repente, deixava uma caneta, um relógio ou uma qualquer prenda, sem caixa ou embrulho, e desaparecia corredor fora, sem dar possibilidade de o questionar, deixando-os sem saber o que fazer.
Um dia alguém terá dito que ele “fazia uns aeroportos” – Barcelona, Madrid, ... e também “fazia” a Expo de Sevilha, mas que só roubava quem exibia riqueza.
A certa altura faltou, voltou para a droga e uns tempos depois enforcou-se!. Mas não foi por causa da doença, que ele estava totalmente suprimido.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

domingo, 8 de abril de 2012

Aparições



A história é do tempo dos "destinos irremediáveis".

Ela era dócil, de poucas perguntas, mas atenta ao que se passava em seu redor, o que, nem sempre, agradava à freiras do colégio onde, interna, cumpria o Liceu.
- Não faças assim, que Deus não gosta! Vê o exemplo dos Santos! Lembra-te da irmã Lúcia de Fátima e da Santa Bernadette em Lourdes, que rezavam todos os dias, e assim agradaram tanto a Deus, que Nossa Senhora as visitou para lhes dar a alegria de espalharem curas milagrosas pelos fiéis devotos!
E naquela beatitude sentia-se levitar bem acima da realidade hostil, plena de pecados, com que a toda a hora a atormentavam.
Mas o pouco do mundo exterior que os seus treze anos lhe permitiam, surgia a tempos, recheado das brincadeiras das férias, com as festas da aldeia, os primos, e o riso dos miúdos da terra, e então os timpanos vibravam-lhe tanto que, num momento de lucidez em que tudo lhe parecia claro, decidira que iria correr riscos, mas freira é que não iria ser.
Cumpriria os preceitos religiosos, estudaria para tirar boas notas e assim dar alegrias aos pais, preparando-se para uma qualquer coisa na vida, que não passasse pelo enclausuramento e pela oração, sempre com a sensação de estar a ser observada pelo Além, a ponto de recear ... uma "aparição".
-"Tenho-me portado tão bem, que um dia, vai-me aparecer Nossa Senhora, e estou tramada! Tenho de ir para santa!"
E a partir daí, quando subia as escadas para o quarto, ia receosa, e ao chegar aos últimos degraus, fechava os olhos, e só os abria quando os ouvidos lhe diziam não haver nenhum santo no patamar.
E assim viveu meses, evitando subir sozinha, naquele receio, até ao dia em que achou a "solução":
-“Se me aparecer algum santo ou Nossa Senhora, calo-me, muito calada, não digo nada a ninguém! Mas para santa é que eu não vou!”
E passou a viver em paz!

sábado, 7 de abril de 2012

Casa do Lau


As tradições são para se cumprir, para que os ciclos se fechem e tudo siga o seu curso natural. É assim que deve ser, sem ceder à globalização que oferece tudo em qualquer época.
Perdi o debulho de sável, e quase passava a lampreia, não fosse o acaso me ter trazido o Sr. Júlio ao Hospital.
- Sr. Dr.! Tem, de ir lá um dia destes. O restaurante foi renovado, mas na cozinha continuam a minha mãe e a minha mulher. Apareça!
E, hoje, depois de um magro pequeno-almoço, rumei à “Casa do Lau”, a Loivo, quinhentos metros antes de Vila Nova de Cerveira, quem vai de Viana pela estrada nº. 13.

O Sr. Lau e o filho Júlio, deram-lhe um novo ar. As mesas têm saias, as cadeiras estão forradas e os pratos têm “design”, mas isto não é nada, pois o tudo vem da cozinha.
Hoje foi a lampreia que fez as honras, nas entradas e no prato principal, e eu que não sou particular fã do animal, rendi-me à evidência.
O escabeche é de se lhe tirar o chapéu, o arroz da dita … divinal e o atendimento … cinco estrelas.
E tudo aqui tão perto.

Vale a deslocação. Que o digam os espanhóis, que são mais de 70% da clientela.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Rigor:0 - Austeridade: 10


Disputa-se em Portugal o jogo onde participam as equipes do Rigor e da Austeridade, num estádio sem adeptos, cheio de espectadores e câmaras de televisão.
Antes do início do jogo, os treinadores revelaram, que iriam respeitar as regras, mas cedo se reparou na desproporção da capacidade de ambas as equipes e na presença de um árbitro internacional, decido a privilegiar a equipe visitante.
O jogo iniciou-se com a equipe da Austeridade ao ataque, e ainda não tinham decorridos dois minutos já o resultado era 0-2, com os dois golos de rajada, ambos de bolas rasteiras dirigidas à baliza do Funcionário Público, que siderado, nem se moveu para as defender. Com 13º mês e o subsídio de férias já por conta da equipe da Austeridade, o jogo entrou numa fase morna, que só despertou, quando num rude golpe de cabeça a baliza do Funcionário Público, foi de novo violada por um golo de 10% sobre o seu vencimento base.
Com 3-o quase a abrir o encontro, todos esperavam alguma reacção da equipe do Rigor, mas em vez disso, os jogadores mantiveram o mesmo ritmo, com corridas avulsas, enquanto a equipe da Austeridade, recheada de jogadores estrangeiros, dava “baile” a meio campo.
A meio da primeira parte, um defesa da equipe do Rigor, de seu nome Catroga, marcou um golo na própria baliza, e o resultado passou para 0-4.
Seguiu-se um jogo incaracterístico, com a bola quase sempre nos pés da equipe da Austeridade e com a equipe do Rigor “a ver jogar”, pelo que não espantou que, quando as equipes foram para o balneário, o resultado ultrapassasse a meia dúzia, e a equipe do Rigor estivesse com menos um, por expulsão de um secretário de Estado que tentou cortar no preço da electricidade.
A segunda parte começou, com um reduzido número de espectadores, e os que restavam assobiavam sempre que a equipe do Rigor tinha a bola nos pés.
Até este repórter se desinteressou e desligou os auriculares, antevendo uma cabazada monumental.
Dizem-me agora que vai ser necessário um novo “resgate”, que não vai haver substituições na equipe do Rigor e até os seus jogadores falam em vitórias quando têm, dívidas de 18 milhões de Euros a fornecedores.

Será que o clube merece que lhe paguemos as cotas?

quarta-feira, 4 de abril de 2012

terça-feira, 3 de abril de 2012

Os cigarros



- Sr. Dr.! Este mal foi de uma queda quando eu tinha quatro anos. Lembro-me de ter ficado paralisado. Quem me valeu foi o Dr. ..., que mandou o meu pai buscar uma duzia de pregos, ligaduras e muito pó de talco. Depois, espetou os pregos na tampa de uma caixa de cereais, ligou-me com as ligaduras e pôs-me quinze dias naquela tábua, para que eu me endireitasse. Foi o que me valeu! Mas fiz sempre vida normal. Aos 25 anos, tirei um curso de fotógrafo por correspondência (Álvaro Torrão) e estabeleci-me.
- E nunca fumou?
- Sr. Dr.! ... Na minha vida, fumei seis cigarros!. Eu tocava concertina e animava muitas festas na região. Uma vez chamaram-me para tocar num baile em Paradela. Era sábado e fui com dois amigos a pé. Um deles, que casou com uma prima minha, e que já morreu, levava cigarros. Ao passar no Convento das Carvalhiças, ofereceu-me um. Eu nunca tinha fumado! Em Prado fumei outro, e mais adiante, em Barral, outro. Quando ia para tocar, estava bêbado. Pedi desculpa ao dono da casa, e prontifiquei-me a ir lá, de graça, no sábado seguinte.
Riram-se de mim, a dizer que o tabaco não embebedava. Então eu, noutro dia em que não tinha que fazer, fumei três cigarros e fiquei bêbado outra vez. Nunca mais fumei.
...
A Foto: fotografia artística, de bébé de 3 meses, numa cadeira, em cima de uma mesa velha.

segunda-feira, 2 de abril de 2012

SuperT



- "Então, João como é que correu a prova do Super T de cálculo mental, em que foste representar a tua Escola contra a da Areosa?"
- "Perdi, avó! Mas não é justo!!", exclamou semi-zangado, . - "O outro sabia TUDO, avó! Sabes! Ele sabia Tudo, mesmo. Não deu hipótese! E assim não é justo! Percebes?!"

domingo, 1 de abril de 2012

Mitos




Mitos, são ideias sublimadas por gerações, que perderam âncoras e voam, etéreas, sobre nós, com o peso de todos os que acrescentaram um ponto ao conto, para nos ensinar esses caminhos.
Nasceram do vento, alimentam-se das necessidades e dão-nos as asas com que fugimos das nossas peias.
Mal de quem os nega, pois só encontrarão o pão duro da verdade como único sustento.
É aqui que, às vezes, eu me atenho!


E dizia eu, contestando-a:
- Paula! Não sei como consegue acreditar nisso!
E ela respondeu-me, serena e definitiva:
- Eu gosto da mitologia cristã!

... e deixou-me pregado num pensamento.