A Prudência é uma virtude e saber que nem todas as palavras são
para todos os ouvidos, é mandamento para a sã convivência, até porque quem
diz o que quer, arrisca-se a ouvir o que não quer!
Mas ... "quem sai aos seus, não é de Genebra!" e, na minha
família, provocar o insólito para uma boa gargalhada, é um "must". São histórias contadas sem desprimor para as vítimas inocentes, para que estejamos atentos às rasteiras e, se há hesitações, o mais certo é o do lado as exagerar, até atingirem a dimensão do "muito impossível", para que o óbvio apareça e tudo se esclareça.
Mas o que funciona dentro de portas, tem constrangimentos no exterior, e nem sempre a coisa corre bem.
A primeira história é do meu pai.
Estávamos na década de 50, quando as deslocações eram raras e se construía o Metropolitano de Lisboa. Daí que, uma ida à capital do Império, obrigava a notícias, e as obras do Metro não podiam ser descuradas.
Na altura, ele chefiava a Brigada do Sul do Serviço de Fomento
Mineiro, sediada em Beja. Num "briefing" do
regresso de uma dessas viagens, um dos engenheiros mais novos, perguntou-lhe se
vira obras no Terreiro do Paço, ao que o meu pai, alheado do assunto, respondeu a primeira patranha que lhe passou pela cabeça, na esperança que uma
risada de incredulidade, que “elevasse o moral das tropas” para o início de um dia
de trabalho: "- Nem queira saber o que por lá anda! Olhe que vão
abrir uma passagem do Metro na barriga do cavalo do D. José!".
O homem acreditou e indignou-se.
"Que não era possível destruir um monumento com quase 300 anos! … A
primeira estátua equestre de Portugal! ...", e por aí fora …, até lhe ser dito
que era uma graça, e ele ficar amuado para a vida, com o estigma daquela chacota!
A segunda história é minha:
Eu era ainda novo no local de trabalho. O gelo inicial
tinha já sido quebrado e conseguira a condescendência de muitos dos
profissionais do serviço para algumas das minhas “particularidades”, pelo que não
resistia a subir um patamar na escala da tolerância, na procura do “absoluto”, frequentemente
sem olhar ao histórico do interlocutor.
Nesse dia, fui abordado por uma enfermeira (das
mais sérias) que me pediu para lhe observar um ouvido. Tinha uma otalgia com
horas de evolução.
Fomos para a sala de trabalho. Com o otoscópio, conclui não ter otite. Voltei ao ouvido doloroso
e disse-lhe: - Parece-me estar tudo bem, mas vai ter de tapar o outro ouvido,
porque está a entrar muita luz desse lado!
Disse-o, sem ter pensado que tal significava que ela não teria
nada dentro da cabeça e na esperança de que ela o não fizesse. Mas ela fê-lo,
deixando-me na difícil posição de ter de dar um passo que revertesse aquele
constrangimento. À boa maneira “lá de casa”, em que a fuga é para a frente, fui
ao outro lado repetir a cena, e ela voltou a tapar o ouvido contralateral.
Em desespero, chamei-a à razão. Felizmente só estávamos os dois, mas só voltei a conquistar-lhe a confiança um bom par de anos depois.