domingo, 23 de julho de 2023

Valor


Este desenho era para ser um estudo do “valor” para uma eventual aguarela, mas o que me fica, depois de o ter terminado, é que tenho de me meter ao caminho para conseguir fotografias onde a luz seja o elemento principal, onde existam zonas de plena luz contrastando com zonas onde a luz quase não existe.

Tal facto, faz-me lembrar um cirurgião com quem partilhei histórias, muito dado à fotografia, que se levantava a desoras para que os primeiros raios solares atingissem uma poça de água estrategicamente colocada e a fotografia resultasse. Então, ri-me “condescendente”! Quase vinte anos depois, lamento não ter aprendido um pouco do muito que ele sabia.

É a vida! 

 

terça-feira, 18 de julho de 2023

O significado da vida num mundo sem trabalho

Por: Yuval Noah Harari

A maioria dos empregos que existem hoje pode desaparecer dentro de décadas. À medida que a inteligência artificial supera os seres humanos em tarefas cada vez mais complexas, ela irá substituir os humanos em cada vez mais trabalhos. Muitas novas profissões irão provavelmente aparecer: designers do mundo virtual, por exemplo. Mas essas profissões irão exigir mais criatividade e flexibilidade, e não é provável que os motoristas de táxi ou os agentes de seguros desempregados, com 40 anos, se reinventem como designers do mundo virtual (tente imaginar um mundo virtual criado por um agente de seguros!?). E mesmo que o ex-agente de seguros de alguma forma faça a transição para designer de mundo virtual, o ritmo do progresso é tal que, dentro de mais uma década, ele pode ter que se reinventar de novo.

O problema crucial não é criar novos empregos. O problema crucial é a criação de novos empregos onde os humanos apresentem melhor desempenho que os algoritmos. Consequentemente, até 2050, uma nova classe de pessoas poderá surgir – a classe desocupada. Pessoas que não estão apenas desempregadas, mas que são inempregáveis. A mesma tecnologia que torna os seres humanos inúteis, também pode tornar viável alimentar e apoiar as massas desempregadas através de algum esquema de renda básica universal. O problema real será, então, manter as massas ocupadas. As pessoas devem-se envolver em atividades propositadas, ou ficam loucas. Então, o que a classe desocupada irá fazer o dia todo?

Durante milhares de anos, biliões de pessoas encontraram significado em jogar jogos de realidade virtual. Chamamos  “religiões” a esses jogos de realidade virtual.

O que é uma religião, senão um grande jogo de realidade virtual desempenhado por milhões de pessoas juntas? Religiões como o Islão e o Cristianismo inventaram leis imaginárias, como “não comer carne de porco”, “repita as mesmas preces um número determinado de vezes por dia”, “não faça sexo com alguém do seu próprio gênero” e assim por diante. Essas leis existem apenas na imaginação humana. Nenhuma lei natural exige a repetição de fórmulas mágicas, e nenhuma lei natural proíbe a homossexualidade ou a ingestão de porco. Muçulmanos e cristãos atravessam a vida tentando ganhar pontos no seu jogo de realidade virtual favorito. Se você reza todos os dias, você obtém pontos. Se vvocêse esqueceu de orar, você perde pontos. Se, no final da sua vida, você ganhar pontos suficientes, depois de morrer, você vai ao próximo nível do jogo (também conhecido como o Paraíso).

Como as religiões nos mostram, a realidade virtual não precisa ser encerrada dentro de uma caixa isolada. Em vez disso, ele pode-se sobrepor à realidade física. No passado, isso foi feito com a imaginação humana e com livros sagrados. No século 21 pode ser feito com smartphones.

Algum tempo atrás, fui com o meu sobrinho de seis anos, Matan, caçar Pokémon. Enquanto caminhávamos pela rua, Matan continuava a olhar para o seu telefone inteligente, o que lhe permitia detectar Pokémon à nossa volta. Eu não vi nenhum Pokémon, porque não levava nenhum smartphone. Então vimos outras duas crianças na rua que estavam caçando o mesmo Pokémon, e quase começamos a lutar com eles. Parecia-me uma situação  semelhante ao conflito entre judeus e muçulmanos sobre a cidade sagrada de Jerusalém. Quando você olha a realidade objetiva de Jerusalém, tudo o que vê são pedras e edifícios. Não há santidade em qualquer lugar. Mas quando você olha através de smartbooks (como a Bíblia e o Alcorão), você vê lugares sagrados e anjos em todos os lugares.

A ideia de encontrar um significado na vida ao jogar jogos de realidade virtual é, evidentemente, comum não apenas às religiões, mas também às ideologias seculares e estilos de vida. O consumo também é um jogo de realidade virtual. Você ganha pontos adquirindo carros novos, comprando marcas caras e gozando férias no estrangeiro, e se você tiver mais pontos do que todos os outros, diz a si próprio que ganhou o jogo.

Você pode contrariar dizendo que as pessoas realmente gostam de seus carros e férias. Isso certamente é verdade. Mas os religiosos realmente gostam de orar e realizar cerimónias, e o meu sobrinho realmente gosta de caçar Pokémon. No final, a ação real sempre ocorre dentro do cérebro humano. Não importa se os neurônios são estimulados observando pixels numa tela de computador, olhando para fora das janelas de um resort do Caribe ou vendo o céu com os olhos da mente. Em todos os casos, o significado que atribuímos ao que vemos é gerado pelas nossas próprias mentes. Não é realmente “lá fora”. Para o melhor de nosso conhecimento científico, a vida humana não tem significado. O significado da vida é sempre uma história de ficção criada por nós humanos.

No seu ensaio inovador, Deep Play: Notas sobre a Luta de Galos em Bali (1973), o antropólogo Clifford Geertz descreve como na ilha de Bali, as pessoas passaram muito tempo e dinheiro apostando em lutas de galos. As apostas e as lutas envolveram rituais elaborados, e os resultados tiveram um impacto substancial na posição social, econômica e política de jogadores e espectadores.

As brigas de galos eram tão importantes para os balineses que, quando o governo indonésio declarou a prática ilegal, as pessoas ignoraram a lei e se arriscavam a prisão e multas pesadas. Para os balineses, as brigas eram “jogo profundo” – um jogo criado que é investido com tanto significado que se torna realidade. Um antropólogo balines poderia, sem dúvida, ter escrito ensaios semelhantes sobre futebol na Argentina, Brasil ou no judaísmo em Israel.

De facto, uma secção particularmente interessante da sociedade israelense fornece um laboratório exclusivo de como viver uma vida satisfeita num mundo pós-trabalho. Em Israel, uma percentagem significativa de homens judeus ultra-ortodoxos nunca trabalhou. Passam toda a vida estudando escrituras sagradas e a realizar rituais de religião. Eles e suas famílias não morrem de fome, em parte porque as esposas muitas vezes trabalham, em parte porque o governo lhes fornece generosos subsídios. Embora geralmente vivam na pobreza, o apoio do governo significa que nunca lhes falta a satisfação das necessidades básicas da vida.

Isso é uma renda básica universal em ação. Embora sejam pobres e nunca trabalhem, em pesquisa após pesquisa, esses homens judeus ultra-ortodoxos relatam níveis mais elevados de satisfação com a vida do que qualquer outra parte da sociedade israelense. Nos levantamentos globais sobre a satisfação da vida, Israel está quase sempre no topo, graças em parte ao contributo destes pensadores profundos e desempregados.

Não é necessário ir a Israel para ver o mundo do pós-trabalho. Se tem em casa um filho adolescente que gosta de jogos de computador, pode ter a sua própria experiência. Forneça-lhe um subsídio mínimo de Coca-cola e pizza e, em seguida, remova todas as demandas de trabalho e toda a supervisão. O resultado provável é que ele irá permanecer no seu quarto por dias, colado ao ecrã. Não vai fazer qualquer trabalho de casa ou tarefas domésticas, vai ignorar a escola, ignorar as refeições e até mesmo ignorar os chuveiros e dormir. No entanto, é improvável que ele sofra de tédio ou de uma sensação de sem propósito. Pelo menos no curto prazo.

Portanto, as realidades virtuais provavelmente serão fundamentais para fornecer significado à classe desocupada do mundo pós-trabalho. Talvez essas realidades virtuais sejam geradas dentro dos computadores. Talvez sejam gerados fora dos computadores, sob a forma de novas religiões e ideologias. Talvez seja uma combinação das duas. As possibilidades são infinitas, e ninguém sabe com certeza que tipos de peças profundas nos envolverão em 2050.

Em qualquer caso, o fim do trabalho não significará necessariamente o fim do significado, porque o significado é gerado pela imaginação em vez de pelo trabalho. O trabalho é essencial apenas para o significado de acordo com algumas ideologias e estilos de vida. Os escravos ingleses do século XVIII, os judeus ultra-ortodoxos atuais e as crianças de todas as culturas e eras, encontraram muito interesse e significado na vida, mesmo sem trabalhar. As pessoas em 2050 provavelmente poderão jogar jogos mais profundos e construir mundos virtuais mais complexos do que em qualquer momento anterior da história.

E quanto à verdade? E a realidade? Realmente queremos viver num mundo no qual biliões de pessoas estão imersas em fantasias, buscando objetivos criativos e obedecendo leis imaginárias? Bem, goste ou não, esse é o mundo em que vivemos há milhares de anos.

Texto publicado em The Guardian, 2019, por Yuval Noah Harari

quarta-feira, 5 de julho de 2023

A Faixa de Gestão de Combustível em redor dos aglomerados populacionais.


Eu já estive nas imediações de um incêndio florestal, envolvendo eucaliptos e pinheiros, e tenho a certeza que, aquela temperatura de combustão, não se compadece com pequenas barreiras à sua progressão. Dito isto, saúdo quem faz a limpeza regular na Faixa de Gestão de Combustível (FGC), junto aos aglomerados populacionais - é uma faixa de 100 metros, onde os eucaliptos e pinheiros devem ter as copas a 10 metros e as outras árvores, para além de terem de estar desramadas até 4 metros, têm de ter as copas afastadas 4 metros.

E isto significa que os terrenos que ficam na Faixa não têm rentabilidade para madeira, salvo se lá puserem árvores de crescimento lento e que só terão valor passados mais de 100 anos. Há pois que achar soluções para os milhares de proprietários que se veem despojados desta fonte de rendimento, agravado pela necessidade de, todos os anos, terem de os manter limpos de acordo com a lei.

Os urbanistas têm aqui um papel primordial, já que o tipo de construção ao longo das estradas proporciona uma área de FGC muito maior que a de uma aldeia compacta, pelo que continuar a licenciar nova construção nos moldes anteriores irá agravar o problema.

O “mundo mudou”, como disse José Sócrates, em finais de 2010, quando foi “aconselhado” a reduzir o consumo e a suspender os grandes investimentos. Ora, para quem tem terrenos nas Faixas, há muito que ele mudou, uma vez que a lei é de 2006 e tem sido implementada gradual e progressivamente, pese embora ainda não terem caído em força as coimas sobre os incumpridores, talvez porque o trabalho dos urbanistas, silvicultores e políticos demore a propor solução para estes terrenos, que deixam de ser produtivos como floresta.

O aquecimento global é uma realidade que já ninguém contesta. O risco de incêndio cresce todos os anos e eu, que confino com floresta, vou aguardando … e, às vezes, … desesperando!


domingo, 2 de julho de 2023

Eventos

 

Nos tempos que correm, o que está a dar são os “eventos”, que se apresentam como solução para o isolamento crescente a que todos nos vamos votando. E há-os de reduzida, de média e de grande dimensão, a ponto de até parecer mal não ter participado em qualquer um deles.

A primeira vez que ouvi falar de “eventos” foi num noticiário a propósito do genro de Cavaco Silva, Luís Montez, ter sido investigado por causa da venda do Pavilhão Atlântico. Soube então que ele estava ligado à música e aos Festivais de Verão. Isto em 2010. Como o homem, ao que parece, terá enriquecido, a moda dos “eventos” espalhou-se por outros domínios e apareceram “eventos” para todos os gostos e feitios. Os Festivais da Sardinha, da Cereja, do Bacalhau, do Marisco, da Cerveja, da Sopa, do Carapau, do Vinho Verde, do Chouriço … e do mais que um tipo se pode lembrar, multiplicaram-se pelas cidades e aldeias do país para estimular as gentes a sair de casa e a gastar o pouco que lhe sobra num turismo que pouco difere do que lhe entra casa adentro pela televisão.

Noutros tempos era o Futebol e as festas religiosas que geravam os “eventos”: a Páscoa, o Natal, os Santos Populares e os Santos padroeiros das 3091 freguesias de Portugal (já foram 4 259, pelo que é provável que haja dois ou mais nas que se juntaram na reforma administrativa de 2013), mas a concorrência cresceu. O Futebol manteve a onda, enquanto que a religião tende a perder cota, pese embora o turismo religioso de Fátima, as Jornadas das Juventude que o Papa traz a Lisboa ou os esforços de alguns, como o padre Fontes, que inventou a sexta-feira 13, em Montalegre.

Acabados os eventos, partilham-se as fotos nas redes sociais e mantêm-se as pulseirinhas nos pulsos, longas semanas, a atestar o “eu estive lá!”. Depois, cada um volta ao seu recanto para jogar jogos, trabalhar “on line” ou num posto cada vez mais isolado.

Quem organizou o “evento” é suposto ganhar uns milhares, bem como a hotelaria e a restauração do lugar, mas há aqueles a quem o “evento” não beneficia e só veja o seu trabalho agravado. Neles incluo o pessoal de Saúde (mas não só), que tem de lidar com os excessos, as disfunções e as doenças desse acréscimo de população, que têm de adiar férias ou de fazer horas extra ao preço habitual, enquanto os hotéis multiplicam várias vezes os seus preços.

Por isso, não é de espantar que, quem não vê na mira a correspondente fatia do bolo, fale em distúrbios e em greves para os dias do evento.

É a vida, como diria Guterrez!