terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Carta aberta aos Reis Magos

Caríssimos: 

Não sou dado a postais de Boas Festas, mas como ainda escrevo cartas e, há uns anos, escrevi uma ao S. José, não queria que pensassem que não vos tenho na devida consideração.
Neste mundo onde o individualismo impera, o vosso exemplo é de louvar. Andar 160km em busca de José e de Maria foi obra, principalmente vendo-vos como vos vejo e não como a tradição da religião cristã vos relata.

Tenho-vos como amigos de longa data de José que suspeitaram que só um grande perigo os faria ausentarem-se assim de casa. Consigo imaginar-vos a conversar fraternalmente na sinagoga num sábado de manhã, unidos por aqueles laços que nascem na juventude e, vai-se lá saber porquê, nos acompanham até à morte, mais fortes que todas as outras que vão aparecendo na vida. Um Baltazar ex-aprendiz da carpintaria de José, já estabelecido do outro lado da aldeia, um Belchior negociante de tecidos e um Gaspar dono de um grande rebanho de carneiros e camelos, embora nada que o comparasse a um Job.

Vejo-vos a aconselhar José, quando ele decidiu dar um rumo decente ao drama de Maria, grávida sem pai conhecido. Primeiro a tentar demovê-lo para evitar as críticas dos essénios e fariseus que obrigavam a que a "adúltera fosse lapidada e o filho do pecado morresse com ela", depois a aceitar a sua decisão e a empenharem-se em minorar os riscos de ele ser considerado apóstata e ter o mesmo destino. Mas a vida é como é, e cada um sabe de si e Deus de nós todos e, para vosso espanto, José deixou a casa a meio da noite e meteu-se ao caminho com Maria em cima do burro, pouco mais levando que a roupa do corpo e um taleigo de pão, sem dar satisfações aos filhos e às mulheres da casa num “é agora ou nunca!” para os não comprometer como cúmplices.

Imagino-vos, nos primeiros dias, à espera de um regresso, depois a discutir o que fazer face à ausência prolongada, sem poder contar com as autoridades para uma busca mais eficiente e, por fim, a decidir meter pernas ao caminho, sabendo unicamente que ele era para sul. Depois, a carregar os camelos com roupa limpa, alimentos para a viagem e para o casal, uns apetrechos para cozinhar e as fundamentais “essências” para uma eventual maleita, que nas provações de um parto, há que purificar o ar para afastar miasmas e demónios. Depois os dias pelos caminhos da Galileia e da Samaria a perguntar a este e àquele se viram ou ouviram falar de um velho, de uma rapariga e de um burro, até ao chão da Judeia, onde, no caravançarai de Belém, alguém vos fala desse casal estranho que por ali tinha passado e seguido para a montanha.

Vendo o sol pintar de vermelho o azul do céu, apressastes o passo, quando ao longe a chama de uma pequena fogueira foi a estrela que vos fez chegar um pouco antes de José se recostar naquele buraco na rocha de não mais de dez côvados.
-José! José!, chamastes, à uma, repetidas vezes e fostes recebidos com o sorriso de uma frágil Maria segurando um pequeno embrulho onde faiscavam uns olhitos assustados com os gritos eufóricos de José.
-Abençoados sejam! Disse, com as lágrimas nos olhos. - Como é que deram connosco? E porque é que se incomodaram? Obrigado, mil vezes, que isto aqui tem sido duro! Primeiro o trabalho de parto, que foi longo. Valeu-me a experiência dos meus outros filhos, senão não conseguia levar o barco a bom porto. A Maria é uma valente! Maria, junto à fogueira, tentando aquecer Jesus de todos os lados, levantou os olhos em agradecimento, também eles marejados de lágrimas. – Depois esta gruta sem nada, a obrigar-me a andar acima e abaixo a trazer água, paus para a fogueira e alguma comida, que isto são terras onde nem os cardos crescem!

Abraçaram-se longamente e José, temeroso, perguntou: - Os fariseus comentaram a nossa saída da aldeia? Foi alguém lá a casa fazer perguntas?, e foi Belchior que o descansou antes de dar os panos a Maria, que Jesus não via roupa limpa fazia mais de uma semana. - Está descansado José! Não foi lá ninguém, nem se falou mais mal de vós que o costume. Mas ainda bem que o parto não aconteceu lá, senão ao constatarem que a criança nasceu perfeita demais para as menos luas, punham-se de novo a especular. Amanhã levamos-te para Belém, para a Maria recuperar e, na próxima lua cheia voltas a casa que ninguém te vai perguntar a idade da criança.
Gaspar descarregou os camelos e, apesar da noite já ir alta, Baltazar cozinhou lentilhas e disponibilizou figos, pinhões e leite de camela enquanto Belchior embalava Jesus, dando àquela mãe um pouco de descanso.

Foi o ouro da amizade a grande prenda que levastes àquela família. Uma amizade sem porquês, daquela que se mete ao caminho sem ser preciso pedir nada e que aceita as nossas imprudências e infortúnios, sem atender aos radicalismos da época.
Por tudo isso, estou convosco, esperando que vivam no Céu bem por cima de Portugal, para quando chegar a minha vez de subir, vos dar um abraço de partir costela e ficar a cheirar a camelo, que vocês merecem.

Até lá!

sexta-feira, 25 de dezembro de 2020

O prazer de matar

Dezasseis caçadores mataram 540 animais durante uma montaria organizada por uma empresa espanhola, numa quinta na Azambuja, no dia 17 de dezembro - quase 34 animais mortos por caçador. A carne já tinha destino – Áustria e Alemanha, onde é apreciada e bem paga. 
Na zona está prevista a construção de uma “Mega Central Fotovoltaica” com mais de 750 hectares. As empresas que ganharam o concurso já refutaram qualquer participação ou responsabilidade na gestão cinegética da reserva de caça privada abrangida pela Herdade da Torre Bela. Caçadores “internacionais”, vieram dar azo à “ânsia de matar” a um país onde o cumprimento das leis é mal vigiado e onde os crimes ambientais têm fraca penalização. 

 O caso veio a público e todos se indignaram, mas quantos acontecem todos os anos em Portugal, onde não é possível colocar um guarda atrás de cada caçador movido pela mesma “ânsia”?? . 
O Governo classificou o acto como “vil e ignóbil”. O ICNF ordenou a abertura de um inquérito. A Federação Nacional de Caçadores e a Federação Portuguesa de Caça falam em incumprimento da “ética” da caça. 

“O mundo mudou!”, disse José Sócrates, em 2010, para justificar mais um aumento de impostos. Essa é a regra, já o dizia Camões: “Todo o mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades”. O que se faz numa época, pode ser altamente inconveniente e até proibido noutra. A pedofilia não era crime na Grécia antiga. A desflorestação da América do Norte não foi entendida como crime ambiental, nem a limpeza étnica dos índios como um genocídio … e por aí fora. 

No século XXI, a ciência alerta para a necessidade de rever os comportamentos ambientais. Atitudes sobre a fauna e sobre a flora que afectem a biodiversidade têm de ser analisadas sob uma óptica global e não local, seja o abate de florestas tropicais, a pesca excessiva ou a poluição do ar, dos rios e do mar. 

A caça tem de ser entendida de um modo diferente daquele que era há uns anos atrás. Já lá vai o tempo do "Atirei o pau ao gato" e do “Lá vai uma, lá vão duas, três pombinhas a voar, uma é minha, outra é tua, outra é de quem a apanhar”. As pegas rabudas que viviam em Montedor, as rolas e os melros que poisavam no meu quintal, não são de quem as apanhou! Eram de todos nós! 

Aos caçadores só deve ser permitido o abate de “pragas” em terrenos agrícolas. Não é lícito a caça de um animal até à sua quase extinção e só então ser proibido o seu abate, nem o gozo de matar só por matar! Ponto final!

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Ihor Homenyuk e o SEF



Ex. mo Sr. Presidente do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do SEF.

Fui médico hospitalar e, em contexto de Serviço de Urgência, fui muitas vezes chamado a resolver problemas associados a grande agitação de doentes que se encontravam naquele espaço e também nas enfermarias onde tinham sido internados pelas mais diversas doenças.

Frequentemente a agitação deveu-se a abstinência alcoólica, o que acarretava grande dificuldade em resolver, pois implicava não só conseguir acesso ao doente para lhe poder dar medicação, como também o uso de doses elevadas de sedativos, com risco de lhe provocar sedação excessiva e necessidade de suporte ventilatório. A actividade alucinatória é um componente que impede uma comunicação minimante eficiente.

Pela descrição que ouvi sobre o que se passou no SEF em Março de 2020, tudo me leva a supor que Ihor Homenyuk, ao segundo dia de estar retido nas instalações do aeroporto, desenvolveu um quadro de Abstinência Alcoólica. A crise epiléptica descrita pertence ao quadro. A gíria chama-lhe “rum fit” e é frequente no início da síndrome. Ihor Homenyuk esteve num Serviço de Urgência e teve alta sem lhe terem diagnosticado Abstinência. Essas “crises epilépticas não se tratam com antiepilépticos, mas com sedativos para a abstinência. Uma abstinência alcoólica não tratada pode, só por si, levar à morte, mas a contenção "sem mais nada", agrava a evolução, porque a agitação associada ao grande esforço muscular para se libertar, é equivalente ao que aconteceu aos recrutas Dylan da Silva e Hugo Abreu em 2016 - um grande esforço associado a desidratação, leva a alterações metabólicas graves com falência multi-orgânica.

Eu não quero crer que o pessoal do SEF o tenha agredido. Acredito que não soube lidar com um indivíduo agitado e que o manteve imobilizado "demasiado tempo" na esperança infundada de "ele acalmar”.

Os médicos chamados a dar opinião, não o fizeram dentro da “melhor arte”, talvez por não terem acesso a informação suficiente.
1: quem o observou no SU, não diagnosticou Abstinência Alcoólica e deu-lhe alta.
2: o médico do INEM, encontrou-o em "paragem cardio-respiratória", isto é - morto. Não é dito o que escreveu na Certidão de Óbito.
3: o médico de Medicina Legal escreveu que as lesões que causaram a morte foram causadas por “agressão”, não especificando se desencadeadas por “auto-agressão” ou por manobras de contenção demasiado prolongadas.

Ihor Homenyuk pode ter caído, ter batido com a cabeça em qualquer lado com sequentes lesões cerebrais, pode ter fracturado costelas ou outros ossos nessas quedas, pode apresentar múltiplas equimoses sem que elas signifiquem violência intencional, mas decorrentes das quedas ou das manobras de contenção, e pode ter falecido em consequência dessas lesões ou das alterações metabólicas que referi.

Parece-me imprudente que o Presidente da República, Ministros e Líderes Partidários (da Esquerda à Direita), venham a terreiro falar em “HOMICÍDIO”, antes das alegações da Defesa e de um Juiz se pronunciar, como que a arranjar um “bode expiatório” para acalmar a população.

Eu não isento de culpas os elementos do SEF presentes nos dias dos factos. Era sua obrigação ter assumido que aquele nível de contenção não se devia prolongar e ter tido o discernimento de contactar uma chefia mais esclarecida ou referenciá-lo a um hospital.

Recuso a teoria do “mataram-no à pancada!” Era mau demais!

Para mais esclarecimentos, ficarei ao vosso dispor.

Cumprimentos

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

O meu pai

 
O Pai do meu pai (o meu avô Isidoro): Nasceu em Constância, em 29/12/1889, filho do 2º casamento do Sr. Florêncio, comerciante da região, que defendia que “até com cascas de alho se pode negociar”.
Com a 4ªclasse, sem jeito para o negócio e detentor de uma caligrafia invejável, cedo o encaminharam para os papéis e, num passo, era amanuense da Câmara Municipal. Em 1915 casou. Georgina irá dar-lhe 6 filhos. Na procura de maiores proventos aceita o lugar de Tesoureiro da Fazenda Pública em S. Vicente na Ilha da Madeira, mas aquele desterro, longe da família, sufoca-o e volta à terra poucos meses depois, para espanto de todos. O facto pendeu para a tolerância e, em 1924, é colocado em Macedo de Cavaleiros, terra que não conhecia e onde não tinha laços familiares. Desta vez leva a família. A esposa morre em 1927, na 7ª gravidez. Casa segunda vez e terá outra filha. Em 1935 ruma a Vila Verde. Mais tarde irá para Ponte de Lima e por fim para Vila do Conde onde se reforma e virá a falecer. Coloca os filhos num colégio do Porto (1929-1940). Cinco irão tirar curso superior e dois seguir-lhe as pisadas (Tesoureiros da Fazenda Pública).

O meu Pai: Nasce em Constância. Aos 4 anos vai com a família para Macedo de Cavaleiros. Aos 7 fica órfão. Aos 9 vem estudar para o Porto, juntamente com os irmãos. Fica num “Colégio”. Faz o secundário no Liceu Alexandre Herculano. Tira o curso de Engenharia de Minas, na Universidade do Porto, com uma passagem de dois anos por Coimbra, onde vive numa República. Foi sempre muito bom aluno. Não fez serviço militar “por falta de peso”! Ingressa no Serviço de Fomento Mineiro e é destacado para a mina de S. Domingos. Casa no Porto e quando lhe é entregue a chefia da Brigada de Prospeção Mineira do Sul, muda a família para Beja. Cedo teve a sorte do contacto com engenheiros e geólogos de vários países, de companhias mineiras aí sediadas, que lhe abriram horizontes. Caracteriza a Faixa Piritosa do Alentejo e identifica várias “anomalias” gravimétricas, entre as quais a que dará origem à descoberta da Mina de Neves-Corvo. Em 1962 é destacado para o Porto, mantendo a direção da Brigada do Sul de prospeção mineira até 1974, e inicia prospecção na região de Caminha. Teve muita esperança com o 25 de Abril, mas a realidade da política defraudou-lhe os projectos. Foi professor convidado na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto durante 20 anos e também leccionou na Universidade do Minho. Reformou-se por limite de idade aos 70 anos, procurando manter-se atento à evolução da ciência e do mundo. Já com 80 anos, inscreveu-se numa escola de informática “The Future Kids” para aprender a usar o PC. Escreveu o Blog “Vivências Mineiras” entre 2008 e 2018, onde assinala a importância do seu trabalho e os erros que se cometeram e que “muito prejudicaram economicamente o país”. Não tem escrito mais, porque “não tem tido tempo”. Agora, tudo é mais lento. O vestir, o comer, os exercícios físicos a que se obriga diariamente, a necessidade de mais repouso, os comprimidos, as consultas médicas, os fadinhos no YouTube, as fotografias a passar continuamente no écran e a escrita do diário no PC. Vive com a esposa (96 anos) num T2 com o apoio diário (4 horas) de uma empregada. Fala de tudo e mais alguma coisa. Lembra-se dos professores e dos colegas que teve no Liceu e na Universidade e também dos autores de muitos dos livros técnicos por onde estudou. Sabe alguma coisa de Latim, porque “não era possível não aprender com aquele professor que teve no Liceu”. 

Quando tenho dúvidas sobre ciência telefono-lhe. É sempre uma conversa interessante e bem-disposta.
Sempre foi vaidoso, não pela aparência ou pela posse, mas pelo “saber”. Desde que foi entrevistado anda “num sino”! É assim o meu pai, com 100 anos e 4 meses.
Obrigado Helder Reis


sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

Música Sertaneja

Farto da música anglo-saxónica, é bom dar uma volta pelo Brasil e ouvir os matutos e os caipiras.

domingo, 15 de novembro de 2020

Pensamento do dia

Não se pode esperar que as pessoas que foram excluídas da História a respeitem. A História tem de ser escrita a várias mãos, com diferentes versões. A versão dos vencidos deve estar tão presente como a dos vencedores. É um erro apagar diferentes memórias. Não se pode purificar o passado.

 

sábado, 14 de novembro de 2020

Trump














 

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Mitos



Sou, por educação e formação, secularista. Defendo uma rigorosa separação entre as instituições religiosas e as governamentais. Um Estado onde as religiões pertençam ao espaço privado.

Tal não me impede de validar muitos dos conceitos que elas trazem para o quotidiano, sem me prender àqueles que perderam utilidade por não acompanharem o conhecimento que se foi adquirindo ao longo dos séculos.

As religiões florescem quando incentivam comportamentos que melhoraram a vida comunitária e definham quando deixam de dar boas respostas aos problemas com que as sociedades se debatem.

Das diferentes mitologias pelas quais a humanidade passou e passa, eu gosto particularmente da grega. As suas histórias, hoje narradas para juventude em banda desenhada e ficção histórica, continuam a dar os valores de dignidade, solidariedade e coragem que defendo, para além de reconhecerem a importância do “Acaso”, personificado nos deuses com humores e a cometer erros, o que nos leva a aceitar as contrariedades da vida.

Há cerca de 1 mês que é minha companhia de cabeceira - “Mythos” de Stephen Fry. Estou a lê-lo em inglês por ignorar que, desde Agosto/2020, havia já uma tradução portuguesa. Demora-se mais, mas aprendem-se novas palavras… É a vida!.

A páginas 77, Zeus, casa com Hera e para a boda, é pedido aos convidados para confeccionarem as melhores iguarias, com a promessa de que o autor da mais perfeita, poder fazer-lhe um pedido. 

Desta competição culinária saiu vendedora a Abelha que ofereceu uma pequena ânfora cheia de mel que deliciou o divino casal.

A abelha voou para o pódio e discursou em frente a Zeus: - “Senhor! Fico muito feliz por teres eleito o meu mel como a melhor das iguarias, mas devo-te dizer o quão difícil ele é de preparar. Tenho de andar de flor em flor a colher o néctar e só consigo levar para casa, um pouquinho de cada vez, num trabalho de sol a sol. Às vezes tendo de percorrer grandes distâncias em cada viagem, para ao fim do dia recolher umas poucas gotas. Essa pequena ânfora que te ofereci, são quatro semanas e meia de árduo trabalho. O seu aroma é tão intenso que se torna irresistível para quem passa junto ao meu ninho e há muitos que, com grande impunidade, mo roubam, sem que eu o possa defender. Por isso, o meu desejo é que me dês uma arma, como deste ao escorpião e à cobra, para com uma picada eu possa matar quem ouse roubar o meu precioso stock.

Zeus franziu o sobrolho. – “Como te atreves a fazer um pedido tão monstruoso? Um talento como o teu é para ser partilhado e não para ser guardado de modo tão avarento, por isso recuso a tua súplica!

A abelha retorquiu: “Mas tu deste a tua palavra!”

Zeus replicou, zangado: “Eu disse que o vencedor podia fazer um pedido qualquer. Não prometi que o iria conceder! Contudo, uma vez que o teu trabalho é penoso, vou tornar-to mais fácil. Tu serás a rainha de uma colónia de indivíduos produtivos. Além disso, também te darei uma picada dolorosa e fatal, mas tu e os da tua espécie quando picarem, morrerão também.

A abelha sentiu de imediato uma sensação estranha ao fundo do abdómen quando viu nascer um ferrão com farpas que uma vez usado arrastaria parte das suas vísceras quando fugisse.

As vespas, muito menos úteis e diligentes, não têm essas farpas e podem picar várias vezes sem risco da própria vida. Mas as vespas nunca se mostraram egoístas nem arrogantes perante os deuses.

Esta é uma das muitas histórias que este livro contém, escritas com muito mais elegância e humor que este pequeno texto.


segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Crazy - Patsy Cline Cover (feat. Allison Young)

 Joshua Lee Turner (n: 1992) , Allison Young (n: 1997) 

Patsy Cline (1932 – 1963) ainda tem o melhor registo desta música de Willie Nelson, mas esta versão, a dois, tem muito mérito, principalmente pelo trabalho na guitarra.

sexta-feira, 9 de outubro de 2020

Não pode ser!




Há uns seis meses, alguém me contou uma história em que não acreditei. - Não pode ser!, disse, sem o conhecimento sobre a matéria que me permitisse categorizar sobre o meu interlocutor, pois sobre assuntos relacionados com a Bolsa sou um zero. Sei que as acções sobem e descem, que por vezes acontecem “crashs” com grandes perdas dos accionistas e também sei que só se ganha quando se vendem e não quando elas estão em alta na nossa mão. Fico-me por aí. Mas admitir que um presidente dos Estados Unidos da América, homem com um grande passado de negócios em várias frentes, possa fazer afirmações para provocar desconfiança dos “mercados” com consequente queda do valor das acções, comprá-las quando elas estiverem em baixa e, dias depois, fazer outras afirmações que dão confiança aos investidores, para as vender quando elas retomarem um valor “aceitável”, isso está para lá dos meus limites.

Não acreditei. Não pode ser! Mas… hoje o JN trouxe-me aquela conversa à baila e deu-me para pensar que numa sociedade onde os lucros de quem tem muito dinheiro andam “escondidos” em “fundos”, em “paraísos” ou de modo a que o simples paisano nem sonha, sim … é possível. E se o investimento for significativo, pode-se até ganhar uma grande fortuna.

Queira Deus Nosso Senhor e todos os Santos, que a pequenina notícia da página 30 do JN de 09/09/2020, ali meio escondida, seja só coincidência e tudo não passe de mais uma “teoria da conspiração”.


terça-feira, 15 de setembro de 2020

Stephen Fry

 

Ruth: Would you consider to be our next Prime Minister? 
Stephen Fry:
I´m very touch by your idea that I’m capable of being Prime Minister! I’m many things, but above all I’m a moral coward and a social coward, and I don’t think I could take the hatred and the dislike of those who disagree with what I said. It’s bad enough on Twitter. You post something and although 99% of people, at least, are nice even if they desagree with you, that 1% unpleasant, unkind and threatening … . I always think it’s a bit like a swimming pool. If 99% of the swimmingpool water is beautiful, it’s nice, but if there is a little piece a poo floating in it, I’m not gonna swim in the pool. I’m not that sort of people that don’t care what people think … 

“One of the painful things about our time is that those who feel certainty are stupid, and those with any imagination and understanding are filled with doubt and indecision.” Bertrand Russell

Stephen John Fry (n 1957) é um actor e um escritor inglês. 

Como eu o entendo! 


sábado, 8 de agosto de 2020

O Azoto (Nitrogénio)

Agora que os Noticiários estão cheios de Nitrato de Amónio e, depois de aqui ter escrito sobre o Nitrato do Chile e dos benefícios e problemas dos Nitratos, deu-me hoje para versar o Azoto (Nitrogénio), cujo símbolo químico é N. 
O azoto é o principal componente do ar atmosférico (78%), seguido do Oxigénio (21%) ficando 1% para os restantes gases (CO2, Hélio, Argon, …) e, apesar disso as plantas não o conseguem utilizar para o seu crescimento, pois necessitam que ele esteja na terra para as suas raízes o absorverem. É por isso que os adubos com azoto são muito importantes. As leguminosas são capazes de desenvolver simbiose com certas bactérias do solo que absorvem o azoto directamente do ar e, por isso, os terrenos em pousio devem ser semeados com estas culturas fixadoras de azoto (ervilha, ervilhaca, serradela, trevos, fava, tremoço, tremocilha, soja, grão de bico, feijão, luzerna, amendoim). 

Para além dos fertilizantes e do fabrico de explosivos, o Nitrogénio, por ser um gás inerte, isto é, que não se liga facilmente a outros compostos, é amplamente usado como conservante de alimentos, se se injectar para deslocar o Oxigénio e a humidade do ar dos seus reservatórios, impede a oxidação e aumenta-lhes o prazo de validade. 

Nas bebidas usa-se mais o Dióxido de Carbono (CO2) como gás inerte, que também as gaseifica.  Algumas águas gaseificadas são naturais, com o CO2 incluído por processos geológicos naturais, mas os refrigerantes usam CO2 artificialmente dissolvido sob pressão. Nos vinhos frisantes e espumantes, o CO2 das “bolinhas” é produzido aquando da sua fermentação na garrafa. Na maioria das cervejas o CO2 é também injectado sob pressão, embora algumas ditas “tradicionais” o façam recorrendo a uma dupla fermentação na garrafa. Só a Guiness usa Azoto (75%) e CO2 (25%), o que torna a "gravata" e o efeito de “picância na língua” diferente. 

A gravata na Guiness serve-me como exemplo para explicar o “Mal dos caixões”, doença assim chamada por afectar os trabalhadores que labutavam dentro dos contentores colocados a grandes profundidades nas construções subaquáticas, como os alicerces de pilares de pontes. Nesses locais, as pressões muito elevadas dissolvem o azoto do ar no sangue e nos tecidos, e o que sucede no copo da cerveja Guiness, quando se diminui a pressão, acontece também no nosso corpo, formando bolhas de azoto nos vasos sanguíneos e nos próprios tecidos, lesionando os órgãos, tudo dependendo do tempo e profundidade a que se esteve. 

Hoje é o nitrato de amónio que está nas notícias, amanhã, se a “modernidade” nos levar para o fundo dos mares, vai ser o azoto a encher os ecrãs das televisões.

terça-feira, 28 de julho de 2020

Ineptocracia


Ineptocracia: é um sistema de governo onde os menos capazes para liderar são eleitos pelos menos capazes de produzir, e onde os membros da sociedade menos capazes de se sustentarem ou de ter sucesso, são recompensados com bens e serviços pagos pela riqueza confiscada de um número progressivamente menor dos que produzem.

terça-feira, 21 de julho de 2020

Psila africana dos Citrinos


Então é assim: quem tem limoeiros, laranjeiras ou outros citrinos, que se cuide.
O programa de luta biológica do Ministério da Agricultura que se iniciou em Novembro de 2019, “experimentalmente” na zona centro do país (onde a doença foi identificada pela primeira vez em 2014), e que visa o controlo desta praga com recurso a um insecto parasitóide específico, tarda a ter efeito para estas zonas.
Mas afinal o que praga é esta, que é considerada a mais grave a nível mundial para estas espécies vegetais?
É um insecto picador (Trioza erytreae ) que, quando adulto, mede ~3mm. A fêmea pode pôr 2000 ovos no período de 4 a 7 semanas, na base das folhas mais novas. Depois as larvas migram para a face inferior das folhas, onde causam pequenas tumefacções, que lhes dão um aspecto martelado, onde se desenvolvem durante 20 a 40 dias, dependendo da temperatura.
Os insecticidas de “contacto” não são suficientes. Há que usar insecticidas “sistémicos”, que agora só se vendem a quem tem estufas, por causa das abelhas, e mesmo assim, se o vizinho não tratar também, o mais certo é a reinfestação a curto prazo.
Adeus laranjas e adeus limões, nos jardins das casas!

terça-feira, 14 de julho de 2020

O sucesso



Há dias, a conversa derivou para as características que estão por detrás do sucesso.

Warren Buffet, um dos investidores de maior sucesso no mundo, aposta em três: 1º: Integridade, 2º: Energia: saúde e uma propensão para a acção. 3º: Inteligência adaptativa, a capacidade de analisar rapidamente as situações e modificar as atitudes.

Embora todas sejam importantes, na ausência da primeira o mais certo é ser um perigo para si próprio e para a sociedade. Integridade é a estreita correlação entre o que se diz e o que se faz e depende . muito da capacidade em dizer “não” à multitude de solicitações do dia a dia e à noção de que pequenas decisões acertadas são mais importantes que grandes decisões pontuais.

Na minha vida conheci poucos destes e muitos a quem o sucesso chegou pela via da "Empatia" que os fez juntar pessoas em volta de um projecto que não construíram, mas que abraçaram.
É uma característica que depende da própria “construção” do cérebro, que a educação aprimora.

Warren Buffet não apostaria neles

quinta-feira, 2 de julho de 2020

Yucca dentata

terça-feira, 23 de junho de 2020

Factfulness

Fora do tempo do corre-corre, leio ”Factfulness” de Hans Rosling e relativizo as notícias com que nos bombardeiam diariamente: o “black lives matter”, os racismos, os clandestinos, os ciganos, a LGBTQQIP2SAA (lesbian, gay, bisexual, transgender, questioning, queer, intersex, pansexual, two-spirit (2S), androgynous and asexual) e tantos outros que perseguem a Humanidade desde que formou nações e que a globalização tornou mais visíveis, principalmente onde a mentalidade tribal tem uma representação mais significativa.

Todos temos uma individualidade, mas são as nossas várias identidades que frequentemente são cartão de visita, pois todos pertencemos a uma língua, a uma região mais ou menos limitada (na aldeia onde vivo, com menos de 2000 habitantes, há os de cima e os de baixo), a um grupo profissional, a algumas crenças … e, quando estamos em presença de alguém desconhecido, não somos só um indivíduo, somos também um elemento de uma ou várias classes com os respectivos créditos sociais.

Toda a gente categoriza e generaliza. Categorizar ajuda-nos a estruturar os pensamentos. Se tomássemos cada cenário com que nos confrontamos como único, não teríamos linguagem para descrever o mundo que nos rodeia. Mas esta necessidade de generalizar pode fazer-nos agrupar coisas ou pessoas de modo errado e levar-nos a conclusões acerca de um todo baseado em meia dúzia de factos ou até de um único exemplo, distorcendo-nos a realidade,

Os “media” e alguns políticos abusam das generalizações e simplificam a História para comunicarem mais facilmente e, num ápice muitos passam a exigir “medidas” que acabem “de uma vez por todas” com a violência, o racismo, o sexismo, o oportunismo, a mentira, o compadrio, o laxismo, o despesismo, o facciosismo, o erro médico, o mau planeamento, e sei lá que mais, sem tomar em conta o que já se fez e o que está em curso e, mesmo quem nunca estudou o que quer que fosse, “acha” isto e aquilo e assim ou assado, sem pejo de criticar publicamente quem se embrenhou na procura de soluções “razoáveis” e com amplo consenso..

Expor-se a confrontar “opiniões” a preto e branco e aquelas que confundem o particular com o geral e vêm injustiça no que não os beneficia. é pior que pregar aos peixes. Ter uma consciência global e olhar para a Humanidade como um todo, sem valorizar origem ou etnia, não é coisa “intuitiva”. Há que ter alguma informação e formação.

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Haley Reinhart


Haley Reinhart - nasceu em Setembro de 1990. Em 2011 andou pelos Ídolos e é minha companhia dos últimos dias.
Canta que se farta!

quarta-feira, 17 de junho de 2020

Krishna e o Covid



O rei de Ambalappuzha era um entusiasta de xadrez. Um dia Krishna, sob a forma de um sábio, desafiou-o para uma partida. O rei ofereceu-lhe, em caso de vitória, tudo o que ele quisesse. O sábio, modestamente, pediu alguns grãos de arroz do seguinte modo: o rei teria de pôr um só grão no primeiro quadrado do tabuleiro e sempre o dobro no seguinte, até ao fim dos quadrados. O rei aceitou e como perdeu, mandou vir um saco de arroz, mas ficou perplexo quando chegou ao quadrado 64 e lhe devia 18,446,744,073,709,551,615 grãos, o suficiente para cobrir toda a India com uma camada de arroz com 75cm de altura.
Depois de o confrontar com o dilema, Krishna apareceu-lhe na sua verdadeira forma e disse-lhe que não lhe teria de pagar imediatamente, pois poderia pagar servindo paal-payasam (uma sobremesa indiana semelhante ao arroz doce) gratuito aos peregrinos que fossem aos seu templo, até que a dívida fosse paga. 


A propagação de uma epidemia, onde cada doente infecta dois, pode originar uma situação desesperada em poucas semanas.

quinta-feira, 11 de junho de 2020

The Petersens


Nestes tempos de confinamento, pesquisar na Net é uma das tarefas diárias.
Ontem, quando procurava música "country", dei com esta "bluegrass band"
É uma família - mãe, três filhas, um filho, um pai a trabalhar na obscuridade e um "amigo" na guitarra dobro,.
Passeei pelo seu Facebook a ouvir as suas interpretações e pensar no ambiente familiar e social necessário para atingir este nível. 
Parabéns U.S.A. Parabéns aos pais e às Escolas. Mas sobretudo ... parabéns à mãe.



sexta-feira, 24 de abril de 2020

Shakespeare


"Depois de algum tempo aprendes a diferença, a subtil diferença entre dar a mão e acorrentar uma alma. E aprendes que amar não significa apoiar-se, e que companhia nem sempre significa segurança. E começas a aprender que beijos não são contratos e presentes não são promessas. Acabas por aceitar as derrotas com a cabeça erguida e olhos adiante, com a graça de um adulto e não com a tristeza de uma criança. E aprendes a construir todas as tuas estradas de hoje, porque o terreno do amanhã é incerto demais para os planos, e o futuro tem o costume de crain no meio do vão.
Depois de algum tempo aprendes que o sol queima se te expuseres a ele por muito tempo. Aprendes que não importa o quanto tu te importas, simplesmente porque algumas pessoas não se importam... E aceitas que apesar da bondade que reside numa pessoa, ela poderá ferir-te de vez em quando e precisas perdoá-la por isso. Aprendes que   falar pode aliviar dores emocionais. Descobres que se leva anos para se construir a confiança e apenas segundos para destruí-la, e que poderás fazer coisas das quais te arrependerás para o resto da vida. Aprendes que verdadeiras amizades continuam a crescer mesmo a longas distâncias. E o que importa não é o que tens na vida, mas quem tens na vida. E que bons amigos são a família que nos permitiram escolher. Aprendes que não temos que mudar de amigos se compreendemos que os amigos mudam, percebes que o teu melhor amigo e tu podem fazer qualquer coisa, ou nada, e terem bons momentos juntos. Descobres que as pessoas com quem tu mais te importas são tiradas da tua vida muito depressa, por isso devemos sempre despedir-nos das pessoas que amamos com palavras amorosas, pode ser a última vez que as vejamos. Aprendes que as circunstâncias e os ambientes têm influência sobre nós, mas nós somos responsáveis por nós mesmos. Começas a aprender que não te deves comparar com os outros, mas com o melhor que podes ser. Descobres que se leva muito tempo para se tornar a pessoa que se quer ser, e que o tempo é curto. Aprendes que, ou controlas os teus actos ou eles te controlarão e que ser flexível nem sempre significa ser fraco ou não ter personalidade, pois não importa quão delicada e frágil seja uma situação, existem sempre os dois lados. Aprendes que heróis são pessoas que fizeram o que era necessário fazer enfrentando as consequências. Aprendes que paciência requer muita prática. Descobres que algumas vezes a pessoa que esperas que te empurre, quando cais, é uma das poucas que te ajuda a levantar. Aprendes que maturidade tem mais a ver com os tipos de experiência que tiveste e o que aprendeste com elas do que com quantos aniversários já comemoraste. Aprendes que há mais dos teus pais em ti do que supunhas. Aprendes que nunca se deve dizer a uma criança que sonhos são disparates, poucas coisas são tão humilhantes e seria uma tragédia se ela acreditasse nisso. Aprendes que quando estás com raiva tens o direito de estar com raiva, mas isso não te dá o direito de ser cruel. Descobres que só porque alguém não te ama da forma que desejas, não significa que esse alguém não te ama com tudo o que pode, pois existem pessoas que nos amam, mas simplesmente não sabem como demonstrar ou viver isso.
Aprendes que nem sempre é suficiente ser perdoado por alguém, algumas vezes tens que aprender a perdoar-te a ti mesmo. Aprendes que com a mesma severidade com que julgas, poderás ser em algum momento condenado. Aprendes que não importa em quantos pedaços o teu coração foi partido, o mundo não pára para que tu o consertes. Aprendes que o tempo não é algo que possa voltar para trás. Portanto, planta o teu jardim e decora a tua alma, ao invés de esperares que alguém te traga flores. E aprendes que realmente podes suportar mais... que és realmente forte, e que podes ir muito mais longe depois de pensar que não se pode mais. E que realmente a vida tem valor e que tu tens valor diante da vida!
As nossas dádivas são traidoras e fazem-nos perder o bem que poderíamos conquistar, se não fosse o medo de tentar."

William Shakespeare

sexta-feira, 10 de abril de 2020

Bouças



Não há, ou se há, são raríssimas, as soluções que agradam a todos. Por isso, existirá sempre uma minoria descontente.

É a vida, como diria o engenheiro Guterres.

Quando os Hipermercados tomaram conta do comércio a retalho, a maioria ficou satisfeita ao ver a “feira todos os dias, com horário alargado”. Quem se amolou foram os merceeiros e muito do comércio de bairro. Quando as Clínicas tomaram conta dos “Consultórios Particulares”, poucos se preocuparam com o facto dos médicos melhorarem ou piorarem o seu vencimento. Quando o dinheiro aplicado em “ações” se perde, ninguém lamenta, mesmo que seja o aforro de anos de trabalho.

É a vida. As coisas vão mudando e temos de nos adaptar às novas regras do jogo.

Vem isto a propósito da floresta portuguesa, que no Norte está imensamente fragmentada.  75% pertence a cerca 500 000 proprietários florestais privados, a grande maioria com mais de 60 anos e com pouca instrução. Mais de metade são reformados- E isto referente aos identificados, pois muitos dos não identificados já estão mortos, sem herdeiros conhecidos ou andam por outras paragens e abandonaram as bouças.

Neste cenário e com o aumento da longevidade da população, o mais certo é os seus descendentes irem herdar quando já tiverem mais de 60 anos e a vida mais ou menos arrumada, e sem vontade de modificar o “stato quo”.

A floresta é como tudo o resto. Se o expectável é que dê uma colheita de eucaliptos de 15 em 15 anos (se não houver fogos) e que os encargos com a sua manutenção sejam diminutos, tal deixou de ser “garantido”. A tendência é para os encargos com a manutenção aumentarem, quer através da imposição limpezas regulares (o que para muitos exige recurso à contratação externa), quer com regras que obriguem a um maior espaçamento entre árvores, o que pode fazer com que o lucro se perca.

Hoje o problema coloca-se sobre os proprietários de bouças que estão dentro dos 100 metros dos aglomerados populacionais ou nos 50 metros em redor de habitações isoladas, amanhã, muito provavelmente, outras normas se imporão e aquilo que era um bem “seguro”, irá deixar de o ser.

A exploração florestal, exige “dimensão”. Ou caminhamos na direcção do associativismo florestal ou os decisores políticos irão optar pela via penalizadora e coerciva, já que uma floresta demasiado vulnerável responsabiliza o Estado em situação de catástrofe, como recentemente aconteceu em Pedrógão.

Nessa altura, muitos dirão que “o Estado falhou” para se candidatarem a indemnizações, quando, na altura certa, recusaram as alterações que lhes dariam maior segurança contra o fogo e a eventuais perdas de rendimento.

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Trabalhos de avô em tempos de Covid


-Sara anda descansar!
Diz que não, foge pouco convencida e rende-se quando a seguro por um braço. Ponho-a ao colo. Faz-me um “xi-coração, munto gande” e deixa que a leve, sem mais protestos.
Chegados ao quarto, começam os trabalhos. – Avô! O bébé! Está habituada a dormir com um boneco e uma peça de um puzzle com uma imagem do Noddy. Procuro o bébé e ponho-lho numa das mãos e na outra o Noddy. – Avô! Patos! Tiro-lhe os sapatos.- Ali em cima!, ponho os sapatos em cima do armário, apago a luz e sento-me na cadeira, com ela ao colo.
Aconchega-se até sentir algum conforto, o que demora umas cinco ou seis voltas, para fugir às minhas irregularidades. Ajudo-a sem ela notar e fico numa posição desconfortável de manter de modo sustentado.
– Avô! Cavalo! É a ordem para eu cantar o “Era uma vez um cavalo” que vivia num lindo carrocel…! Canto em voz sussurrada, umas dez vezes, até a sentir mais calma e páro de cantar. -Avô! Come a papa! -Oh Sara!. eu já cantei o cavalinho muitas vezes! – Come a papa! Avô! Não é uma ordem, mas é como se fosse. Se eu não cantar, ela volta a ficar activa e tenho de começar tudo de novo. Negoceio. – Só uma vez! E depois a Sara dorme. Está bem? -Sim! Canto o Come a papa, umas seis vezes, a última num sussurro.  Procura outras posições para dormir, sempre com o bébé numa mão e o Noddy noutra, que vai mordiscando.
Está quase a dormir. Deixa cair o bébé e desperta. – O bébé!. diz num misto de sono e choro. Torço-me para apanhar o boneco do chão, sem lhe alterar a posição no meu colo. Dou-lhe o boneco. Agarra-o e procura nova posição. Passa-me a mão pela face para se assegurar de que eu ainda estou ali. Já estou com o braço que lhe sustenta a cabeça dormente, receoso que os meus movimentos a estimulem.
Está quase. – Toma!, diz passados minutos. Às escuras, entendo que me está a dar o Noddy. Recebo-o. Aninha-se menos tensa e sinto que já não segura o bébé que mantém junto ao corpo. A respiração é agora mais pausada. Deve estar a dormir. Levanto-me com ela nos braços. Não reage. Deito-a na caminha. Ajeita-se. Uma vez, duas vezes. Em bicos de pés, vou até à porta. Entra um pouco de luz no quarto e ouço um. – Avô!, muito esmorecido. Respondo, -O avô está aqui! e volto a entrar.
Está quieta há minutos e com a respiração pausada. Saio. Passou uma hora.
Amanhã vai ser igual.

segunda-feira, 30 de março de 2020

Fascinante



Tivesse eu a verve da minha mãe e abreviava-lhe a descrição de modo conciso e eficaz, pois ninguém, que eu conheça, é capaz de definir numa palavra aqueles que a impressionam, principalmente quando o fazem negativamente.

É um homem negro, de pele muito escura e dentes brancos como nas caricaturas. Nos seus 30 anos, é magro e muito alto - terá perto de um metro e noventa, e caminha como se flutuasse, atirando levemente as pernas para a frente, com ligeira inclinação do trono para trás e para a esquerda. Óculos escuros de lentes grandes. Na mão uma bengala.
Nada de mais, não fora a fatiota ou melhor as fatiotas que ostenta. Já lhe conheci um fato rosa choque, um amarelo canário, um branco imaculado e um com cornucópias de cores berrantes. E quando digo fato, é casaco justo feito à medida, que deixa ver o colete da mesma cor, impecavelmente abotoado, que veste com camisa preta ou rosa ou amarela, em absoluto contraste, e gravata bem arrumada a compor o conjunto. A calça da mesma cor, tem o pormenor de ser pela canela (lá está) e deixar ver umas meias discordantes a sair de uns enormes sapatos com polainas. A rematar o conjunto, um chapéu de abas pequenas, afiado na copa, na mesma cor do fato.

E assim ondeia pela rua, indiferente aos olhares que o seguem que, como eu, disfarçam o encantamento e se retraem de fazer o que mais apetece – pegar no telemóvel e fotografá-lo, ou melhor, filmá-lo, para o rever no recato de um quarto.

Não sei de onde saiu ou para onde vai. É um aparecer esporádico e, agora que penso, sempre em dias de sol,
Não tem alcunha que se lhe conheça. Eu chamar-lhe-ia o “Fascinante”.

É o "men african wear 2019" a passear pelas ruas do Porto.

História de H. G.

terça-feira, 24 de março de 2020

Covid 19 e a Economia


Texas Lieutenant Governor Dan Patrick, is of the opinion that those most at risk, should volunteer to die to save the economy. MARCH 24, 2020




Não me rejeites na velhice,
quando as minhas forças estiverem gastas,
Não me abandones.
Pois os meus inimigos falam de mim,
e aqueles que esperam para emboscar a minha alma conspiram e dizem:
Deus o abandonou; persigam-no e agarrem-no, porque não há quem o salve!.
Ó meu Deus, não fiques longe de mim,
Ó meu Deus, apressa-te em me ajudar.
Que aqueles que desonram a minha alma sejam envergonhados e consumidos!
Pois eu confiarei em ti para sempre, e te louvarei eternamente.

Pavel Grigorievich Chesnokov (Russia 1877-1944)

sexta-feira, 20 de março de 2020

Músicas dos Judeus ortodoxos


Neste tempo de quarentena, farto das músicas correntes na nossa rádio, ponho-me a explorar no Youtube, o que se canta fora da Europa e das Américas e tropeço mais uma vez nos Judeus Ortodoxos. E eu que pensava que esta malta vivia sufocada por uma Tora que os punha amargurados a bater com a cabeça no Muro, pasmo com a qualidade da sua música ligeira.

Os coros - o Shira Choir, o Malchus Choir, o Yossi's Choir - e alguns dos cantores como o Udi Davidi e Shmueli Ungar são muitos bons.

Não percebo patavina do que dizem. Penso serem orações a Deus ou coisa parecida, mas a sonoridade é moderna e as vozes divinas.

Deixo aqui para quem queira variar.



terça-feira, 3 de março de 2020