São 14:00h de segunda-feira, estou no Hospital desde as 08:00h de domingo e vou iniciar a Consulta Semanal. Fazer uma Urgência Extraordinária ao fim de semana, tem destas coisas. Consegui passar pelas brasas entre as três e as sete horas. Já me tinha prometido uma folga a seguir a um período de Urgência de 24 horas, mas, por uma razão ou por outra, acabo sempre por não adiar os doentes. … Mas para a frente, que hoje são dez.
Vou começar pelo terceiro da lista, que me parece fácil. Deve ser só para ver um exame e orientar. É como se fosse um “aquecimento” para o que vem a seguir. Tem uma doença cardíaca.
Chamo-o pelo intercomunicador, enquanto procuro o processo clínico no monte em cima da secretária. Não está! Lembro-me agora, que recentemente me interpelou, num corredor, por causa de uma cirurgia às hemorróides.
Entra acompanhado pela mulher e por uma criança pequena. Tem 48 anos e todos os vícios. É gordo, bebe, fuma, está quase surdo e desequilibrado por sequelas de uma cirurgia ao ouvido.
Pergunto-lhe pelo coração e ele responde-me das hemorróides. A mulher assume o papel de intérprete, enquanto a garota, depois de um curto período de retracção no meio das pernas dela, se aventura entre os móveis do consultório.
Vou começar pelo terceiro da lista, que me parece fácil. Deve ser só para ver um exame e orientar. É como se fosse um “aquecimento” para o que vem a seguir. Tem uma doença cardíaca.
Chamo-o pelo intercomunicador, enquanto procuro o processo clínico no monte em cima da secretária. Não está! Lembro-me agora, que recentemente me interpelou, num corredor, por causa de uma cirurgia às hemorróides.
Entra acompanhado pela mulher e por uma criança pequena. Tem 48 anos e todos os vícios. É gordo, bebe, fuma, está quase surdo e desequilibrado por sequelas de uma cirurgia ao ouvido.
Pergunto-lhe pelo coração e ele responde-me das hemorróides. A mulher assume o papel de intérprete, enquanto a garota, depois de um curto período de retracção no meio das pernas dela, se aventura entre os móveis do consultório.
-Quantos anos tens?, pergunto-lhe, para a tentar fixar na área de influência dos adultos. Ela abre as palmas das mãos para mim. Dez? pergunto. Dois! Responde a mulher. É minha neta!
Procuro no computador alguma informação que possa suprir a falta do processo, mas falta o exame efectuado no exterior. Chamo a auxiliar para que o tente achar. A criança aproveita a distracção e, num gesto propositado, atira o que lhe está mais próximo da secretária para o chão .
-A criança devia ter ficado lá fora!, digo, depois de constatar que ela é incontrolável. -Mas com quem?, pergunta a mulher, que não tem mais de quarenta e cinco anos. -A minha filha, trabalha!
Procuro no computador alguma informação que possa suprir a falta do processo, mas falta o exame efectuado no exterior. Chamo a auxiliar para que o tente achar. A criança aproveita a distracção e, num gesto propositado, atira o que lhe está mais próximo da secretária para o chão .
-A criança devia ter ficado lá fora!, digo, depois de constatar que ela é incontrolável. -Mas com quem?, pergunta a mulher, que não tem mais de quarenta e cinco anos. -A minha filha, trabalha!
-A Sra. podia ter ficado com ela lá fora!, arrisco, e ela contrapõe-me que tem de acompanhar o marido para o ajudar na surdez e no equilíbrio.
-Dá-lhe a bola que ela cala-se!, impacienta-se também o Sr. Aniceto, e, no instante seguinte, uma bola rola na sala com a criança no seu encalço.
Interrompo a consulta. -Por favor! Assim não dá!... Vão esperar lá fora, que eu chamo-os, de novo, quando chegar o processo e os exames!
…
Atendo os cinco doentes seguintes, até me vir a auxiliar com a informação de que o processo pedido aquando da cirurgia, não está arquivado, e, até lá, é impossível encontrá-lo, mas que o exame ao coração que fez no Porto, foi entregue ao doente na altura da alta.
Chamo-os de novo. Estão impacientes. Ela vocifera, que ninguém lhe disse para trazer o exame. A criança chora, e ele procura nos bolsos do casaco o papel com o nome dos medicamentos, para que eu lhos prescreva, pois já acabaram. Marco-lhe consulta para a semana seguinte, enquanto ele espalma à minha frente os recortes das caixas dos medicamentos.
Rapidamente identifico três que pertencem ao mesmo grupo farmacológico.
-O Sr. Aniceto não pode estar a tomar estes medicamentos!?, questiono a mulher, temendo a toxicidade cumulativa.
- Não Sr. Dr.!, responde, enquanto se levanta. -Ele só toma o Nebilet. O Carvedilol é para pagar na farmácia, que o temos em dívida, e o Concor é para mim!
…
São quase dezassete horas e ainda me faltam quatro doentes. Respiro fundo …
-Dá-lhe a bola que ela cala-se!, impacienta-se também o Sr. Aniceto, e, no instante seguinte, uma bola rola na sala com a criança no seu encalço.
Interrompo a consulta. -Por favor! Assim não dá!... Vão esperar lá fora, que eu chamo-os, de novo, quando chegar o processo e os exames!
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Atendo os cinco doentes seguintes, até me vir a auxiliar com a informação de que o processo pedido aquando da cirurgia, não está arquivado, e, até lá, é impossível encontrá-lo, mas que o exame ao coração que fez no Porto, foi entregue ao doente na altura da alta.
Chamo-os de novo. Estão impacientes. Ela vocifera, que ninguém lhe disse para trazer o exame. A criança chora, e ele procura nos bolsos do casaco o papel com o nome dos medicamentos, para que eu lhos prescreva, pois já acabaram. Marco-lhe consulta para a semana seguinte, enquanto ele espalma à minha frente os recortes das caixas dos medicamentos.
Rapidamente identifico três que pertencem ao mesmo grupo farmacológico.
-O Sr. Aniceto não pode estar a tomar estes medicamentos!?, questiono a mulher, temendo a toxicidade cumulativa.
- Não Sr. Dr.!, responde, enquanto se levanta. -Ele só toma o Nebilet. O Carvedilol é para pagar na farmácia, que o temos em dívida, e o Concor é para mim!
…
São quase dezassete horas e ainda me faltam quatro doentes. Respiro fundo …
História de A.S.
1 comentário:
Isto de ser médico, não é pêra doce.
Sobretudo quando se é médico a sério.
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