terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Um grande agradecimento




Era Natal. Um dia a obrigar a agasalhos redobrados. Na baixa um mar de gente formigava pelas lojas na procura do objecto “único” para alegrar aqueles para quem a mente nos foge. Um papelinho no bolso a orientar trajectos, e nas mãos as sacas com os presentes já comprados. Assim embrulhados pouco nos distingue da mole que se move entre o fumo das castanhas.
Hernâni, era um cirurgião experiente que a grande cidade, aqui e além, reconhecia. Viera com a mulher, mas saíra da loja, onde ela demorava, incomodado com o calor. Observava o movimento. Cumprimentara já três ou quatro pessoas, mais por resposta a olhares que lhe pareciam dirigidos, que pelo conhecimento exacto de quem vinham. Depois aparecera o Ulisses. Falara da família e de coisas da profissão e despedira-se com “Um Bom Natal!” e uma palmada nas costas.

Olhava o relógio, para se reajustar à tarde que se encurtava, quando as duas mulheres se lhe dirigiram, sorridentes. Olhou à volta, na procura de outro alvo. A mais nova lembrava-lhe alguém, mas a mais velha, nos seus sessenta anos ainda frescos, não a associava a nada. E era essa que se preparava para o beijar e fazer festa.
-Oh! Dr.! Um Bom Natal! Lembra-se de mim?

A profissão facilitara-lhe os contactos. Alguns estavam fixados na doença, sem os atavios que dão dignidade a um corpo nu, e fora desse contexto raramente os identificava. Mais uma vez confrontava-se com a necessidade de fazer conversa de circunstância, na esperança de encontrar a ponta para lhes chegar. – Um Bom Natal para si também! Como está? Anda bem?
A filha, atrás despistara-lhe o embaraço. -É a minha mãe! Eu sou a Leonilde. Fui sua aluna na Escola de Enfermagem! Lembra-se de ela ter ido connosco naquela viagem que os finalistas organizaram à neve?, e num repente fez-se luz .
- Então não me havia de lembrar! Aquilo é que foi um susto!, disse, enquanto lhe retribuía o abraço. – Desculpe não a ter logo identificado, mas estava a procurá-la na “gaveta” dos doentes! Claro que me lembro! Tão aflita que a senhora estava, naquele autocarro cheio de jovens!
-Foi, foi, Sr. Dr.! A noite estava tão serrada e fria, que se o Dr. não tivesse saído comigo para o meio do campo, com a sua lanterna de ver gargantas, fazia mesmo nas calças. Tinha tanto medo de ir sozinha com a minha filha. Sei lá. Até lobos podiam aparecer!

-E eu a pensar que a tinha tratado de uma doença mortal!

2 comentários:

JARRA disse...

Bem escrito. Parabéns!

capitão disse...

Obrigado!
Confesso que tentei fazer mais que contar a história!