quinta-feira, 27 de outubro de 2016

Humm Hamm


-Olha lá! Hás-de ver aquilo ali da cara da tua mãe. Tenho posto muito creme, mas está cada vez pior!
-OUTRA VEZ!?
Confesso que reagi assim. Volta meia volta lá vem a conversa da lesão da face. Hoje tem, amanhã não é importante…, afinal tem, afinal não era nada e já está melhor…
Eu sempre fui olhando e o aspecto nunca me impressionou. Mas desta vez saquei do telefone e logo ali agendei uma consulta de Dermatologia para 5ª feira, no hospital privado. Afinal tem que se pôr a render a ADSE. Não fico a dever favores a ninguém. poupo uma ida ao Hospital público e acabo com esta cena de uma vez por todas.
-Humm, Hamm, Humm! Achas mesmo que é necessário?
- Agora vai. Queiras ou não!

Dois dias antes da consulta:
-Olha lá! Afinal não é necessário levares a tua mãe à consulta de Dermatologia. Tenho posto bastante creme e já quase não se nota.
-Agora vai!, respondi, seca como só eu sei ser.
-Humm, Hamm, Humm, Hamm! É que ouvi um programa na televisão sobre infecção hospitalar. Não sei se sabes mas morrem mais pessoas de infecção com bactérias hospitalares do que de acidentes de automóvel e eu não quero ir ao hospital e vir de lá mais doente porque os profissionais não lavam as mãos e não mudam de roupa. Isto nos hospitais está muito mal! Eu ouvi e acho uma pouca vergonha, ...blá, blá…
Vesti-me de paciência e dissertei sobre infecção hospitalar…
- Hummm,…Hammm,…Hummm! Bem, vamos lá… se tu dizes!.

Chegado o dia e, bem antes da hora marcada, chegamos ao hospital para termos tempo de procurar o local e ultrapassar todos os obstáculos previsíveis, desde o estacionamento até as burocracias inerentes ao registo.
Sentados na sala de espera tentei a minha sorte:
- Entro eu ou entras tu com a mãe?
- Humm, Hammm, Humm! Porquê? Não podemos entrar os dois? Hummm, Hammm, Humm! Está bem vai tu! Mas eu quero saber tudo!
Estratégia definida e já em castelhano sonoro se ouvia: Maria Antonieta

A dita levantou-se pesarosa como se fosse para o cadafalso. Ombros tombados, sobrancelhas caídas a acompanhar o arco descendente das comissuras labiais A carteira pendia do braço prestes a despenhar-se. Olhos em alvo, como só ela sabe fazer, mal cumprimentou o médico que, no seu melhor castelhano, a mandou sentar.
-Entonces de que se queixa?, perguntou, falando muito alto e com a boca aberta, tal como nós fazemos quando falamos castelhano.
Sem falar, apontou com a unha do indicador, impecavelmente rubra, a lesão da face… O olhar mantinha a gravidade no acto…olhos em alvo.
De um pulo o Doutor saca da lupa e assesta-a na lesão e, de imediato, grita:
-No tem problema! Es benigno. No es maligno, nem nunca va a ser! No tem problema! Pode descansar! Se quiera podemos sacar, mas fica una mancha! Es igual!
Agora já os olhos da paciente retomam a linha do horizonte e ainda de lábios cerrados, levanta os dedos unidos que abre e fecha à face do doutor.
-Tienes medo!? No tengas! No es nem va a ser malo!.
Nestes 3 segundos estava concluída a consulta mas ainda consegui pedir ao doutor para repetir ao meu pai as boas notícias. Que sim, mas fez-me sentir que teria de ser rápido.

Lá o trouxe até ao consultório e quase consegui que não se sentasse. Repetiu então o médico a boa frase, no mesmo tom de voz, como se fossemos todos portugueses a falar espanhol com a boca aberta.
-Humm, hamm, hummm, hamm! Eu tenho posto bastante creme…
-Vamos lá que está tudo bem!, disse eu enquanto o levantava para o empurrar porta fora.
-Hummm, hammm! O sr. dr. não é português?
-No! Espanhol!
E já com o corpo fora do consultório – Hummm, Hammm! Então quer dizer que não é psoríase?? ... Ainda bem!


Texto de Helena Gomes (
my sister)

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