domingo, 28 de abril de 2013

Pimba!

- É muito chato ser velha, sr. Dr.! Eu fazia massagens chinesas e sempre fui saudável. Trato-me com chás e Vic. Sou avessa a remédios. Nem cosméticos uso! Só ponho cola para que os dentes não me caiam. Não sou uma pessoa adiposa e tenho andado feliz, ora para aqui ora para acolá, e de repente, Pimba! Isto é da gerontologia, da 3ª idade ou da alteração do clima. O Porto também é húmido, mas é diferente de Valença, que é campo.!
O meu reumático é o chamado “articular”. Ou me dá na região sacra ou me tira a força nas pernas. Aquela caixa de comprimidos está por estrear. Só tomei seis. E depois, Pimba! Fiquei completamente desconjuntada e com a ferramenta no chão!

quarta-feira, 24 de abril de 2013

Amuletos, Taxistas e outros melros

- Eu sou de Paderne, Melgaço. Quando era pequena, tinha uma vizinha muito dada a coisas do além, e o Zeca da Pureza levava-a ao Bruxo de Viana, para ela se livrar dos encostos, dos quebrantos e das invejas. Quando voltava fazia defumações com ramos de alecrim.
Era um bom negócio para os taxistas e até havia quem telefonasse para preparar a conversa e o cenário.
Mas havia outros negócios. Nas ourivesarias vendia-se o São Solimão para livrar as criançinhas do mau-olhado ou uma chavezinha para fechar o "corpo aberto".
- E o que é um São Solimão?
- É um conjunto de quatro peças em prata ou ouro, que se oferece aos recém-nascidos. Tem uma figa para afastar as doenças e outros perigos, uma estrela de David para proteger das influências malignas e atrair boas energias, um corno (cornucópia) para dar tudo o que o seu dono possa desejar, e uma lua crescente para dar força e protecção. O nome São Solimão, deve ter a ver com Solimão o Magnífico, monarca proeminente da Europa do século XVI, sultão do Império Otomano e califa do islão, "justo e incorrupto", patrono de artistas e filósofos, elevado a "santo" pelo Portugal popular e fixado num amuleto.
- Do mal o menos. E que é ter "o corpo aberto"?
- É ter a capacidade de sentir o que se passa no mundo dos espíritos e estar sujeito a que um deles lhe entre no corpo e o subjugue. Se o espírito reage, poderá ocorrer uma crise convulsiva.
- Aaaahh!

terça-feira, 16 de abril de 2013

Histórias de há 50 anos

Lembro-me de ele almoçar lá em casa às sextas-feiras. Eu teria uns nove anos e ele parecia-me enorme.  Quando lhe ia dar um beijo, ele recusava-o, e simulava um chapadão pondo-me aquela grande mão na cara. Era um padre de muitas histórias, que o meu pai tratava por tu.
Uma delas foi a senhora Teresa que contou, de um sobrinho que “tinha o diabo metido no corpo”, porque saltava para cima das árvores e fazia montes de tropelias, até ao dia em que ele o fechou na igreja e lho tirou com um pau de marmeleiro e mais meia dúzia de rezas.
Bem! Na sexta-feira seguinte, quando o meu pai o apanhou, questionou-o logo, na galhofa:
-Então pá! Ouvi dizer que tiraste o diabo do corpo do miúdo. Conta lá como foi isso!, e ele não gostou e disse-lhe, muito grave: -Com coisas sérias não se brinca!, e como o meu pai insistiu, o padre levou a mal e deixou de lá ir comer.
Ele tinha autorização para fazer exorcismos e só depois de muitas desculpas e alguns meses é que voltou. Depois "confirmou-se" que o rapaz estava mesmo "possesso", porque lhe mostraram um crucifixo e “reagiu mal”, e que o padre teve que jejuar e estar em oração não sei quantos dias, para lhe poder tirar o diabo à pancada.
Há 50 anos, coisas como esta, eram o dia-a-dia.
O meu pai sofria muito com as paixões. Como era viúvo (mesmo antes de ser viúvo) tinha imensas paixões, e quando andava com uma amante nova, sofria e fazia-nos sofrer. Vinha mal disposto, berrava que se fartava. Era uma chatice!!
Um dia a cozinheira chamou lá uma mulher para lhe "defumar" a roupa, porque a culpa era das amantes que lhe "davam a dose” e aquilo ia fazê-lo vomitar os tais “monelhos de cabelos”. Isto era feito quando a minha avó saía. Mas a minha irmã contava-lhe tudo e a minha avó insurgia-se: Não quero cá dessas brincadeiras! Mas o certo é que lá iam, umas cuecas ou uma camisa, para defumar … . Mas não resultou. Até funcionou ao contrário. Ele cada vez arranjava mais amantes. Estava sempre apaixonado! Era o diabo!

domingo, 14 de abril de 2013

O respeito

Lembro-me dele. Era mau como as cobras. Apanhava bebedeira de meia-noite e batia na mulher forte e feio. Há para aí uns seis anos morreu e ela passou a ir todos os sábados ao cemitério pôr-lhe flores na sepultura. Mas não eram umas flores quaisquer. Eram flores caras, compradas na florista.  Aquilo dava nas vistas porque era a campa mais bem arranjada da freguesia.
Um dia, uma amiga chegada perguntou-lhe:
- Oh mulher! Ele deu-te tão mau viver e tu vens todas as semanas pôr-lhe flores deste jeito! Que ideia é essa?
A senhora, temente a Deus e às almas do outro mundo, olhou para o lado, para se certificar que ninguém a ouvia, e segredou-lhe:
- Sabes!? É que eu tenho medo que ele volte!

sexta-feira, 12 de abril de 2013

As cinzas

Eles não eram de cá. Tinham estado emigrados em França e compraram aqui um terreno vai para uns trinta anos. Fizeram uma grande casa, casaram a filha, e ficaram todos a viver nela.
Há quatro anos, quando o velho morreu, a velhota floriu. Pinta o cabelo, arranja as unhas, pôs-se toda gaiteira e passa a vida no laréu. Até aprendeu a conduzir! Ela deve ter sessenta e poucos.
O velho era uma pessoa "normal", embora com fama de forreta. Mas, dentro de portas, a julgar pelos factos, não deve ter sido bom de se assoar. O corpo foi cremado no Porto e, não sei porque carga de água, trouxeram as cinzas e colocaram-nas num móvel da sala e agora ela, quando está mais eufórica, “informa-o” da sua nova vida.
No outro dia, à refeição, virou-se para lá e disse, com ar provocador:
- Olha! Estou a comer bife! E do caro!
E de outra vez, depois de se ter alindado, estendeu as mãos na sua direcção a menear-se e, numa de libertação, esclareceu-o:
- Olha! Fui à cabeleireira! ... E pintei as unhas! Olé! ...
...
E o velhote sem poder dar voltas na tumba! Já viste!?

domingo, 7 de abril de 2013

Carta a Jomba




Caro Jomba:

Antes de mais, queria pedir-te desculpa por me ter rido, quando há anos ouvi esta tua entrevista.
Um pouco pelo assunto (a escatologia sempre me fez rir) mas também com aquele sentimento de superioridade de quem só olha para o superficial da coisa, o certo é que durante uns tempos ficaste no meu rol de anedotas verídicas. Só depois é que me deu para analisar o teu empenho em defender a saúde pública sem um mínimo de recursos. Passaram-te a mão pelas costas, nomearam-te “chefe de secção” e mandaram-te para o terreno impedir a dispersão das doenças pelos rios, lagos e nascentes, com as palavras de que fosses capaz e, mesmo assim, justificaste tudo com falta de dinheiro.
Mas quantos de nós, que rimos, aceitámos já tarefas, fiados no apoio de quem nos está acima e caímos numa realidade pouco diferente?
Por isso te olho agora de outra perspectiva, a de quem é chamado a dar a cara e fica à mercê da ignorância, do desleixo e de um jornalismo que não contextualiza.
No teu caso numa zona remota de um dos países mais pobres do mundo, a falar uma segunda língua, aprendida sabe-se lá como.
Devia-te esta carta.

Um abraço, de cá de longe.

Fernando

quinta-feira, 4 de abril de 2013

Thomas Jefferson

"A government big enough to give you everything you want, is a government big enough to take away everything that you have."
(Thomas Jefferson, 3rd President and Founding Father of the USA)

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Tipos

Gosto de queijo da serra onde sinto ovelhas do monte e técnicas tradicionais de confeção. Como-o como aperitivo com Vinho do Porto e Pão Alentejano ou numa fatia de pão de Ló, e delicio-me.
Quanto ao queijo “tipo serra”, evito-o porque lhe falta "obrigatoriedade" e porque tenho alguma aversão às classificações do tipo “tipo".
Nos últimos anos, sob o pretexto de simplificar conceitos e procedimentos, surgiram na linguagem médica, inúmeros "tipos” e "graus". As Varizes passaram a ser do Tipo 1, 2, 3 e 4, os Enfartes do Miocárdio do tipo 1, 2, 3 ,4a, 4b e 5 e até as Fezes se podem classificar de 1 a 7. Tudo o que pode ser diferente obriga-se a estes critérios. Ou é em grau ligeiro, moderado ou grave, ou tipo 1, 2, 3, 4, ...,  e já não é necessário saber descrever o que se observa. Só há que memorizar os tipos de tudo e esperar que os interlocutores o façam também .
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Qualquer dia não vai ser estranho ouvir uma conversa entre médicos deste teor:
- Sabe, colega. O doente da cama dez, depois do almoço tipo 4 teve uma eructação de grau 2 e o da cama vinte durante uma dor grau 4, teve um flatus tipo 3!
- Óptimo! Atendendo a que ambos tinham fezes tipo 2, podemos diminuir à terapêutica!
...
Tudo fácil!