segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Uma dor
























- Ai, Sr. Dr.! Isto não pára de doer. Só respiro para fora. Para dentro não posso! Está a ver! Agora veio para a costela. Já cá está! Ainda há bocado estava nas costas!
- É como ele diz, Sr. Dr.! Há uma semana que anda com essa dor do lado direito, e a única coisa que come bem, são os Aiogurtes!

sábado, 26 de fevereiro de 2011

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Nos limites


- Às 08:00h a Triagem passou sete doentes que chegaram durante a noite. Telefonaram do Hospital de S. João a dizer que vão transferir um doente, e também telefonou uma médica de um Lar a dizer que enviaram uma senhora com uma taquicardia de 160 por minuto. Eu fico com estes, você resolve os oito que estão no corredor e os que chegarem vamos vê-los de acordo com as possibilidades. O Internamento está cheio! Se houver dificuldade diga. Tenha atenção às especialidades de apoio, para que os doentes não fiquem para amanhã - Psiquiatria das 08:00h às 12:00h, Urologia das 10:00 às 11:00h, Oftalmologia das 08:00h às 12:00h e Neurologia das 16:00h às 20:00h.

- Dr.! Chegou um doente para Psiquiatria, mas como já são 12:30h, triei-o para o Chefe de Equipe! Vem com um Mandado de Condução, acompanhado por dois Guardas da G.N.R..
- Mande-os entrar!
Tem 48 anos, vem embriagado. É grande e gordo. Criou um desacato no Centro de Saúde onde foi para renovar medicação, ao saber que tinha de pagar 2,25 Euros de taxa moderadora, por lhe ter sido retirado o Rendimento Social de Inserção. O documento diz que ameaçou repetidamente bater com a cabeça da mãe na parede até a matar. Agora está calmo. Pergunta como é que vai viver sem ter dinheiro. Confessa ter bebido “dois copos” de vinho do Porto.

- Dr.! Telefonou o CODU a dizer que vai chegar um doente, encontrado na via pública em paragem cardio-respiratória e que vêm a fazer manobras de ressuscitação!
Abro a Sala de Emergência e nem cinco minutos depois, lá vem uma maca com a parafernália que acompanha estas situações. Cheira a indigente.
Muda de maca, removem-se-lhe as roupas sujas e liga-se aos monitores. Há um filho lá fora! Entretanto o coração bate e tem pulso, mas só respira porque está ligado a um ventilador. É um doente psiquiátrico, grande fumador e alcoólico, com sequelas de tuberculose. Para já está vivo.

- Dr.! Sabe do Neurologista? Ele já aqui esteve, mas há doentes à espera e ninguém sabe dele!
- Deixe que eu vou telefonar-lhe!

- Dr.! Sabe dos Cirurgiões?! Chegou um politraumatizado grave …

- Dr.! O doente vai ter de ser transferido acompanhado por enfermeiro e médico!
- E porquê? Já preencheu a folha que identifica essa necessidade?
- Não! Mas eu não me responsabilizo se acontecer alguma coisa no transporte.
- Não se responsabiliza você, mas responsabilizo-me eu, se o preenchimento da folha indicar que vai só acompanhado por enfermeiro. Você não sabe que é necessário adequar os recursos às necessidades?

- Dr.!
- Diga Sr. Enfermeiro!
- Com uma noite tão linda, como a que está lá fora, mande chamar o helicóptero e o doente chega lá num instante!
- Tenha calma que o homem chega lá mais depressa, e mais barato, se for de ambulância. E essa coisa do serviço ficar desfalcado de enfermeiro durante três horas, por muito que vos custe, não é assim que se resolve.

- Dra. R* vai ter de acompanhar este doente na ambulância, que ele está com uma Enfarte do Miocárdio em evolução e Cardiologia recebe-o para cateterismo. Vá jantar qualquer coisa rápido, que tem duas horas de viagem pela frente. Quando chegar acaba o que tem em mãos. Se tiver alguma coisa que seja emergente, diga!
...
- Dr.! O médico da Radiologia está ao telefone e quer falar consigo!
- Sim! Diz!
- São dez horas da noite, e estou há montes de tempo à espera que os maqueiros tragam os doentes. Por este andar não consigo dar conta dos exames até à meia-noite. Vê se eles mos trazem. Ok?
- Ok! A esta hora é sempre um problema, com o jantar e o levar doentes para o internamento. Ainda por cima hoje houve muitos acidentados. Mas eu vou mandar pôr aí alguns!
...
...
...

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

INEM


Coruche: Médicos tentam reanimação no velório
“O corpo do meu pai chorou e respirou”
João Alves ainda está mal refeito da situação insólita ocorrida no velório do seu pai, António Ferreira Alves. "Tenho a certeza que estava vivo. Vi-o a agarrar com força na mão da minha mãe, antes de deitar algumas lágrimas, como se estivesse a despedir-se", descreve João Alves. O insólito aconteceu na tarde de domingo, em Lamarosa, Coruche.


Quando se aperceberam de que o falecido aparentava sinais de vida, os familiares de António Ferreira Alves pediram socorro através do número de emergência, 112. Imediatamente foi accionada uma equipa médica do Instituto Nacional de Emergência Médica no Hospital de Santarém e também os bombeiros de Coruche, cujas equipas retiraram António do caixão, fazendo-lhe manobras de reanimação e suporte básico de vida.
Contudo, o óbito foi certificado mais uma vez, perante a estupefacção das pessoas que enchiam a casa mortuária da freguesia de Lamarosa.


terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

A mulher do piolhoso



És pior que a mulher do piolhoso! Era assim que a minha avó dizia, quando alguém teimava em defender uma qualquer causa, depois daquilo que ela considerava aceitável.
A história já a encontrei na Net, com uma versão ligeiramente diferente daquela que ela contava e faz fé na minha casa. Mas foi assim que a aprendi e é assim que a levarei para cova, sem saber até se ela teve origem no distante Brasil.

Tudo se inicia num conflito conjugal, onde a mulher decide insultar o homem de piolhoso. Ele entende o dito como uma ofensa e questiona-a agressivo: "O que é que me chamaste?", ao que ela repete: “Piolhoso”. O homem passa das palavras à agressão física, e de cada vez que a agrava, pergunta: "O que é que disseste que eu sou?", e ela responde sempre: "Piolhoso!"
No fim, ele prende-lhe aos pés uma pedra, amarra-a à corda do poço da casa, e de cada vez que dá à manivela e a afunda, faz a pergunta: "O que é que eu sou?", e depois de ouvir a resposta: “Piolhoso!”, dá nova volta à manivela.
Quando ela está já com a água pelo traço do lábio, ainda responde “Piolhoso”, e quando ele lhe submerge a cabeça e lhe pergunta pela última vez, com ar de vitória: "E agora! O que é que eu sou?", ela levanta os braços e com as unhas do polegares faz o gesto de quem mata um piolho.

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Insónia



Duas da manhã.
Não devia ter vindo embora, sem que a situação estivesse bem definida e estável. Ainda por cima deixando o problema entregue a quem já tem trabalho até aos olhos. Mas eram horas de saída e, até sentir que estava tudo bem, teria de ficar lá toda a noite.
Tirei-lhe 1200 ml de sangue do tórax, quando estava à espera de um líquido amarelo citrino e, por um momento, até pensei que lhe tinha entrado no coração com a agulha. A intenção nem era tratar, era dar-lhe algum conforto durante a noite.
Volto-me na cama para o outro lado, e volto a pensar tudo de novo, a doença, as imagens do TAC, a decisão de toracocentese e da drenagem, e aquela surpresa.
O doente sempre bem quer durante o procedimento quer nas horas seguintes, comigo inseguro à espera de qualquer descompensação súbita, a pedir sangue, plasma fresco e a medir sinais vitais de 10 em 10 minutos. Tudo estável a garantir que nada de grave se passou, mas a falta de explicação a manter a insegurança.
Mas, está feito! Vim embora. Agora toca a dormir, que amanhã perguntas.
Bem! Podes telefonar a saber se há novidade. Ainda marco 3 vezes o número. Dá interrompido. Telefonas amanhã. Vá! dorme! Se houvesse alguma necessidade e fosses necessário, alguém te ia telefonar,
Dorme!

sábado, 19 de fevereiro de 2011

Avarias


TRRRRRiiiiiiimmmm!
- Oh Pai! Eu levei o carro à oficina da marca por causa daquele alarme no painel de instrumentos, e eles fizeram-me um orçamento de 400 Euros. Dizem que têm de substituir várias peças do circuito eléctrico. Que faço?
- Tira de lá o carro e pergunta a A** que ele sabe quem é que te pode dar uma outra opinião!



TRRRRRiiiiiiimmmm!
- Está! Conta lá o que disse o electricista onde levaste o carro.
- Substituiu as velas e resolveu o problema. Foram 60 Euros. O A** disse que as oficinas de marca andam à rasca para pagar as despesas com alugueres, empregados e o resto, e que quando apanham lá alguém com cara de quem não percebe nada daquilo, … inventam!
- É como nas Clínicas Privadas. Entra-se para lavar os ouvidos e sai-se com um TAC e um Audiograma!… Ainda bem que ainda não deram cabo do Serviço Nacional de Saúde!

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Megalomanias


Esta coisa de ser “moderno” tem custos, principalmente quando a vaidade toma conta de nós e fazemos da exibição a nossa mais valia. Então é-se dominado pelo guarda-roupa, pelo automóvel, pelos trejeitos e pela conversa de circunstância, enquanto o essencial se escoa.

É assim com as pessoas e é assim com as cidades das pessoas, quando se faz obra monumental como quem diz: “faça-se a ponte, que o rio logo aparece!”
Viana do Castelo armou-se em cidade de gente rica. Desertificou e deixou degradar muito prédios do centro histórico, multiplicou o estacionamento pago, descurou o transporte colectivo e "expandiu-se" para a periferia, para mostrar vaidade com a frente ribeirinha.

Como consequência, vai ter de suportar uma manutenção acrescida e, como o plano não está dimensionado à sua medida, está-lhe reservada uma "política de bombeiro" para acorrer às situações mais prementes.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Os Tribunais


António Marinho Pinto:
"Se se vai a tribunal, gasta-se o que se tem e o que não se tem, passa-se lá anos e muitas vezes perde-se mais do que aquilo que se teria a receber"
, frisou o bastonário, que indicou que a sociedade assiste "perplexa e sem saber como reagir".
Quanto à classe política, comporta-se de forma "cobarde, sem ser capaz de tomar medidas para alterar este estado de coisas".
Outro aspecto que afasta as pessoas dos tribunais tem a ver com "as custas judiciais exorbitantes", assim mantidas para "deliberadamente afastar os cidadãos e aliviar os tribunais". "Não é possível haver boa Justiça num país que a torna inacessível a grande parte dos cidadãos pelo seu elevado custo", defendeu o bastonário.

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Letra para um fado do "Desgraçado"


Mais um caso para o jornal,
Um caso sensacional,
De arrepiar a espinha.
Uma jovem que resolve,
Dar um tiro de revolve,
Com a faca da cozinha.

Estava o pobre, coitadinho,
A fazer para o irmãozinho,
Uma gaiola para grilos.
E vai aquela matraca,
Zás, dispara-lhe a faca,
Em plenos gargomilos!

Ao estampido do tiro,
Acode o guarda de giro,
Era para aí meio-dia.
Desata tudo a gritar,
E o pobre a estrebuchar,
Nas vargas da agonia.

Foi vítima um operário,
Que ganhava bom salário,
E tinha bom coração.
Era tido por bom moço,
Fabricava botões de osso,
P'ra cuecas de algodão.
De autor (por mim) desconhecido.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Poemas populares


















Amaram-se a casaram
Mas não se deram bem!
Ele foi para a do pai,
e ela foi para a da mãe.

No tempo dos apostólos
Havia grandes barbáros
Que subiam às arvóros
Para apanhar os passáros

Da minha janela à tua
Vai uma grande distância
Escorreguei e não caí
Numa casca de melância

Por aquela parede abaixo
Vai um caracol subindo
Cuidado caracol não caias
Q’o teu sangue á pra chourinço

As ondas do mar revolto
Sucedem-se continuamente
As primeiras trazem peixe
As outras principalmente!

O meu coração está fechado
Não é mala nem baú
Está fechado para todos
Só está aberto para tu!




















O cravo de pois de sêco
Senefica amôr perdido
ainda creira não posso
tirar de ti o sentido

Só tu és o meu entanto
A minha doce alegria
A teu lado satisfêta
Passava a noite e o dia


PS: As fotos representam lenços de namorados da primeira metade do século XX.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Rui Teixeira



És de facto um homem determinado, com enorme capacidade de trabalho e capaz de congregar disponibilidades e esforços.
Bem hajas!

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Meu querido diário:


Neste fim-de-semana caiu-me em cima o romantismo. Ontem, no cinema, o Cisne Negro ; e hoje, no Teatro Sá de Miranda, o Concerto do Luís Pipa .
O filme surpreendeu-me pelo modo inteligente de contar essa história de quem tem por meta a perfeição e quase sacrifica a realidade. O piano encheu-me o espírito numa “Soirée Romantique” a relembrar Mendelssohn, Schumann, Chopin e Liszt.

Fico à espera dos tangos no próximo domingo.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Psiquiatrices 3


- Vai-me desculpar. Não me importei que o Sr. acompanhasse a doente, mas gostava de a ouvir primeiro!
- Mas, Sr. Dr.! Ela não está bem. Já é a segunda vez que chego a casa e ela bebeu whisky, e eu assim não a posso ter comigo, que eu ando em tribunal pela custódia da minha filha de dois anos.
– Cala-te, que me estás a chatear! interrompe ela. -Tu nunca estás em casa e deixas-me lá sozinha. E eu não estou bêbada. Não sei para que é que chamaste o INEM.
- Eu chamei o INEM porque tu tens de ser internada. Tu não estás bem!

- Calma! Há quanto tempo é que vivem juntos?
- Desde 25 de Janeiro. Conheci-a quando estávamos os dois internados em Psiquiatria. Eu tive alta no dia dezoito e ela no dia vinte cinco. Eu decidi ajudá-la, e levei-a para minha casa, mas ela não está a ajudar nada. Sr. Dr., tem de interná-la!
- Então vocês conheceram-se há menos de um mês. Levou-a para sua casa para a "ajudar", e agora quer que ela fique internada porque bebeu um copo de whisky, já que ela não me parece bêbada!
- Oh Sr. Dr.! Desde que lá está, já bebeu uma garrafa inteira. Eu ando à procura de emprego para mim e também para ela, e ela não percebe que eu não posso estar sempre ao pé dela.
- Mas há-de compreender que ela tem vinte e nove anos, que não está na terra dela e que por certo se aborrece por estar sozinha em sua casa.
- Sr. Dr.! Eu gosto dela, mas ela tem de ficar internada, que no fim-de-semana eu vou ter a minha filha comigo e, se calhar, ainda vou ter problemas com o tribunal!


- Vai-me desculpar, mas aqui há um grande equívoco. A sua companheira não tem nenhuma situação aguda a necessitar de internamento, o seu problema com a sua filha e o tribunal não vou ser eu a resolver-lho e esta coisa de viver junto ... não é nenhum jardim de rosas.
...

... mas o que me apetecia mesmo dizer-lhe é que só aceitamos devoluções com talão de compra!

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Rir

Nunca te cases com uma espanhola.


Porque é que nos rimos das desgraças alheias, quer das virtuais, quer das reais?

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Sorrir!


“Quanto mais longe te vejo, mais franco te falo!” Aprendi esta frase na minha tenra juventude, quando os insultos ganhavam voz na boca de quem fugia, e talvez por isso mantenha uma certa repulsa por quem a coberto do anonimato difama.
Actualmente o anonimato na Internet é o espaço onde se move quem não tem compromisso com valores. O Anonimato é a posição de quem só é capaz de uma aproximação superficial à “verdade” e por isso teme que essa gratuidade lhe possa vir a ser “desfavorável”, e assim desvaloriza eventuais tópicos relevantes.
São os mesmos anónimos que hoje atacam, que amanhã estarão ao lado dos “atrevidos” com sucesso a segredar falas avisadas “oh pá! Isto é para andar agachado!”, para não verem "a água correr em seu desfavor".

Custa-me aceitar que o processo histórico evolua com revoluções por se terem atingido “limites insuportáveis”, principalmente nos países “democráticos”, onde a "liberdade" deveria impedir explosões de insatisfação.
Eu afirmo: Um país tem de ser claro! As perguntas e respostas têm de ter rosto! As reuniões têm de ter Actas! As pessoas têm de um prumo!

Mas, meus caros leitores, se querem ter sucesso no Portugal contemporâneo, esqueçam tudo o que aqui escrevi, falem pouco, escrevam nada e sorriam.
Sorrir é fundamental!

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O Fiel


de Guerra Junqueiro

Na luz do seu olhar tão lânguido e tão doce,
Havia o que quer que fosse
D'um íntimo desgosto:
Era um cão ordinário, um pobre cão vadio
Que não tinha coleira e não pagava imposto.
Acostumado ao vento e acostumado ao frio,
Percorria de noite os bairros da miséria
À busca dum jantar.
E ao ver surgir da lua a palidez etérea,
O velho cão uivava uma canção funérea,
Triste como a tristeza oceânica do mar.
Quando a chuva era grande e o frio inclemente,
Ele ia-se abrigar às vezes nos portais;
E mandando-o partir, partia humildemente,
Com a resignação nos olhos virginais.
Era tranquilo e bom como as pombinhas mansas;
Nunca ladrou dum pobre à capa esfarrapada:
E, como não mordia as tímidas crianças,
As crianças então corriam-no a pedrada.

Uma vez casualmente, um mísero pintor
Um boémio, um sonhador,
Encontrara na rua o solitário cão;
O artista era uma alma heróica e desgraçada,
Vivendo numa escura e pobre água furtada,
Onde sobrava o génio e onde faltava o pão.
Era desses que têm o rubro amor da glória,
O grande amor fatal,
Que umas vezes conduz às pompas da vitória,
E que outras vezes leva ao quarto do hospital.

E ao ver por sobre o lodo o magro cão plebeu,
Disse-lhe: - "O teu destino é quase igual ao meu :
Eu sou como tu és, um proletário roto,

Sem família, sem mãe, sem casa, sem abrigo ;
E quem sabe se em ti, ó velho cão de esgoto,
Eu não irei achar o meu primeiro amigo !..."
No céu azul brilhava a lua etérea e calma ;
E do rafeiro vil no misterioso olhar
Via-se o desespero e ânsia d'uma alma,
Que está encarcerada, e sem poder falar.
O artista soube ler naquele olhar em brasa

A eloquente mudez dum grande coração ;
E disse-lhe :
-
"Fiel, partamos para casa :
Tu és o meu amigo, e eu sou o teu irmão".
E viveram depois assim por longos anos,
Companheiros leais, heróicos puritanos,
Dividindo igualmente as privações e as dores.

Quando o artista infeliz, exausto e miserável,
Sentia esmorecer o génio inquebrantável
Dos fortes lutadores;
Quando até lhe acudia às vezes a lembrança
Partir com uma bala a derradeira esp'rança,
Pôr um ponto final no seu destino atroz ;
Nesse instante do cão os olhos bons, serenos,
Murmuravam-lhe:
- Eu sofro, e a gente sofre menos,
Quando se vê sofrer também alguém por nós.

Mas um dia a Fortuna, a deusa milionária,
Entrou-lhe pelo quarto, e disse alegremente:
"Um génio como tu, vivendo como um pária,
Agrilhoado da fome à lúgubre corrente!
E
u devia fazer-te há muito esta surpresa,
Eu devia ter vindo aqui p'ra te buscar;
Mas moravas tão alto!
E digo-o com franqueza
Custava-me subir até ao sexto andar.
Acompanha-me; a glória há de ajoelhar-te aos pés!..."
E foi; e ao outro dia as bocas das Frinés
Abriram para ele um riso encantador;

A glória deslumbrante iluminou-lhe a vida
Como bela alvorada esplêndida, nascida
A toques de clarim e a rufos de tambor!
Era feliz.
O cão Dormia na alcatifa à borda do seu leito,
E logo de manhã vinha beijar-lhe a mão,
Ganindo com um ar alegre e satisfeito.
Mas ai! O dono ingrato, o ingrato companheiro,
Mergulhado em paixões, em gozos, em delícias,
Já pouco tolerava as festivas carícias
Do seu leal rafeiro.

Passou-se mais um tempo; o cão, o desgraçado,
Já velho e no abandono,
Muitas vezes se viu batido e castigado
Pela simples razão de acompanhar seu dono.
Como andava nojento e lhe caíra o pelo,
Por fim o dono até sentia nojo ao vê-lo,
E mandava fechar-lhe a porta do salão.
Meteram-no depois num frio quarto escuro,
E davam-lhe a jantar um osso branco e duro,
Cuja carne servira aos dentes d'outro cão.·

E ele era como um roto, ignóbil assassino,
Condenado à enxovia, aos ferros, às galés :
Se se punha a ganir, chorando o seu destino,
Os criados brutais davam-lhe pontapés.
Corroera-lhe o corpo a negra lepra infame.
Quando exibia ao sol as podridões obscenas,
Poisava-lhe no dorso o causticante enxame
Das moscas das gangrenas.
Até que um dia, enfim, sentindo-se morrer,
Disse "Não morrerei ainda sem o ver ;
A seus pés quero dar meu último gemido..."
Meteu-se-lhe no quarto, assim como um bandido.
E o artista ao entrar viu o rafeiro imundo,
E bradou com violência:
"Ainda por aqui o sórdido animal !
É preciso acabar com tanta impertinência,
Que esta besta está podre, e vai cheirando mal !"
E, pousando-lhe a mão cariciosamente,
Disse-lhe com um ar de muito bom amigo :
"Ó meu pobre Fiel, tão velho e tão doente,
Ainda que te custe anda daí comigo."
E partiram os dois.

Tudo estava deserto.
A noite era sombria ; o cais ficava perto;
E o velho condenado, o pobre lazarento,
Cheio de imensas mágoas
Sentiu junto de si um pressentimento
O fundo soluçar monótono das águas.
Compreendeu enfim! Tinha chegado à beira
Da corrente. E o pintor,
Agarrando uma pedra atou-lh'a na coleira,
Friamente cantando uma canção d'amor.
E o rafeiro sublime, impassível, sereno,
Lançava o grande olhar às negras trevas mudas
Com aquela amargura ideal do Nazareno
Recebendo na face o ósculo de Judas.
Dizia para si : "É o mesmo, pouco importa.
Cumprir o seu desejo é esse o meu dever:
Foi ele que me abriu um dia a sua porta:
Morrerei, se lhe dou com isso algum prazer."
Depois, subitamente
O artista arremessou o cão na água fria.
E ao dar-lhe o pontapé caiu-lhe na corrente
O gorro que trazia
Era uma saudosa, adorada lembrança
Outrora concedida
Pela mais caprichosa e mais gentil criança,
Que amara, como se ama uma só vez na vida.
E ao recolher a casa ele exclamava irado: "
E por causa do cão perdi o meu tesouro!
Andava bem melhor se o tinha envenenado!
Maldito seja o cão!
Dava montanhas d'oiro,
Dava a riqueza, a glória, a existência, o futuro,
Para tornar a ver o precioso objecto,
Doce recordação daquele amor tão puro."

E deitou-se nervoso, alucinado, inquieto.
Não podia dormir.
Até nascer da manhã o vivido clarão,
Sentiu bater à porta!
Ergueu-se e foi abrir.
Recuou cheio de espanto: era o Fiel, o cão,
Que voltava arquejante, exânime, encharcado,
A tremer e a uivar no último estertor,
Caindo-lhe da boca, ao tombar fulminado,
O gorro do pintor!

sábado, 5 de fevereiro de 2011

Consulta de Medicina Interna


-Está lá! Sr. Américo? Bom dia! Daqui fala a médica da consulta do Hospital. Estava a ligar-lhe para saber se se passou alguma coisa. Notámos que o Sr. faltou à consulta e queríamos saber se está tudo bem!
- AAAhhhh! A consulta!? Eu tinha consulta hoje?
- Tinha, Sr. Américo!
- AAAhhhh! Esqueci-me! … É a dos dentes, não é?
- Não, Sr. Américo! É a consulta do coração!
- Ah! Sabe como é! Era a minha mulher que tomava conta disso, e agora ela teve um AVC, e eu … esqueci-me! Peço desculpa …., esqueci-me! Mas olhe! Quando for assim, ligue-me, que eu vou aí e marcamos outra vez, está bem?
- Não Sr. Américo, marcamos já, agora! Pode ser para o dia dezoito?
- Pode, ... pode!
- E desta vez não se vai esquecer?
- Ah! … Se calhar vou!
- Então o melhor é pôr um papelinho colado na porta do frigorífico para se lembrar, e volte cá nessa altura, que já fica tudo arrumado! Está bem?
- Muito obrigado!
- Adeus! Não se esqueça outra vez!

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Fado Maravilhas


Fui no domingo a Cacilhas
Mais o Chico Maravilhas
Comer uma caldeirada
A gente não nada em taco
Mas vai dando p'ró tabaco
E p’ra regar a salada

É porque isto é mesmo assim
A gente morre e o pilim
Não vai prá cova coa gente
E antes gastá-lo no tacho
Que na farmácia que eu acho
Isto é que é principalmente

Terminada a refeição
Ao entrar na embarcação
Começou a grande espiga
O Mangas abriu o bico
Pôs-se a mandar vir c'o Chico
E o Chico arriou a giga

Eu para acalmar a tormenta
Inda disse ao Chico auguenta
Mas o Mangas insistiu
E o Chico sem intenção
Deu-lhe um ligeiro encontrão
Atirou c'o tipo ao rio

Um sócio de outro meco
Quis-se armar em malandreco
A gente já estava quentes
Veio para mim desnorteado
Eu dei-lhe c'o penteado
E pu-lo a cuspir os dentes

Veio outro veio outra ideia
De sarnelha e plateia
Mais outro fui-lhe ao focinho
E o Chico pelo seu lado
Só para não ficar parado
Aviou quatro sozinho

Fez-se uma grande molhada
Desatou tudo à estalada
Eu e o Chico no centro
Naquela calamidade
Apareceu a autoridade
E meteu-nos todos dentro

Não tenho vida pra isto
E de futuro desisto
De me meter noutra alhada
Nunca mais vou a Cacilhas
Mais o Chico Maravilhas
Comer outra caldeirada

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Carta aberta à Maria


Cara Maria:
Confesso que nunca tinha olhado para ti. Via-te nos telejornais, sempre sem dar pela tua presença, até àquela "noite da vitória" me teres entrado pela alma.
É que eu não estava a contar com a sede de vingança do teu esposo, e fiquei tão aturdido com aquelas palavras no CCB que, nem sei bem porquê, os meus olhos passaram a seguir-te, na esperança vã de te ouvir dizer “Oh Aníbal, modera-te! Não voltes ao bolo rei!”.
Mas tu estavas em transe, alternado os olhos entre a sua boca e o papelzinho que ele tinha nas mãos, contagiada por aquele sentimento de que “nunca se engana e raramente tem dúvidas” e que, faça o que fizer, estará sempre acima de qualquer suspeita, ciente de ter quem morra para atestar a sua competência e honestidade.

Minha querida, tu, embora não mais que durante uma meia dúzia de anos, deste umas aulas, e, nessa qualidade de professora, devias ter sido mais pedagógica e, quando ninguém te estivesse a ouvir, dizias-lhe as frases que o escravo em Roma (colocado bem detrás do General vitorioso), deveria juntar às aclamações da multidão, no trajecto em pompa rumo ao Capitólio: “Lembra-te que és um homem!" "Toda a glória é efémera!”
Mas, nesse teu desígnio de seres a sua bengala, a sua almofada, a sua sombra e os 800 Euros que ajudam nas miudezas da retrosaria, do padeiro e nas flores para mostrar que há uma mulher em casa, não foste capaz de te dessintonizares.
Mas vais ter tempo nestes próximos cinco anos. Diz-lhe isso e diz-lhe também que ele não se pode pôr de fora de toda a porcaria que se fez e faz, que ele não andou por Marte e que essa coisa de “magistratura de influência” não é coisa menor, e, se ele não entender, fala-lhe do Vara, do Godinho ou do Dias Loureiro.

Aceita um conselho. Fazes como dantes, comidinha a horas e de acordo com os seus desejos, mas, de vez em quando, fala-lhe da falta de qualidade das decisões afectadas pelo populismo e pelo compadrio, fala-lhe desta coisa do “faz de conta” que nos faz perder credibilidade, e talvez ele sinta alguma humildade e mude os alvos a abater.
Mas não o maces muito, que os teus 72 anos são já um perigo e não garantem que uma reprimenda mais acintosa te cause um treco difícil de recuperar.
Faz como achares melhor. Tens a minha opinião, mas olha pela tua saúde que eu aqui não te posso valer!
Até às próximas eleições!

Fernando

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Se tu o dizes!


É assim que me responde o meu sobrinho, para me deixar a pensar na minha ignorância, quando, no decurso de uma conversa, lhe pergunto “Que achas?”
Quando se usa um pequeno saber para apoiar ou afirmar o que quer que seja, como quem mal conhece o refrão da “sinfonia”, na primeira oportunidade, lá vem o “lá, lá, lá ….”.

E porque é esta conversa?

Porque é dos livros que:
- a Encefalite Vírica pelo vírus Herpes simplex (HSV), tem uma incidência de ~2,3 casos por milhão de habitantes/ano, o que numa população de 250.000 habitantes deveria ocorrer em ~1 caso/ano.
- a maior parte dos adultos com encefalite por HSV, tem evidência clínica ou serológica de infecção muco-cutânea, anterior aos sintomas do SNC.
- a Ressonância Magnética com difusão e FLAIR, documenta mais de 90% dos casos.

... e continuamos a suportar "tratamentos" quando tudo isto falta, só porque ... mesmo assim, “ainda poder ser”.

-"Se tu o dizes!", é o que me vem à cabeça!