quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Deuses

É um destino. Até as pedras se degradam neste natural evoluir, agora acelerado pela globalização. Há que estar atento, e já não é avisado aguardar que tudo volte ao equilíbrio inicial, pois até um imortal, pode morrer.

Hoje lembrei-me de Zeus, de Júpiter e de Odin, deuses todo-poderosos dos gregos, dos romanos e dos povos germânicos. Deuses fortes, eternos e caprichosos e por fim, ridicularizados e deixados morrer na decrepitude do esquecimento. Soubessem eles que aquilo por que tanto lutaram acabaria ignorado e as suas imagens de pedra chorariam.
Lembra-me Zeus a descer do Olimpo, disfarçado de mendigo para punir quem maltratava os desgraçados vítimas do infortúnio. Lembro-o a engravidar a mortal Alcmena, para que o seu filho Hércules destruísse os inúmeros perigos que faziam do mundo um lugar terrível, e a premiá-lo, pelo seu auto-sacrifício em favor da humanidade, com a ascensão aos reinos do Olimpo. Lembro também Júpiter e o seu apoio constante à organização do Império Romano e desse trabalho perdido, quando agora vê a sua cidade dividida.
E tu Odin! Deus da sabedoria, da guerra e da morte, que mandavas recolher os corpos dos heróis para os sentar a teu lado nos banquetes a que presidias em Asgard. Deus criador da humanidade e detentor supremo do conhecimento. Quem se lembra de ti? Lembram-se mais das tuas filhas – as valquírias, mas só porque Richard Wagner compôs uma ópera com o seu nome.
E todos os semideuses por eles criados, quando os seus avatares desciam à terra engravidando as mortais? Quem ainda os respeita?
Dirão que se tornaram elitistas, que se viraram risonhos para os tiranos e ofereceram o sofrimento à população que a eles implorava, que se tornaram velhos e conformados, e que a longevidade os traiu ao dar-lhes tempo para mostrar todo o mal de que também eram capazes.
Até os recentes heróis - Lenine, Mao Tsé-Tung e Kim Il-sung, irão cair no esquecimento, mesmo sendo de leste que os novos poderes trarão a nova religião onde o Deus do Negócio se prepara para dar moral a toda a actual actividade humana.
Pobre Cristo, inspirador da fraternidade, imaculado por teres morrido novo, vês-te agora enfraquecido pela crise de credibilidade que atinge os teus generais. Quem é que ainda acredita no celibato como prova de amor? Quem desculpa a onda de homossexualidade e pedofilia no teu exército? Quem mantém disponibilidade para ouvi-los justificar o injustificável? Quem é que entende essa sua atitude de esperar que tudo passe e volte ao que era dantes?
Em 1989 caiu o Muro de Berlim. Depois o Comunismo na URSS. Hoje o Vaticano vacila. Deus que se cuide.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Ponette

sábado, 16 de fevereiro de 2013

2ª carta ao Papa Ratzinger

Caro Ratzinger:

Primeiro os cumprimentos e os desejos para que vivas o resto dos dias em sossego.

Bateste com a porta! Disseste-te "sem forças" para “o peso do cargo” mas, cá para mim, estavas farto de ouvir histórias de arrepiar o mais pintado, sem capacidade para achar solução airosa. Engoliste uns sapos, denunciaste outros, mas deves sentir muitos outros a rabiar na hipofaringe sem te deixarem dormir.

Não podes pôr a culpa só nos outros, por as batatas te estalarem nas mãos. Podias ter dado passos para acabar com o celibato dos padres, com o perdão a preço de saldo para os arrependidos (eu não conheço ninguém que não esteja arrependido depois de ter sido apanhado ou quando a coisa deu para o torto) e dado mais notoriedade às mulheres na tua religião.
Alteravas o discurso à volta do sexo, do pecado original, das virtudes da virgindade e do celibato, adaptava-lo ao que a ciência já conhece e falavas do benefício que é formar uma família, sem guerrear a anticoncepção

Se tivesses ido por esse caminho, tinhas conquistado gente pensante para a tua clientela. Bastava que abrisses uma frincha. Focavas o discurso na mensagem fundamental de Cristo e lutavas por uma sociedade de entreajuda, afrontando este capitalismo onde o outro não é mais que uma oportunidade de negócio. Pelo caminho modernizavas as encenações dos rituais. Proibias aquele ar melífluo que entorpece, e promovias a componente “utilitária”, sem o compadrio das entrevistas de confessionário. Arregaçavas as mangas ao teu clero e punha-lo a integrar os fregueses, a organizar feiras de trocas nos átrios das igrejas e noutras acções de solidariedade, sem causar vergonha a quem recebe. Menos teologia só fazia bem.

Mas não fizeste nada disto e agora, com "a crise" a chegar ao Vaticano, perfilam-se outros pensares. A Marca Vaticano é ainda forte e os novos ideólogos já devem ter concluído que a apologia do sofrimento não leva a parte nenhuma.
Cristo vai ter que sair da cruz e vir para o pé das pessoas, como uma figura simpática que ajuda ao encontro do pescador com o empresário, sem que entre eles se coloque o “negócio”. A cruz, memória dos desencontros e do sofrimento, funciona melhor como logótipo (sem Cristo pendurado), pois a exibição do sofrimento é actualmente visto com um gesto de pobreza intelectual, que só as multidões incultas exploram para conseguir notoriedade.

Eu até acredito que deste o melhor de ti, mas devias ter ido mais longe. O mundo mudou e as religiões, se não evoluírem, também têm o seu fim.
Mas isto sou eu a falar, sem conhecer a área de negócio do Vaticano.
Daí eu acreditar que esse teu bater com a porta mais não é que uma nova versão de um verso brejeiro que há anos ouvi e que dizia qualquer coisa como:

Quando Cristo aos céus subiu
Disse a todos os mortais
Lixem-se para aí na terra
Que a mim não me lixam mais.

Fica bem!

Fernando

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

José Gerego

Amigo José Gerego,
Amigo do coração,
Mal empregado rapaz,
...Ser cego de um olho.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

O envelope vermelho

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-Noc! Noc! Dá licença?
-Faz favor, Sr. Manuel!, respondo ao reconhecê-lo.
 Entra seguido do guarda prisional. A dois passos da porta, estende-lhe os braços para que lhe tire as algemas e dirige-se à secretária onde estou. Senta-se ao meu convite.
 Veste uma camisola castanha e calça e camisa beije claro. Nos pés as sapatilhas não destoam.
 O guarda, junto à porta, pergunta se pode permanecer na sala.  Perante a minha anuência, encosta-se à porta. Sugiro que se sente. Arrasta uma cadeira e senta-se à entrada do consultório.
 O Sr. Manuel ajeita-se repetidas vezes na cadeira, enquanto de soslaio o  tenta localizar nas suas costas. Tem 41 anos, envelhecidos pela vida e pelas doenças. A falta de todos os dentes é um testemunho desse percurso. Já andou por outros hospitais. Chegou aqui, há pouco menos de 1 ano, com mau controlo das infecções.
Verifico que a consulta não foi validada e questiono o guarda:
- Alguém vai ter que ir aos serviços administrativos registar esta consulta, para que eu lhe possa dar continuidade!
O guarda expressa embaraço pela impossibilidade de o deixar sozinho comigo. Sugiro que chame a auxiliar, que está no corredor, para que seja ela a efectuar esse procedimento. Abre a porta para a chamar, e o Sr. Manuel, aproveita o momento para, furtivamente, levantar a roupa, junto ao abdómen, e tirar de junto à pele um envelope que rapidamente coloca na secretária, ao pé de mim. Surpreendida com o gesto, mas solidária com a "intimidade" de quem muito me contou, empurro-o, suavemente, para debaixo do teclado do computador, aceitando o seu jogo.
O guarda reentra e ele ainda está com as fraldas descompostas. Para evitar embaraços, finjo continuar um interrogatório:
-Mas diga, Sr. Manuel! Tem tido dores de barriga!?
 A consulta prossegue. As análises estão quase normais. O Sr. Manuel está feliz. Marco nova consulta e despeço-me.
O guarda arruma a cadeira e dirige-se à porta para a abrir. Nesses pequenos segundos,  a que ele está atento, volta a sinalizar sub-repticiamente o envelope que deixou, e diz-me:
 -Isto é para lhe agradecer o que eu estou!
Depois sai com o ar de quem cumpriu um dever.
Abro o envelope vermelho. Tem um postal de Boas Festas e, dentro deste, a carta:
História de A.S.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Psiquiatrices

Um: Tem 66 anos. Vem referenciado pela Segurança Social por "situação de quase indigência". Tem uma boa reforma e junto à residência tinha o Jeep de grande cilindrada, que até há pouco utilizava. Há meses que não paga a renda da casa e o salário à mulher a dias, que já só lá vai "por caridade", três vezes por semana, fazer-lhe umas refeições quentes.
Fala em três casamentos. Do primeiro teve quatro filhos que o rejeitam. Do segundo, de curta duração, teve outro, mas perdeu-lhes o rasto há mais de vinte anos. O terceiro, com uma asiática, arranjado na Internet, também deu para o torto em pouco mais de um ano. Pelo caminho diz ter vivido com outras mulheres, algumas com nomes sonantes. Agora, sem família e sem amigos, decidiu dedicar-se aos cães. Fala em sete. Mantém um discurso de grande exigência para com o interlucotor. Já não é quem foi e agora, com a doença a debilitá-lo, aceita parte da realidade.

Dois: Tem 57 anos. Bem vestido e bem falante. Esta noite veio dormir ao Serviço de Urgência por não ter mais onde. Come numa cantina social dependente de uma Igreja. Dizem-me que tem um curso superior, que ocupou lugar de relevo numa instituição pública e que, apesar do tribunal lhe reter parte do ordenado para pagamento das dívidas, o que lhe sobra daria para uma vida "normal". Teve dois casamentos "que correram mal" e viveu em união de facto outras duas vezes. Os filhos há muito que o ignoram. Diz que está à espera da reforma. Nega alcoolismo ou toxicodependência, o que confirmo. Hoje queria ir dormir ao GAF, mas chegou tarde. Mete a mão ao bolso das calças e mostra 5 Euros. -"Sr. Dr.. É todo o dinheiro que tenho! Onde é que eu vou dormir esta noite?". Ao lado dizem-me que recebeu recentemente 1.500 Euros do ordenado.

Três: Tem 47 anos, solteira, sem filhos. Fez o 12º ano. Activa, de "baixa" há 3 meses, por alegados problemas osteoarticulares. Vem por verbalização de ideação suicida. Tem postura altiva, com tom de voz vagoroso. Sedutora. Por vezes teatral. Distante no contacto.
Teve relacionamento amoroso durante 15 anos. Tentou engravidar sem sucesso. O companheiro faleceu após a separação. Voltou a ter outros relacionamentos. O último causou-lhe muita ansiedade e, nesse contexto, abusou de ansiolíticos e de álcool. Ele era casado e voltou para a esposa por razões económicas/familiares. Ainda se continuam a encontrar em segredo. Pede muito para a porem a dormir. Fala do pai que faleceu quando ela era ainda jovem. Quer morrer para ir ter com ele.

Um: Uma Perturbação de Personalidade a percorrer toda uma vida sem diagnóstico, com espaço para fazer mal a quem esteve próximo e a si próprio. Um companheiro da tropa na Guiné, não se espanta: "Ele sempre foi um excêntrico!"
Dois: Uma Hipomania com diagnóstico tardio, depois de muita destruição de património pessoal e do Estado.
Três: Talvez só uma Má Sorte!