domingo, 29 de novembro de 2015

O irmão do Facadas



E ao fim de meia hora, chegou o “Facadas”. Registou o irmão que estava como “laranja - não identificado” e entrou no gabinete. Finalmente havia uma história.

A enfermeira do INEM que trouxe o doente, pouca informação dera. A VMER encontrou-o à porta de um café, com grande espasticidade e desvio conjugado dos olhos para cima, amarfanhando um velho trapo amarelo de limpar as mesas, junto à boca persistentemente aberta, onde pontuavam três únicos dentes meios podres. Sinais vitais normais. O irmão, o tal “Facadas”, que estava junto, não aparentava muita preocupação e pedira para lhe telefonarem quando ele estivesse bem.

- Faça o favor de se sentar! O que é que se passou?
- É assim! Ele bloqueia! ... Mas isso é mais … da … “ugia” … da … cabeça!
- Hoje esteve consigo o dia todo?
- Não! Ahhh! Eu vou-me embora no domingo. Para França! … Trabalhar na construção civil!
- E ele? Trabalha?
- Ele ... não faz nada! ... Está reformado! Do remédio da cabeça!
- É epiléptico?
- Ai não sei! Isso aí …!
- Você está sempre em França?
- Eu estou de vez em quando e ... hoje, convidei-o para jantar e ele … bloqueou! … Que ele bloqueia mesmo!
- Então, você não vive com ele e só o convidou para almoçar?
- Ahh! Oui!
- E então o que é que aconteceu?
- Nada. Bebeu uma garrafinha de água, que ele não bebe álcool e ... bloqueou!
- Mas teve movimentos esquisitos?
- Ai teve! Mas o que eu não achei graça, foi mandarem dois carros do INEM para lá!
- Porquê?
- Dois carros? Eu só disse que o meu irmão não estava bem. Que começou a revirar os olhos em branco. … Por amor de Deus!
- Então ele estava a revirar os olhos?
- De que maneira!
- E há quanto tempo está você em Portugal?
- Ora vamos lá ver. … Quatro meses!
- E nesse tempo você deve-o ter visto várias vezes. Ele andava bem, a falar direito?
- Isso… !!! … Eu vou-lhe ser sincero! … Aqui há uma coisa! ... A senhora dele não fala com nós! Pode ser minha mãe. … E eu sou mais velho que ele! … É uma senhora já de idade! … Dói muito! … Nem à morte do meu pai veio! ... Mas sou o único e disse-lhe: Anda embora comer! Mas come devagar! … O Sr. Dr. sabe o que é um leão? … É ele a comer!
- Mas ele engasgou-se?
- Não! Não se engasgou! Eu pedi à senhora do Café para chamar o 112, e ainda não percebo porque mandaram dois carros do INEM! … Hay que pagar, ...  aãã!!!!, e pode haver pessoas a…
- Não “hay que pagar” nada, esteja descansado!
- É que … eu já o vi! E … daqui a bocado, … ele está bom!
- E quando ele está bom, o que é que ele faz?
- Então é assim! … Quer que lhe explique? … Quando recebe a reforma dele, anda tudo bem. Quando acaba o dinheiro e não há cigarros, pronto … “bareia”!
- E ele não toma medicamentos?
- Ui! ... de que maneira!?
- E hoje terá tomado?
- Não lhe posso dizer nada. … Isso não sei! Mas a Maria dele, trabalha aqui perto, e sabe os remédios.

O “Facadas” é coveiro de nove cemitérios. Diz que fez o teste de “coveiro profissional”” e que, de vez em quando, “também veste o fatinho” para as cerimónias, mas o trabalho não é regular, e vai para França “ganhar o seu”, porque “ele não cai do céu”. À saída disponibilizou-se para avisar “a Maria dele”, mas não foi necessário, porque se fez o diagnóstico de síndrome extrapiramidal dependente do haloperidol, que o doente trazia num dos bolsos, e que reverteu completamente com 5 mg de Biperideno.


A graça da história é que, apesar de alcoolizado, o “Facadas” deu as dicas para o diagnóstico e, uma hora depois, o doente estava a caminho da sua Maria, com a Nota de Alta dirigida ao psiquiatra, para reduzir a dose ou suspender o haloperidol, para acabar aquele “bloqueio”.

domingo, 22 de novembro de 2015

A Insónia


-Ãaiinnnn! Ãaiinnnn! Ãaiinnnn! Ãaiinnnn! Gemia na cadeira de rodas à entrada do Serviço de Urgência. Atrás, uma jovem gorda, constrangia-se com aquele queixar insistente. Ao lado, um velho magro de barba branca de quinze dias, todo vestido de preto, espreitava para dentro de um consultório, como que a pedir urgência para aquele sofrimento.
O médico interrompe o registo anterior e aceita, de imediato, aquela “pulseira laranja”.
- Faz favor de entrar! Só um acompanhante, por favor! O outro terá de esperar lá fora!
Acertam-se. Fica o chefe do clã e a filha da doente sai para o exterior.
-Sr. Dr.! Dê-lhe um Arpesgic! Sr. Dr.! Que ela está com a dor. Já da outra vez só passou com Arpesgic!
O gemido mantém-se, continuo, envolvido em inquietação. É uma hipertensa medicada também com ansiolíticos. Tem história de frequentes cefaleias com as mesmas características e com forte componente psicossomático. Há suspeita de incumprimento terapêutico e o exame neurológico é normal.
- Vá ali à sala da frente, que a enfermeira vai dar-lhe o Arpesgic e mais um comprimido. Depois vai deitar-se numa maca até melhorar! Pode ir até lá, que eu já falo com a enfermeira!
Confirma-se a efectivação dos cuidados e passa-se ao doente seguinte, que há gente continuamente a chegar.
Uma hora depois, junto à maca da doente, está o chefe clã a segurar-lhe na cabeça e dar-lhe bofetadinhas na face. A filha, assustada, parece não saber o que fazer. A doente, sonolenta, tenta perceber o porquê de a terem assim acordado.
-Oh homem! Deixe a mulher descansar! Porque é que lhe está a dar bofetadas na cara? pergunta o médico.
-Sr. Dr.! Ela estava a ter uma Insónia! Sr. Dr.! Já da outra vez foi igual, também lhe atacou a Insónia. E quando lhe dá a Insónia ela fica quase sem falar!, responde ser interromper os gestos, que já é alvo da atenção de metade daquele corredor.

-Já percebi! Mas deixe-a descansar e dormir um bocadinho, que esse tipo de Insónia não é perigoso e passa se ela dormir. Deixe-a ficar aí quietinha e espere lá fora que é a vez da filha ficar com ela. Está bem?! Eu vou ficar aqui por perto. OK!

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Higiene CUrrecta



Comecemos por uma anedota com mais de 30 anos.

Um dia, depois de um confronto físico de dois miúdos, o “perdedor”, despeitado, dirige-se ao outro, ameaçando-o, entre lágrimas:
- Vou dizer ao meu pai que me bateste. Vais ver o que vais levar!
E aí começa um diálogo, com dedos no ar, a ver quem ganha.

-E eu, … vou dizer ao meu, que é polícia, e ele vem e bate no teu!
-Mas o meu pai é … muito grande e ... fuma muitos cigarros!
-E o meu também fuma e … deita fumo pelo nariz e tudo!
-Mas o meu pai é mais mau que o teu e ... até deita fumo pelo cu!

Aí o “vencedor” pára para pensar e, antes de se dar por derrotado, questiona-o:
-Olha lá! Tu viste mesmo o teu pai a deitar fumo pelo cu?

Ao que o pequenote, responde timidamente:
-Ver, ver, não vi! Mas vi 
nicotina nas cuecas dele!

Ora é aqui que eu quero chegar. A qualidade do papel higiênico não impede a deposição desta "nicotina" na roupa interior. É necessário água e mais qualquer coisa. Ponto final.

A Europa do Sul deu espaço ao bidé. Os muçulmanos e hindus optaram por uma torneira junto à sanita (e a mão esquerda) ou um jacto que sai do seu interior. Os anglo-saxónicos, ao que parece, optaram por toalhetes.

Seja como for, o banho checo é obrigatório para quem gosta de andar limpo e é fundamental para os que padecem de hemorroides. Além do mais, o uso da água nestas abluções, economiza papel, o que diminui a pegada ecológica.

E tudo isto porque me disseram que alguém da administração do Hospital onde trabalho, decidiu que um chuveiro (para 1 banho diário) que facilmente poderia ser adicionado ao equipamento existente, deveria sacrificar um bidé, já lá instalado.

domingo, 15 de novembro de 2015

"Professor Doutor"



Profissionalmente, estava longe de ser brilhante. O doutoramento culminou uma amizade com uma doença, como se ela fosse um refúgio para as dificuldades do primeiro projecto em que se metera.
Nada contra, mas o título de "Professor" para um doutoramento, que mais não é que uma "competência", para quem não se dedica primeiramente ao ensino, é, na falta de melhor entendimento, uma incorrecção linguística.

Para que se  desfaçam dúvidas, informa-se:
Em Portugal, doutor significa que se doutorou. Os apenas licenciados, como os licenciados em Medicina, em Farmácia, Filosofia, etc., são também doutores. A diferença está no seguinte; para os doutorados, doutor é um grau académico; para os licenciados doutor é um título. 
Na linguagem escrita, há quem distinga o doutorado, escrevendo doutor (com todas as letras); e para o licenciado, dr. (em abreviatura).
Quando o doutorado é professor universitário, costuma-se, às vezes, distingui-lo com o tratamento de professor doutor.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

O Morto Adiado


Está no caixão, no meio da sala, confortável depois do banho, vestido com um fato que há décadas lhe não servia, de camisa branca e com aquela gravata preta para aos funerais dos outros. Puseram-lhe entre os dedos um terço de plástico, mesmo sabendo-se que só ia à igreja nos rituais e que mal sabia recitar um Padre-nosso.
Configura um pequeno presépio, “como manda o figurino”. Um menino Jesus, em grande, rodeado de flores. Aos pés, um pequeno painel com o seu nome e uma fotografia dos tempos em que era alguém. A família em redor, os amigos dispersos pela capela mortuária misturados com “conhecidos”, que ali foram por não terem mais que fazer, que o tempo da reforma também serve para isso.
Está morto há mais de vinte e quatro horas. Para ser preciso, e depois de analisados todos os registos hospitalares, poder-se-ia dizer que esteve ausente deste mundo dois anos, quatro meses e cinco dias, depois de um acidente vascular cerebral lhe ter baralhado todos os sentidos e o ter deixado a aguardar que aquele corpo ficasse sem força para lhe prender a alma.
Desse tempo, onde todos os sons lhe pareceram iguais e em que não entendia os porquês daquele mal-estar que a tempos se exacerbava, não tem memória precisa. Só depois do último suspiro e de ter visto o médico a preencher a sua certidão de óbito, é que começou a organizar-se de novo. Quer sair em paz deste mundo, pelo que decidiu ficar até ao final do seu enterro para saber o que se passou. Tivesse morrido na hora do AVC e tinha o problema resolvido, mas tanto tempo depois, sem ter consciência de si, fá-lo questionar da “utilidade” de lhe terem prolongado esta pseudo-vida.
Pairou pela capela e aproximou-se das conversas ao lado do seu caixão. Percebeu que esteve sempre internado em hospitais, em Unidades de Cuidados Continuados e num Lar, porque a sua família não tinha condições para lhe garantir os cuidados que o corpo exigia. Ouviu falar de médicos, de enfermeiros, de inúmeros exames, das sondas, das fraldas e das algaliações, e da falta de lugar para tamanha Esperança e quase concluiu que ele não passou de uma “área de negócio” para os prestadores de cuidados de saúde, que multiplicaram análises, exames, observações, remédios e internamentos, para o manterem todo esse tempo a respirar. Depois olhou para os olhos chorosos da sua companheira e sentiu-lhe o desamparo agravado pela perda da sua reforma que tanto a ajudava nas coisas do dia-a-dia – tanto dinheiro gasto inutilmente consigo, que poderia ter sido aplicado no bem-estar da sua ex-família -, ao menos essa prolongou-se.
Ouviu da boca do padre as palavras da circunstância e um texto de S. Paulo sobre a ressurreição e a vida eterna, lido com tal alegria, que deve ter causado a algum dos assistentes uma estranha vontade de morrer, não por desânimo com a vida, mas por entusiasmo com a morte.
Ouviu os sinos, assistiu ao descer da sua urna e acompanhou os últimos assistentes à porta do cemitério. Depois, voltou à campa e pasmou com a pequena flor despercebidamente deixada pela sua primeira namorada e preparou-se para subir às pastagens celestiais, onde os cálices transbordam, os jugos são suaves e os fardos muito leves.

Atrasado, mas com o sentimento de ter cumprido uma missão, deu três piruetas no ar e apontou, definitivo, à constelação de Centauro, que era aí que lhe estava reservada a Eternidade.
E ... nunca mais se ouviu falar dele.

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Tondela - Benfica


30 de Outubro/2015, à porta do Estádio Municipal de Aveiro, as televisões entrevistam adeptos, em directo.
-Que pensa do jogo?, pergunta o repórter a um paisano do Tondela.
- Vai ser um jogo difícil. Vai ser assim como o ... Elias contra o ...
Golias!

Fiquei esclarecido. Ganhou o Golias 4 a 0.

domingo, 1 de novembro de 2015