domingo, 29 de junho de 2008

O nosso Fado


Ninguém foge ao seu destino!
Cada um é para o que nasce!
Tens de cumprir a tua sina!
Quem tem de morrer de um tiro, não morre de uma facada
!
Quem nasceu para lagartixa, nunca chega a jacaré!
...
Andámos anos a aceitar este fatalismo idiota e de repente, achamos que temos direito a tudo e sem esforço, e desatamos a reivindicar apoios e subsídios como que a exigir uma qualquer intervenção da Divina Providência?

segunda-feira, 23 de junho de 2008

As análises


Ser médico é um saber e uma arte.

O saber está nos grossos livros que caracterizam a Medicina e a arte está na capacidade de ouvir, de interpretar e de decidir individualizando as soluções.

Nos anos de formação adquire os conhecimentos, mas a arte exige-lhe uma vida de empenho profissional.

A actual banalização dos meios auxiliares de diagnóstico cria a ilusão do diagnóstico pelas análises, como se fosse possível afirmar ausência de doença na presença de meia dúzia delas normais.

Esta desvalorização do raciocínio que afecta doentes e médicos, aumenta a iatrogenia, os gastos e desvia a atenção do sofrimento do doente, como aconteceu com o Sr. Carlos, que amorosamente acompanhava a esposa à consulta e que, para que não esquecesse nada, trazia “tudo” escrito, com as suas maiores angústias reforçadas a vermelho:

“Como estará ela em Velocidade de Sedimentação? E o ácido úrico desceu? E não será melhor fazer uma radiografia ao toráx?”

... e não a deixava falar!

domingo, 22 de junho de 2008

Um filho



Toda a vida tem por fim último persistir. O seu primeiro esforço é manter-se vivo e o segundo é reproduzir-se logo que possível.

O homem para garantir o sucesso da descendência necessita de investir na educação e, como um único progenitor dificilmente leva a bom termo tão exigente e prolongada tarefa, as sociedades humanas desde sempre lutaram para estabilizar as famílias, criando regras que limitem os excessos e pacifiquem as faltas de oportunidade ou incompetência, desviando as energias para o colectivo e garantindo a influência sobre os genes dos outros.

Mas, embora “aqueles que por obras valorosas se vejam da lei da morte libertados”, um filho é o modo natural de ser eterno, principalmente quando se acasala com alguém "que nos completa" e nasce um ser "que junta o melhor de cada um dos pais".

sábado, 21 de junho de 2008

Os Imperadores Romanos






















Temos as mesmas necessidades básicas e quando nascemos deveríamos ter as mesmas oportunidades, mas lutamos por objectivos diversos por ser diferente a nossa cultura e a nossa energia interior.

O discurso do povo sempre esteve repleto de desrespeito pelas funções de chefia, seja para com os governantes seja para com as direcções do seu ambiente social (raramente com fundamentação suficiente), criando dificuldades à implementação de qualquer sistema organizacional.

Leio a queda da República em Roma - “Rubicão” de Tom Holland e as “Crónicas dos Imperadores Romanos” de Chis Scarre.
Admiro aqueles homens que elevaram uma cidade ao controle de um continente, e fico a pensar se seria possível gerir aquele Império de outro modo.

Cito Tibério César Augusto, o 2º Imperador de Roma, na declaração das suas intenções ao Senado: “… sou um ser humano disposto a cumprir tarefas humanas, … elas honrarão a minha reputação, se for digno dos meus antepassados, cuidar dos vossos interesses, enfrentar o perigo e não temer ser impopular para servir o bem nacional…”

É bem mais fácil ter um emprego, olhar pela vidinha, ir ao futebol ao domingo e dizer mal de tudo para justificar a nossa baixa responsabilidade social!

sexta-feira, 6 de junho de 2008

Eu e os Óbitos


1981 - Verão - 12:30h. Vou buscar a miúda à Escola Primária e apresso-me para o almoço no Refeitório dos funcionários da Caixa de Previdência, antes de ir para a Consulta na Póvoa de Varzim. Tenho de ser rápido.
À entrada sou surpreendido por um cangalheiro:
-"Doutor, doutor!! Por favor! "
- "Que é?"
- "Por favor, antes de almoçar, passe a Certidão de Óbito daquela doente que foi ver ontem à noite, a sra. X!. Lembra-se? "
- "Lembro-me que ela estava mal! Agora é você que me está a dizer que ela morreu!"
- "Oh doutor! Ela morreu pouco depois do Dr. ter saído e está tudo à espera da Certidão para as formalidades legais.!"

Esta coisa dos óbitos tem histórias que não lembram ao diabo. Quando estava no Serviço Médico á Periferia em Ribeira de Pena e morria alguém nas aldeias mais longínquas, como não fazia sentido prejudicar os 24 doentes da consulta, andar horas aos solavancos para ir ver um morto, escrever uma página e voltar, o cangalheiro trazia um documento do Presidente da Junta de Freguesia com as suas presunções quanto á causa de morte e a afirmação de "morte por motivos não violentos", e eu passava a Certidão de Óbito com um diagnóstico que não ficasse mal àquele desconhecido.
Quando em casa contava a história, ouvia sempre uma reprimenda da minha mulher por não cumprir as normas e confiar num papel que não era legal e como tal, se houvesse problemas com a Justiça, era eu quem estava à perna!.
E até havia histórias, como aquela de um mancebo que se livrara da tropa com uma Certidão naquele estilo e que fora descoberto quando, anos depois, queria tirar a Carta de Condução, ou outra de um taxista que se disponibilizara para ir buscar um morto a uma terriola de França, e que fora parado na fronteira com o dito sentado no banco de trás no meio de dois paisanos. Calculo que alguém do lado de cá se iria disponibilizar para uma Certidão e embora se tivesse falado em morte natural, nada impedia que o não fosse.

Lá, eu tinha justificação para não ir ver o cadáver antes da Certidão, no centro da segunda cidade de Portugal pareceu-me inaceitável fazê-lo!.
Como o tempo era curto, pesei tudo e respondi:
- "Está bem! Eu passo! Mas primeiro vou identificar o cadáver, e só o posso fazer depois das 18:00h! Onde é que está o corpo?"
- "Está na casa mortuária da Igreja de Cedofeita!"
- "Está bem! Eu apareço lá quando acabar a consulta!"

e apressei-me para o almoço.

Fiz a Consulta e à hora prevista estava na Igreja, na expectativa de encontrar o corpo acompanhado por um ou dois familiares, fazer o que tinha a fazer e ir embora sem mais, mas tive de abrir espaço numa sala de gente consternada que, com surpresa, que me viu entrar de calça branca e T-Shirt garrida, a cumprimentar a família, sacar do estetoscópio, auscultar a morta durante três minutos e sair de caneta em punho para dar caminho legal à situação.

Só à saída é que fiz o ponto da situação.

domingo, 1 de junho de 2008

O Dinheiro



-“Oh doutor! Se ele alinhasse o ouro que tem, vinha até cá sem pôr os pés no asfalto, e olhe que são 35Km! “, dizia-me o empregado da ourivesaria, quando lhe disse que éramos conterrâneos, sem no entanto saber que o destino me fizera seu médico.

O sr. X vivia numa casa central de 2 pisos. Viera do Ultramar, ainda antes das Independências, e trouxera todo o património dos longos anos em que uma Funerária lhe alegrara os dias.

A casa era um reflexo da Africa em que vivera. Encostados às paredes repousavam grandes peles e volumosos dentes de elefante, enquanto pesados móveis de pau-preto adornados de embutidos se multiplicavam pelo corredor e salas da casa.
Nos últimos meses não saía, preso ao Oxigénio e aos remédios que o mantinham vivo mas incapaz. A governanta era as suas mãos, as suas pernas, os seus ouvidos e também a sua fala, já que a traqueostomia o tornara imperceptível.

Da última vez que o visitei piorara muito e nem pedira, como de costume, para lhe ligarem a Televisão no seu programa preferido: A Bolsa Dia a Dia.
Morreu na semana seguinte, no mesmo dia em que as suas acções atingiram um máximo histórico!