sexta-feira, 13 de maio de 2016

Cação


As histórias começam tímidas. Depois, ganham asas, experimentam a confiança e alargam o espaço ao bairro e à cidade.
Umas exigem ao narrador grande certeza nas palavras. Outras valem pelo insólito de uma frase que, não raro, persegue o visado até ao fim dos dias.

Esta chegou-me ontem, envolta em vozes baixas, que o personagem é filho de gente influente. Os pares olham-no como um “alien” que desperta dissonâncias pelo excesso de voluntarismo com que procura o que deve e o que não deve, a horas certas e às inconvenientes, como a compensar um tempo perdido, ... sabe-se lá onde.

No Serviço de Urgência, terá recebido um doente a quem a mulher atribuía o estranho comportamento de só querer comer sopa de cação e recusar tudo o resto.

Na folha da História Clínica, aparece referida, repetidas vezes, a palavra "cação", numa transcrição excessiva da conversa da mulher, mas é no início do registo do Exame Objectivo, que surge o ponto alto: “Consciente, colaborante e orientado. Hálito a cação! …”

2 comentários:

JARRA disse...

Esta é efetivamente brilhante e parece tirada de um livro do Astérix:
Então o Ordralfabetix (Ordenalfabetix, em português) que é o pescador e peixeiro da aldeia, que vende mercadoria de qualidade duvidosa e que portanto tresanda e anda em permanente conflito com o ferreiro e outros concidadãos, terá sido trazido à urgência pela Iélosubmarine, sua esposa e responsável pelo preparo e a venda de poções. E não é que deram mesmo de caras com o Panoramix, insigne druida. Pena não ter também vindo Oftalmologix, pai de Ordralfabetix, que poderia todos ter elucidado sobre a subtileza dos odores em preço, por ter em tempos sido também comerciante de peixe. Por toutatis, que delírio ...

JARRA disse...

"apreço"