Ensinaram-me então que tinha que confessar os meus pecados a um homem velho, vestido de preto dentro de uma cabina escura. Como era pequena e não chegava aos buraquinhos do confessionário, o padre saiu e a confissão ocorreu frente a frente, comigo muito humildemente ajoelhada, num grande esforço para inventar pecados para não o defraudar, pois não era suposto chegar lá sem nenhuma falta.
Como é que aos 6 anos se tem noção de pecado? Diziam-me que se pecava por pensamentos, palavras, obras e omissões e eu punha-me à procura dentro da cabeça de quais de todos eles podiam merecer essa classificação.
No fim, o meu nível de pecadora era quantificado pelo número de Avés Marias ou Salve-Rainhas que me receitavam como penalização e que comparava com as minhas colegas, tal como as notas nos exercícios de ditado ou redacção.
Ensinaram-me ainda que, depois deste passo doloroso, estaria pronta para comungar. Ainda na fila para a comunhão já eu punha a língua de fora para receber aquela fatia fina e seca de pão sem fermento, para depois sofrer o tormento de ter a hóstia colada ao céu da boca e ser proibido tocar-lhe com os dedos, quando os movimentos de língua não eram suficientemente eficazes para a descolar, e me punha a revirar os olhos com ar de recolhimento, tentando pensar em coisas "edificantes", com a agravante de ser proibido sair da igreja ainda com a hóstia na boca sob pena de passar a vergonha de ver dois sacristãos atrás de mim, com tochas acesas.
Para progredir nesses patamares fiz a primeira comunhão. Vestiram-me de anjinho e, para compor a imagem, a minha mãe chamou a cabeleireira a casa e transformou os meus cabelos, normalmente lisos, em densos caracóis por meio de uma "mise" executada com ferros quentes, que além de me queimarem o couro cabeludo me faziam cair a cabeça pelo seu peso excessivo para a minha idade.
Cumpri a minha missão segurando a toalha da comunhão, de joelhos, ostentando nas costas um longo par de asas, por um tempo que me pareceu infinito. Os fotógrafos que se posicionaram por trás de mim, encarregaram-se de entortar as ditas asas, tornando a meu equilíbrio ainda mais penoso.
Tudo excessivo, muito intenso e pouco útil!
Já a comunhão solene se revelou a ostentação de uma vaidade familiar bacoca. Nos meus 10 anos ainda reclamei, tentando que me deixassem envergar um fato de freira mais adequado à solenidade da minha profissão de fé. Não me deixaram. Era sobrinha da directora, Tinha de ser a mais "bonita" e... vestiram-me de noiva!
Tudo acabou aqui. Resta o lamento do tempo rouhbado às sãs brincadeiras despreocupadas como devem ser as das crianças e os medos que perduraram anos, até se perderem.
Felizmente que as novas gerações não são obrigadas a passar por isto.
História de H G
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