terça-feira, 11 de fevereiro de 2025

Lembranças do Olimpo - 37

 

“Não é o homem que escolhe o seu destino. É o Destino que escolhe o homem. A tragédia, por mais paradoxal que pareça, provém, não dos pontos fracos do protagonista, mas dos seus méritos. As pessoas são empurradas para a tragédia, não pelos seus defeitos, mas pelas suas virtudes. É uma suprema ironia que o descalabro tenha origem, não na preguiça ou na estupidez, mas na coragem e honestidade”. Hopolito tinha sublinhado este pequeno texto, num dos livros de Haruki Murakami.

Putin vinha de uma série de vitórias no campo político, económico e até social e recusava qualquer compromisso que pusesse sombra na sua aura. Hipólito estivera atento às leis rígidas adotadas pelas autoridades russas em 2003, que fizeram cair de forma significativa o número de mortes relacionadas com o álcool em todo o país. Durante as décadas de 1990 e 2000, o país viveu uma "crise de mortalidade". Nessa época, metade dos homens em idade produtiva morria prematuramente por causa do álcool. Entre 2003 e 2016, segundo a OMS, o consumo por pessoa caiu 43%, e, como médico, considerava tal facto um feito histórico, mesmo sabendo que os números por si só não especificam nada e que tudo depende do que fazemos com eles.

Hipólito tentava ver para além da encenação de cada actor. Considerava-se um homem de ciência com obrigação de sondar para lá da interpretação “óbvia” dos fenómenos.

Reviu os dados deste jogo: Os EUA têm uma população de 345,5 milhões, os russos são 143,60 milhões, na União Europeia há 449.2 milhões. A China tem 1.600 milhões.
O PIB dos EUA é 10 vezes o da Rússia e 1,5 vezes o da União Europeia e da China. O PIB per capita, do Estado mais pobre dos EUA é superior ao das cinco principais economias da Europa, com exceção da Alemanha. O PIB per capita da Rússia, pouco maior é que o da Bulgária, um dos países mais pobres da Europa. Os EUA investem 3.4% do PIB em Defesa. A Rússia 5,9%. Os países da União Europeia menos de 2%. A China 1,7%.

Estes eram os números que Trump tinha por maus e que considerava necessário alterar para os USA serem “great again!”, de acordo com o “senso comum” da elite que o rodeava, arriscando atritos com os aliados tradicionais e criando desconfiança, quando ela é a base de qualquer "negócio". 
Não ter em consideração a “marca” “made in USA”, parecia-lhe um enorme erro estratégico. A resposta ao bullying do Alan Musk, era já evidente na Europa, onde a Tesla vendera 50% menos automóveis, em Jan/2025 que em Jan/2014. Se ele tivesse em conta que a publicidade é a parte mais cara de um perfume, talvez não levantasse tanto a voz contra situações que só existem por uma questão de prestígio.

Mas o melhor era não fazer prognósticos neste jogo “muito dividido”, como falam os comentadores de futebol. E foi com estes pensamentos que regressou ao quarto para uma sesta, antes da sessão da tarde.
Cochilava há meia hora quando sentiu um vento azulado passar-lhe pela fronte e topou Zeus a entrar, suavemente, por uma das paredes.- Olá meu amigo!, disse o médico. - Então veio acordar-me, com medo de que eu não comparecesse à sessão da tarde?

- Nada disso!, respondeu Zeus. - Vim para me despedir! Diziam que os meus deuses eram instáveis e imprevisíveis, mas foram eles que deram as bases para a vossa civilização. Agora os dois deuses com maior cota no mercado, ou andam distraídos ou desactualizados. O dinheiro é o novo Deus! Tu já viste o poder que Trump tem nas mãos  para fazer subir ou descer as acções na Bolsa de Valores em qualquer parte do mundo? Se ele te dissesse o que vai dizer à sexta feira, depois da Bolsa fechar em Nova York, tu podias apostar uns 10.000€ no efeito das palavras dele e, dois dias depois, estavas a receber uns 200.000€. Ele a ti não te diz mas, de certeza, que diz a quem lhe está mais próximo. E os investimentos nesse jogo são, por certo, muitíssimo maiores. Não quero estar por perto quando o mundo se revoltar. Se não for um Armageddon, vai ser coisa parecida! É que no “mercado de valores” o medo é contagioso e o ladrar faz mais mossa que a mordida!

Despediram-se com um até um dia, na certeza de um reencontro. Hipólito, arranjou-se. Estava atrasado para a sessão da tarde.

Sem comentários: