Hipólito chegou a casa já o sol se punha. Zeus, antes de se despedir sugeriu: - Vi que estás muito impressionado com o Donald Trump e, por isso, gostava que esperasses aqui um pouco, que eu vou ao Inferno trazer de lá um arrependido para tu conheceres que é cinco estrelas, e, num ápice, atravessou o chão para mergulhar nas profundezas da terra em direção ao Tártaro. Minutos depois estava de volta trazendo um patrício romano pela mão.
- Oh, meu amigo! Ia trazer-te o Nero, mas achei melhor o Júlio César, pois foi ele que deu cabo da República!, disse, enquanto empurrava ligeiramente o César para a frente. – É que Trump está a tentar imitá-lo como ditador. Mas preferia que o ouvisses!
Júlio César, com as vestes senatoriais ensanguentadas, pediu autorização para se sentar e iniciou a sua narrativa sobre os factos passados, com a humildade de um escravo.
- A República tinha demasiados “Checks and balances”, como agora se diz, que dificultavam a implementação das reformas sociais e políticas que eu preconizava. Foi por isso que impus a Roma a minha vontade. Centralizei o poder e a burocracia, nomeei-me imperador e até aceitei honras divinas. Nos primeiros tempos a coisa até que nem correu mal, mas a oposição política cresceu e, nos Idos de Março de 44 a.C., num dia tido como prazo para quitação de dívidas, um grupo de senadores aristocratas liderados por Marco Júnio Bruto (que até era um dos meus mais protegidos), assassinou-me, precipitando uma nova guerra civil e, como consequência, o governo constitucional republicano nunca mais foi restaurado.
Fui morto aos 56 anos. Tivesse eu sido mais inteligente e não tinha transformado a República num Império. Os benefícios de curto prazo não compensaram o que veio depois. Mais de metade dos Imperadores que me sucederam, morreram como eu, assassinados pelas forças que supostamente lhes eram leais. O poder absoluto não só corrompe como dá um “bode expiatório” fácil de identificar.
Hipólito interrompeu-o. - Não está a sugerir que seja esse o fim mais provável para Donald Trump, pois não?!
- Não deixa de ser uma possibilidade!, respondeu Júlio César. - Foi assim no Império Romano e é-o agora.
Zeus, que até aí se mantivera calado, atalhou: - Nunca faltaram indivíduos cheios de razões, nem razões para o que quer que seja. Trump viu demasiados filmes de Cowboys, onde o herói resolve tudo sozinho e tenta imitar o Lone Ranger acompanhado por um Tonto que, no caso, é o Elon Musk.
Hipólito, sorriu e acrescentou: - Eu já tinha feito uma analogia entre o Elon Musk e o Rasputin. Um a fazer a cabeça do Trump e o outro a fazer a da czarina Alexandra Feodorovna, esposa do czar Nicolau II, da Rússia, mas a sua imagem é melhor. De facto, o filme que passa na cabeça dele é um velho filme do oeste americano, em que o artista entra no bar armado com duas pistolas e depois de matar os maus, volta a montar o cavalo em direcção ao sol poente, com toda a população feliz no “backstage” e a música de uma guitarra a trinar em decrescendo, sobreposta ao trote do corcel.
Estavam todos de acordo, mas Zeus não quis sair dali sem pôr todos os pontos nos iis e lembrou. - No caso presente, quem levou a Ucrânia àquela guerra, foram os USA quando achavam que a Rússia era o seu pior inimigo. Só quando se aperceberam do salto que a China deu, é que sentiram necessidade de se virar para o Indo-Pacífico e o que se passava na Europa deixou de ser prioritário. Enganam-se. O mais provável é que a Nova Rota da Seda venha a ser uma realidade, pois Trump mostrou à saciedade que os USA não são fiáveis.
Despediram-se. Hipólito subiu as escadas em direcção ao quarto de dormir, quando encontrou a mulher, incomodada por não ter tido notícias dele.
- Deixaste o telemóvel em casa e eu não encontrei, nesse Congresso, um número para te contactar.! Podias ter telefonado!
O médico justificou-se: - Neste Congresso … andei à vontade dos deuses!
- Andamos todos!, replicou a mulher. Hipólito retrucou, para amenizar o ambiente: - Mas olha que nem todos! Muitos maridos andam ao mando das esposas, dando razão ao provérbio galego: “Se a tua mulher te pedir para te atirares da janela abaixo, reza para morares no rés-do-chão!”.
Abraçaram-se. Ela disse-lhe ao ouvido: “Hoje o jantar é alheira! Daquelas que tu gostas!” e desceram de mão dada para a sala de jantar, enquanto o médico ainda cogitava: “Os genes sofrem mutações, os indivíduos são selecionados e as espécies evoluem!”, sem ser capaz de vislumbrar qualquer evolução favorável na espécie humana na História dos últimos três mil anos.
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