domingo, 27 de dezembro de 2015

Lar Lembranças do Olimpo (4)


Finalmente chegara sábado. O dia estava quente. Hipólito vestiu-se desportivamente e deu-se um leve aroma a pó de talco, por saber que ele enternece as mulheres maduras. Naquele encontro sobrenatural não queria decepcionar. Sorriu na antevisão de uma conversa agradável com uma das deusas que mais admirava. Ela, que só aparecia aos mortais apenas como um par de olhos, deixara que ele a visse inteira e até tocasse a sua carne.

A viagem foi rápida. Parou o automóvel e, de imediato, surgiu uma vestal que o levou até uma porta lateral do templo. Hera aguardava-o. Vestia um quíton de linho branco bordejado por uma faixa de amarelos, violetas e vermelhos, representando pássaros. Na sala duas mulheres com túnicas rosadas teciam um tapete.

- Bom dia, Dr. Hipólito. Bons olhos o vejam!, disse. - Vai ter o privilégio de ser recebido no gineceu, onde só os homens da casa podem entrar! E, ao dizê-lo, as presentes, levantaram-se e fizeram-lhe uma vénia.
Hipólito agradeceu pondo as mãos junto ao peito, e ofereceu a Hera uma romã, símbolo da fertilidade, do sangue e da morte.

Enquanto se dirigia a um canto da sala, onde duas poltronas LC3 de Le Corbusier os esperavam, Afrodite, de uma porta lateral, lançou-lhe um sorriso sedutor, que quase o fez tropeçar. Hera deu-lhe o braço e sentaram-se. Na mesa em frente havia taças com azeitonas, figos e amêndoas e uma garrafa de hidromel. Hipólito sentiu-se tomado por um encantamento e, quando veio de novo a si, a deusa iniciara a conversa.

- Dr.! Chamei-o para lhe dizer o que penso sobre os planos do meu marido. Ele deve-lhe ter falado numa prospecção de mercado com vista a um eventual regresso e num projecto a que chamou “Multidão Solitária”. Não acredite! Ele falou consigo e com mais um ou dois. É da velha guarda. Só ouve quem quer e, mulheres … nunca. Para ele as mulheres são para estar em casa a cuidar dos filhos. Ainda não percebeu que a pílula nos possibilitou entrar em força no mundo do trabalho e de nos tornarmos decisoras sobre o que ele pensa ser o “mundo dos homens”. Na idade de entrarem para a universidade elas são muito mais responsáveis e levam vantagem sobre eles. Já quase não há daquelas que estão à espera de quem as cuide, disponíveis até para as infidelidades. Quando era nova aturei-lhe todas as traições. Agora, se ele voltar ao mesmo, associo-me aos filhos e não o deixamos entrar aqui. Ele que vá dormir onde quiser.
Também lhe quero dizer que, depois de ter inventado o deus único e universal, já não acredito que o Homem queira voltar para nós. Substituíram a diversidade e imaginação que lhe proporcionávamos, pelas histórias rocambolescas dos santos e pouco ficaram a perder.
Para mais, e em termos gerais, o Homem está convencido que é o ser mais inteligente do Universo, por ter dominado parte dos seres vivos da Terra. Se ele pensasse bem, iria ver que em grupo é muito irracional. Há-de morrer no meio do lixo que fizer, a queixar-se de um qualquer fenómeno natural.

- Eu sei, dona Hera!, retorquiu o Dr. Hipólito. – Estou nessa onda! Mas tem de admitir que só agora a globalização pôs a nú as grandes assimetrias entre os países ricos e os países pobres. Vocês, deuses, é que podiam dar uma ajuda, para evitar uma catástrofe planetária. Caso contrário só se safarão aqueles que conseguirem sair da Terra e colonizar um planeta fora do sistema solar.

- Não conte com isso!, respondeu Hera. – O Homem está condenado. Andam para aí uns ficcionistas a dizer que em vez de ir um humano já formado, enviam-se ovos masculinos e femininos congelados, ligados a uma placenta electrónica, que se pode manter inactiva séculos e só se reactivar quando chegar a um destino favorável. E que a sua educação seria garantida por um programa informático. Nem pensar! 
Daqui a 4.500 milhões de anos, quando se acabar o hidrogénio do sol e ele se transformar numa supernova, todos os planetas serão atraídos para lá e … acabou-se. Já viu a quantos anos-luz está a próxima estrela? E ainda por cima com o Universo em expansão! As distâncias de hoje não serão as de amanhã! Para o impedir, nem uma chuva de milagres seria suficiente.

- É por isso, caro Dr., que eu ando a convencê-lo a sair daqui e estabelecermos-nos numa outra galáxia mais estável. Já pesquisei e, na Andrómeda, que fica a dois milhões de anos-luz da Terra, há um planeta que me pareceu cinco estrelas. Tem uns seres vivos engraçadíssimos, inteligentes e amorosos. São de uma originalidade a toda a prova e não têm nenhum deus que os ouça quando estão recolhidos em pensamentos. Tenho-os observado e sempre os vi colaborantes, mesmo nas dificuldades. Pode não acreditar, mas lá não há chicos-espertos! O único senão é o cheiro. A química orgânica deles não é à base do carbono é à base do silício. Eles não notam, mas quem chega …! São vermelhos e voam. Que me diz?

O Dr. Hipólito, rodou o copo nas mãos, levantou os olhos e atreveu-se a perguntar.
- Dona Hera! Já ouviu falar do Big-Bang? Se aquilo que o Stephan Hawking anda para aí a dizer for verdade, então o universo pulsa e, quando ele se comprimir, vai tudo à vida e os deuses também. Estejam eles onde estiverem.

Hera desconhecia aquelas projecções. Incomodada por ser um humano a levantar-lhe o véu desse futuro, foi para a janela e, como se falasse para alguém no exterior, disse: -Dr. Hipólito! Ouviu o que eu lhe tinha a dizer. Sei que o meu marido vai tomar uma decisão para breve. Espero que ela não vá contra os meus desejos, pois uma turbulência nesta casa, ultrapassa as suas paredes. Nós ainda temos muito poder sobre as forças naturais e … quando o mar bate na rocha, quem se lixa é o mexilhão. É assim que vocês dizem, ou não é!
-Agora venha! Vamos visitar Afrodite que ela parece ter engraçado consigo. Sabe! Zeus pensa que ela é filha dele e da ninfa Dione, mas não é! Ela nasceu da espuma que surgiu, quando Cronos, que era o pai dele, cortou os genitais a Urano e os arremessou ao mar. É por isso que ela é tão leve. Não se preocupe com o Hefesto. Há séculos que estão divorciados.

E saíram para a ágora onde, junto a uma fonte, Hércules se sentava pensativo.

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