quinta-feira, 9 de abril de 2020

Trabalhos de avô em tempos de Covid


-Sara anda descansar!
Diz que não, foge pouco convencida e rende-se quando a seguro por um braço. Ponho-a ao colo. Faz-me um “xi-coração, munto gande” e deixa que a leve, sem mais protestos.
Chegados ao quarto, começam os trabalhos. – Avô! O bébé! Está habituada a dormir com um boneco e uma peça de um puzzle com uma imagem do Noddy. Procuro o bébé e ponho-lho numa das mãos e na outra o Noddy. – Avô! Patos! Tiro-lhe os sapatos.- Ali em cima!, ponho os sapatos em cima do armário, apago a luz e sento-me na cadeira, com ela ao colo.
Aconchega-se até sentir algum conforto, o que demora umas cinco ou seis voltas, para fugir às minhas irregularidades. Ajudo-a sem ela notar e fico numa posição desconfortável de manter de modo sustentado.
– Avô! Cavalo! É a ordem para eu cantar o “Era uma vez um cavalo” que vivia num lindo carrocel…! Canto em voz sussurrada, umas dez vezes, até a sentir mais calma e páro de cantar. -Avô! Come a papa! -Oh Sara!. eu já cantei o cavalinho muitas vezes! – Come a papa! Avô! Não é uma ordem, mas é como se fosse. Se eu não cantar, ela volta a ficar activa e tenho de começar tudo de novo. Negoceio. – Só uma vez! E depois a Sara dorme. Está bem? -Sim! Canto o Come a papa, umas seis vezes, a última num sussurro.  Procura outras posições para dormir, sempre com o bébé numa mão e o Noddy noutra, que vai mordiscando.
Está quase a dormir. Deixa cair o bébé e desperta. – O bébé!. diz num misto de sono e choro. Torço-me para apanhar o boneco do chão, sem lhe alterar a posição no meu colo. Dou-lhe o boneco. Agarra-o e procura nova posição. Passa-me a mão pela face para se assegurar de que eu ainda estou ali. Já estou com o braço que lhe sustenta a cabeça dormente, receoso que os meus movimentos a estimulem.
Está quase. – Toma!, diz passados minutos. Às escuras, entendo que me está a dar o Noddy. Recebo-o. Aninha-se menos tensa e sinto que já não segura o bébé que mantém junto ao corpo. A respiração é agora mais pausada. Deve estar a dormir. Levanto-me com ela nos braços. Não reage. Deito-a na caminha. Ajeita-se. Uma vez, duas vezes. Em bicos de pés, vou até à porta. Entra um pouco de luz no quarto e ouço um. – Avô!, muito esmorecido. Respondo, -O avô está aqui! e volto a entrar.
Está quieta há minutos e com a respiração pausada. Saio. Passou uma hora.
Amanhã vai ser igual.

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