terça-feira, 22 de julho de 2025

São Sebastião


Capela de São Sebastião, Paçô, Carreço

A devoção a São Sebastião tem raízes fundas na religiosidade popular portuguesa. Mártir cristão da Roma antiga, São Sebastião é venerado como protetor contra a peste, as epidemias e outras calamidades coletivas — uma crença que atravessou séculos e deixou marcas visíveis na paisagem religiosa do país.

Durante os séculos XVIII e XIX, sobretudo em tempos de surtos de doenças como a peste, cólera ou febres malignas, comunidades rurais e urbanas de todo o território ergueram capelas em honra de São Sebastião. Muitas dessas construções mantêm ainda hoje a sua traça simples, com fachadas de granito e frontões recortados, erguidas por promessa ou como voto de agradecimento por proteção divina.

Estas capelas, normalmente implantadas em lugares altos ou à entrada das povoações, funcionavam como barreiras espirituais contra os males do corpo e da alma. O santo, representado com o corpo crivado de flechas, tornou-se símbolo de resistência e esperança, sendo invocado em momentos de aflição.

A devoção a São Sebastião é também celebrada com romarias e festas populares, especialmente no mês de janeiro, próximo da sua festividade (20 de janeiro). Em muitas aldeias do norte de Portugal, estas festas incluem procissões, missas campais, bênção de animais e até partilhas de pão ou vinho, ecoando antigas práticas de culto agrário cristianizadas ao longo do tempo.

A força desta devoção estende-se do litoral ao interior, das ilhas à diáspora portuguesa espalhada pelo mundo. Cada capela dedicada ao santo guarda não só a memória de uma promessa, mas também o testemunho da fé coletiva de uma comunidade diante da fragilidade humana.

O milagre de São Sebastião e a capela de Carreço

Em maio de 1819, uma pequena embarcação de pesca com sete homens de Carreço partiu para o mar, a partir do sítio da Posta. Chamava-se S. Sebastião e era comandada por Manuel Fernandes Enes. A pesca da sardinha obrigou-os a afastar-se muito da costa, mas foram surpreendidos por ventos fortes de leste que os empurraram para alto-mar, impedindo o regresso.

Durante dias, remaram contra o vento, esgotados, alimentando-se apenas de sardinhas cruas e água salgada. Em terra, a angústia era geral. Quando finalmente foram avistados ao largo, tentaram entrar em terra por Caminha, mas o mar continuava bravo. A tripulação, desesperada, quis fugir para Espanha, mas o mestre impôs-se com firmeza e ordenou a entrada pela barra. Milagrosamente, o mar acalmou por instantes e o barco entrou em segurança.

Em agradecimento, a população de Carreço mandou construir uma capela dedicada a São Sebastião, concluída em 1821, como voto pela salvação. A pequena imagem do santo, que se guardava na antiga Capela do Santo da Légua, foi transferida para o novo templo. Desde então, a memória desse episódio foi preservada na devoção local, nas festas anuais e nas orações dos pescadores antes de se fazerem ao mar.

Nota: A Capela do Santo da Légua ficava perto da atual Avenida do Santo da Légua, na N13, e foi demolida no início do século XVIII, durante obras na estrada.

 Hagiografia:  Segundo a tradição cristã, nasceu em Milão, por volta do ano 256 d.C. e foi martirizado em Roma, cerca do ano 288 d.C., durante o reinado do imperador Diocleciano.

Era um oficial da guarda pessoal do imperador, que usava a sua posição no exército para ajudar e confortar os cristãos perseguidos. Descoberto, foi acusado de traição e condenado à morte por flechas, após o que o atiraram ao rio Tibre, onde foi recolhido por santa Irene que o curou. Os militares eram o esteio do império, onde a lealdade era vital. Sebastião, em vez de fugir, voltou a confrontar o imperador acusando-o de injustiça e foi então martirizado de novo, a pauladas, até à morte.

É padroeiro da cidade do Rio de Janeiro e do lugar de Paçô em Carreço.

Na arte renascentista e barroca, a sensualidade do corpo martirizado transformou São Sebastião num símbolo ambíguo, inclusive adotado como ícone cultural por grupos LGBT no século XX, como mártir simbólico do sofrimento humano e da exclusão (religiosa, sexual, política).


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