terça-feira, 20 de maio de 2008

O Senhor Doutor do Porto


No último mês perdera todo o gosto pela Quinta e mesmo a família a que era tão chegada, via-se e desejava-se para lhe arrancar uma atenção.
A doença arrastava-se há dois anos. Tudo começara de modo insidioso. Primeiro deixara de madrugar como sempre fizera, seguira-se o emagrecimento inexplicado, as consultas e os tratamentos no Porto a deixarem-na cada vez mais debilitada, mas ainda com a esperança de voltar à vida de todos os dias.
A última vindima fora a sua última vitória, mas o Inverno tirara-lhe o ânimo e, não fora a sua sobrinha Aurora, que lhe queria como a uma mãe, não aguentaria uma semana.
Ultimamente passava horas absorta à janela a ver a chuva e o vento a varrer as folhas, enquanto revia mentalmente os grandes acontecimento que testemunhara.

Oitenta e sete anos a zelar por um nome e por um património extenso e frágil, deram-lhe a têmpera. A viuvez precoce tornara-a seca e objectiva, para formar os três filhos com o dinheiro da amêndoa e do azeite, já que o vinho mal se pagava.
Tinha assistido ao abandono das grandes quintas vizinhas e resistira, com uns poucos letrados da aldeia, para dar um rumo ao esforço das gentes do campo.

Um dia surgiram náuseas e as dores atormentaram-na. Pediram-lhe para voltar ao Porto para mais exames. Recusou. Mudou-se-lhe o tratamento sem qualquer melhoria, para angustia dos familiares.

O médico, esgotado de soluções, sugeriu a observação por um colega do Porto, afamado professor na Universidade que, com a sua experiência, poderia ver onde ele, sem outros meios, não via.
Que sim! Que se fizesse tudo!
Por especial favor e lembrando os tempos de Faculdade, combinou-se a sua vinda no dia seguinte às 11 horas da manhã.
Às oito começaram os preparativos, às dez chegou o padre e às onze e meia foi com alegria que viram o médico da casa e o senhor Doutor do Porto, percorrer o longo corredor até ao quarto escuro da doente.

Fez duas perguntas de circunstância. Tomou-lhe o pulso, viu-lhe o branco dos olhos e, antes de a destapar para a examinar, pôs-lhe a mão na nuca e flectiu-lhe um pouco a cabeça...
e … para espanto de todos, a Dona Maria Rufina morreu!

4 comentários:

Q disse...

Bom dia,
Depois de ter visto o seu blogue venho convidá-lo a si para escrever na revista Atol. Não encontramos o seu mail por isso enviamos-lhe o convite por aqui.

A Atol ( www.atolmag.com ) é uma revista multi-temática, criada pelo estúdio IDEOMA. Esta revista está à procura de colaboradores para dinamizarem este espaço ao nível da escrita.

Trata-se de um projecto inovador em todo o seu aspecto formal, permitindo o acesso a pessoas com necessidades especiais como as pessoas cegas e amblíopes através da Audiozine, segundo uma elaboração cuidada e ricamente ambiental dos artigos da revista, explorando da melhor forma o mundo audível, como se de cores e formas se tratasse.

Neste momento encontra-se online apenas a versão designada "Incubação" na qual se encontram apenas alguns artigos.
Procuram-se pessoas capazes de dinamizar a revista a nível de escrita.

Nesta fase o projecto não é remunerado, devido à falta de apoios, mas à medida que for crescendo nomeadamente com publicidade, as perspectivas serão outras.

Esperamos contar consigo para uma colaboração
Disponha para qualquer questão

Com os melhores cumprimentos

Tiago Cartageno
www.atolmag.com
geral@atolmag.com

Guilherme de Carmo disse...

gostei.. muito interessante
vou continuar a estar atento

capitão disse...

Obrigado pelo comentário.
Lamento, no entanto, as considerações pouco dignificantes da 1ª página do seu Blog.

Guilherme de Carmo disse...

Caro Dr. X ou Capitão, permita-me o seguinte esclarecimento,
Confesso que o termo “maléfico” foi algo inapropriado, exagerado, talvez injusto. Muitas pessoas interpretaram-no como eu desejava, uma provocação inofensiva. O “maléfico” surge, como tinha dito de uma personagem de um videojogo, nunca foi minha intenção ofender , não sou desse estilo. Quando li o excerto de “Por que no te callas”, não conhecia o seu blog, tanto eu como outros colegas sentimo-nos lesados. Ouvir expressões como “matraquear contínuo de uma voz”, “tropeço em profissionais sem poder de síntese, “florir a banalidade”, “encher a vacuidade das suas intervenções” foi duro. Não é que discorde com o que disse, foi o facto de estar direccionado a enfermeiros e vieram à tona outros sentimentos recalcados. Como sou um “justiceiro misterioso” defendi a classe que acho muitas vezes menosprezada, atacada por alguns médicos que às vezes parece que não evoluíram no tempo. Aflige-me o facto de haver falta de companheirismo, mas talvez um dia lá chegaremos. Apenas o episódio das “setas” é especificamente seu, tudo o resto que disse não é direccionado para ninguém em especial. Agora vejo que o seu blog afinal não ataca assim tanto os enfermeiros como pensei e como lhe disse gostei dos posts que li, por isso o vou adicionar à minha lista de “recomendo” no meu blog. Como facilmente reconheço atitudes menos correctas, em jeito de tréguas, transcrevo este excerto de “O Cordial Dr X”: “(…) se transforma quando está diante do pc, nomeadamente do seu blog (a beira lethes).. este deve funcionar como uma espreguiçadeira no alpendre da casa de campo num fim de tarde solarengo.. deve funcionar como um "delete" de energias negativas.. faz bem Sr. Dr.. desde que lhe apazigúe a alma, continue..

E porque não, enquanto tiver de urgência imaginar-se na espreguiçadeira?! Não é fácil, mas vale a pena tentar.
G.