quinta-feira, 3 de julho de 2014

Pediatrices


Em Outubro de 2013, quase milhão e meio de portugueses estavam emigrados, dez por cento dos quais com educação superior. O Governo calcula que só em 2013 tenham saído do país entre 100 a 120 mil portugueses, números que se têm vindo a acentuar desde 2008 e, quem tende a sair está em idade activa, que também é a idade mais fértil.
Nos últimos 50 anos Portugal assistiu a uma queda do índice de fecundidade, que passou de 3.20 em 1960 para 1.21 filhos por mulher em 2013. Em 2013 nasceram 82.787 bebés (o número mais baixo de sempre) quando em 1960 nasceram 213.895.

Os melhores cuidados prestados à população (essencialmente pelo SNS), para além de uma franca redução da Taxa de Mortalidade Infantil (em 1960 – 77.5, em 2013 – 2,9), também fizeram com que se despistassem muitas malformações “in útero” e que se procedesse interrupção de gravidez por causa médica (17.247 em 2011) o que também influenciou a redução da taxa de Mortalidade Perinatal (42,2 em 1960 - 3,4 em 2013) e da Neonatal (28,0 em 1960 e 1,9 em 2013).
Como consequência, apesar do progressivo aumento da idade média da mulher no nascimento do primeiro filho, que em 1960 era de 25.0 anos ter passado para 29,7 anos em 2013, as crianças nascidas são fisicamente mais saudáveis, mesmo contando com os prematuros com idade gestacional cada vez mais baixa.
São números facilmente confirmados na Pordata.

Agora o que não vem lá.
- Que os Serviços de Pediatria não se redimensionaram a estes factos e as subespecialidades Pediátricas ainda menos, apesar de terem alargado a “idade pediátrica” até aos 18 anos e da maior preocupação dos pais com o “seu filho único" a que os pediatras respondem com internamentos de curta duração, múltiplos exames e consultas.
No que respeita a Cirurgia Pediátrica, só na zona Norte, existe em 4 Hospitais do SNS (Hospital de S. João, Hospital de Santo António, Hospital de Gaia e Hospital de Braga), sem contar com os privados que lhes fazem concorrência (Hospital da Boa Nova, Hospital da Arrábida, Hospital da CUF - Porto, Hospital Privado de Braga).
Hérnias e apendicites há de certeza, mas malformações a exigirem cirurgias correctivas, devem contar-se pelos dedos de uma mão as operadas num mês em todos estes serviços. Assim não é possível “ganhar mão” e ter experiência, mas é possível um razoável ordenado à espera do lá vem um.

Aguardo que o SNS retire metade dos pediatras dos Hospitais e os coloque em consultas nos Centros de Saúde permanentes ou por períodos e que concentre algumas das subespecialidades pediátricas, como Cirurgia, Cardiologia, Gastrenterologia e Oncologia, de modo a que haja experiência “de fazer”, para além de ficar bem mais barato ao erário público.
Mas é em coisas como esta que o Estado tem dificuldade em mexer, porque há as “capelas” e os interesses particulares e das Instituições.

São casos semelhantes aos do BES.
Sabe-se que está mal, mas eles são nossos amigos. Só há ponto final quando vem alguém de fora.

Triste país!

5 comentários:

JARRA disse...

Se há setor da Medicina que se tem reestruturado e racionalizado em portugal é a área materno infantil. O encerramento de maternidades, o alargamento da idade pediátrica, o encerramento dos hospitais pediátricos,são disso um bom exemplo!
Já a integração de Pediatras nos Centros de Saúde constituiria a medida mais perdulária que seria imaginável no SNS, já que há estudos que calculam a necessidade de quase duplicar o nº de profissionais existentes, sem benefícios nem razões evidentes. A indefinição duma estratégia clara sobre este assunto tem estado aliás na origem da, a meu ver excessiva, abertura de vagas de formação, que são demais para o que temos, de menos para o precisaríamos para uma cobertura dos cuidados primários. Fica-se assim como o tolo a meio da ponte, o que em Portugal não surpreende ninguém. Se precisarem de orientações, estou disponível. Abraço

capitão disse...

Caro Jarra:
Agradecia que comentasses também as minhas afirmações no que concerne à Subespecialidades Pediátricas e aquela … maior preocupação dos pais com o “seu filho único" a que os pediatras respondem com internamentos de curta duração, múltiplos exames e consultas.

JARRA disse...

Ora muito bem:
O problema das subespecialidades pediátricas é o mesmo das outras especializações médicas muito específicas - não são geralmente planeadas "por cima" e nascem de acordo com interesses e disponibilidades diversas. No que à pediatria diz respeito, penso que o panorama já foi mais caótico, embora ainda haja muitos ajustamentos que se poderiam fazer. A verdade é que o surgimento de alternativas e portanto concorrência também tem aspetos benéficos contribuindo para o progresso. Mas reconheço que a dispersão, além de desperdiçar recursos e encarecer o sistema, tem também um efeito de não permitir que nenhum dos centros chegue a assumir cabalmente os seus objetivos. A propósito ainda deste tema, diria que a abertura de consultas ou centros com alguma especialização pode-se justificar por questões de proximidade e conforto dos doentes, aspeto que devemos também considerar. Contudo, aquilo a que se geralmente assiste, é a uma desmultiplicação de subespecialistas numa mesma área geográfica - a Cirurgia pediátrica por exemplo, no Norte tem quatro serviços, todos no eixo Braga-Gaia, o que me parece de todo uma sobreposição de competências.
Mas a política racionalizadora do atual ministério, apenas movida por razões económicas e à boleia da qual alguns médicos "viajam", também me parece preocupante. Uma coisa é criar centros de referência para coordenar estratégias e agregar resultados, outra é criar centros "exclusivos" para tratamento de certas patologias, o que irá obrigar doentes crónicos a fazerem centenas de quilómetros para terem consultas ou obter medicação. E ainda por cima, conforme está previsto, a criarem-se serviços idênticos a 3 kms uns dos outros para atenderem doentes que terão de fazer 500 Kms. Isto é só para melhor controlo de custos e para agradar aos superespecialistas dos Hosp. centrais. Os chamados "centros de referência por patologias" em implementação, serão do meu ponto de vista, um retrocesso assistencial de dezenas de anos e está a ser feito com a cumplicidade da classe médica (precisamente porque os mais influentes ainda mais importantes se tornarão).
A outra questão vai em post à parte que este já vai longo.

JARRA disse...

Quanto à visão criançocêntrica das modernas famílias e à cumplicidade ou mesmo aproveitamento que dela é feita por alguns Pediatras.
Antes do mais uma declaração de interesses - sou dos que rejubilo pelas crianças terem passado nas últimas décadas a serem considerados parceiros em pé de igualdade com os outros escalões etários, nas famílias e na sociedade. Contudo cometem-se muitos exageros e estou em crer que no que à Pediatria diz respeito resultam mais da insegurança de quem a pratica, do que do novo estatuto infantil. E depois há também o aproveitamento comercial, desta atenção e preocupação de que hoje as crianças são alvo.
Deixa-me contar uma história ilustrativa e que mostra que isto não é um fenómeno local, bem pelo contrário:
Tenho uma afilhada de 5 anos que vive em New York e um dia destes, o meu primo e compadre, contactou-me preocupadissimo com a sua saúde. Tinham-lhe aparecido uns pequenos gânglios cervicais e na clínica pediátrica onde era seguida já lhe tinham feito uma bateria de exames de assustar, tratamentos antibióticos muito específicos e estavam na eminência de a biopsar. A minha opinião foi de que tivesse calma, não havia urgência em aprofundar o estudo, mas eu estava longe para observar, a mãe estava uma pilha de nervos ... até que decidiu por pressão da Pediatra consultar um Oncologista Pediátrico de Harvard, que em 5 minutos os pôs a correr pela porta fora e disse para irem comer gelados.
Ora por cá também temos disto, não fossemos nós um país moderno ... mas no geral somos mais moderados e principalmente o acesso a médicos diferenciados gratuitamente, ainda é possível para a maioria da população. Recorrendo a um slogan de propaganda médica da cidade "tratamos afetivamente!", diria que continuo a preferir ser tratado efetivamente. E neste aspeto os ricos estão ainda em Portugal ou pelo menos no meu meio, pior que os pobres - ser tratado sem interesses de permeio é uma grande vantagem. Quanto ao tempo de espera para uma consulta pública de pediatria por aqui, praticamente não existe. Se podem aparecer os tais médicos "anancásticos". podem - mas não temos tarefeiros que vão e vêm, temos discussão permanente dos doentes, formação contínua e ... a taxa de mortalidade infantil regional mais baixa dentro dum país que está nesse indicador, no top 5 mundial. E isso custa muito caro? Não, muito, mesmo muito menos do que em países que não podem pedir meças connosco.

capitão disse...

Mesmo me parecendo ver, de vez em quando, "juventude a mais" nas abordagens clínicas, isso está longe de ser regra.
Mas tenho para mim que arte é ir caçar o leão com um arco e meia dúzia de setas e não ir de metralhadora e granadas de mão!