Transcrevo um pouco do seu início:
“E esta história é, nada mais nada menos que a seguinte, quer o meu amigo acredite, quer não acredite nela: por volta do ano mil, segundo a tradição ou certos cálculos, um cavaleiro com esse nome de Mariño caminhava ao pé do mar, quando uma inesperada escorregadela ou outra causa qualquer o precipitou nas agitadas ondas, de que não teria podido livrar-se, armado como ia e lerdo na natação (que não no pelejar, como é óbvio), se não estivesse por acaso à coca por aquelas paragens a Sereia de Finisterra, a tão sinistramente reputada, que acorreu rápida em seu socorro e que, tendo visto de perto o belo rosto e o bem trabalhado corpo do desmaiado náufrago, concebeu por ele uns amores tão súbitos que o levou para o seu antro e o conservou como amante durante bastantes anos; e aí teria morrido o cavaleiro, de pura velhice, não fora os filhos havidos desse vínculo, que eram quatro, excelentes embora nas artes natatórias e piscatórias, ignorarem tudo da cavalaria e da espada, pelo que o pai pediu à Sereia que os deixasse levar a terra levando-os consigo para lhes dar educação cabal, ao que ela respondeu que sim, que estava bem, que os levasse e fizesse cavaleiros, mas com o compromisso de que, a cada geração, levaria um descendente para as suas necessidades particulares, e que esse destino singular se reconheceria pela cor azul dos olhos ou pelas escamas de peixe que o destinado haveria de ter nas coxas. E sucedeu, desde então, que todos os Mariños da costa, azuis dos olhos ou escamados das pernas, desapareceram no mar.
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