Ontem foi o primeiro dia desta época de caça e, das sete às dezassete horas, o meu cão andou com o rabo entre as pernas à procura de local seguro, face à quantidade de tiros que se deram na veiga vizinha. Havia de tudo. Tiros isolados, salvas de dois e até uma arma que disparava cinco ou seis seguidos. Só faltou o som de uma metralhadora. O desequilíbrio de forças é tal que me leva a pensar que qualquer dia há armas a lançar balas com sensores infravermelhos. Depois, é atirar a torto e a direito, que alguma coisa há-de cair, pois o ICNF não tem gente para estar em todo o lado para ver o que cada um apanha ou se anda demasiado perto das habitações. A quantidade de tiros de ontem não me parece estar de acordo com as espécies cinegéticas existentes na veiga, ou então, são necessários quatro tiros para abater um pardal.
Caçar nos tempos de hoje é fácil. Sai-se da cidade num todo-o-terreno topo da gama, com frigorífico para guardar umas bebidas frescas (que o tempo anda quente), veste-se um camuflado e apronta-se uma espingarda de múltiplos tiros e, para compor o cenário, põe-se um atrelado com cães para levantar e apanhar a caça.Depois, marca-se o almoço, para o tarde, num restaurante típico com a malta do grupo para, no meio dos copos, contar as façanhas da manhã e as das épocas anteriores e volta-se para casa ao fim do dia com o sentimento de ter cumprido “um destino” tão forte como uma ida a Jerusalém nos primórdios das Cruzadas!
Chamam a isto “desporto”. Eu chamo-lhe uma “matança” semelhante à que aconteceu na quinta na Azambuja, a 17 de dezembro do ano passado, e que motivou reacções de quase todos os quadrantes da sociedade.
Nada tenho contra o controle de pragas sejam eles coelhos, javalis ou ratazanas, nem contra a caça em terrenos onde se criam animais propositadamente para esse fim mas, fora destas circunstâncias, só ser proibido caçar os que estão em vias de extinção, parece-me pouco.
Há que controlar este gozo ancestral do bicho Homem em eliminar da face da Terra tudo o que mexe à sua volta! Qualquer dia há mais caçadores que caça. Ponto final!
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